domingo, 4 de dezembro de 2011

REGENERAÇÃO MOLECULAR

Regenerar os tecidos do corpo como os lagartos refazem a cauda ( Portugal)
Foto de Ricardo Silva

Entrevista a Austin Smith, investigador

A investigação das células estaminais e as suas potenciais aplicações terapêuticas estão a fascinar os cientistas e prometem revolucionar a medicina actual. Entre as expectativas geradas pelo potencial das células estaminais embrionárias e as complexas questões éticas que levantam, encontramos uma das áreas de investigação mais promissoras da actualidade, embora com um longo caminho ainda a percorrer. O britânico Austin Smith, um dos grandes especialistas mundiais na área, esteve em Portugal a convite do Instituto da Gulbenkian de Ciência, para participar numa sessão de formação da Associação de Repórteres de Ciência e Ambiente.
Porque é que se fala tanto de células estaminais?
Obviamente o que chama a atenção é a possibilidade de usar células estaminais para tratar doenças e lesões através do transplante de células. Sabemos que isto funciona, pois temos os exemplos do transplante de medula óssea para as doenças do sangue, e de pele em caso de queimaduras graves. É aliciante pensar que seria uma maneira de criar, por exemplo, novas células beta, as células que produzem insulina e que estão danificadas na diabetes tipo 1, ou novas células neuronais para doentes com Parkinson.
Que benefícios poderemos colher nos próximos anos?
Penso que, pelo menos a médio prazo, o principal impacto será a construção de sistemas para estudar o desenvolvimento normal das células e estudar o que causa as doenças, os genes envolvidos. Como as células estaminais podem multiplicar-se indefinidamente, temos um recurso ilimitado para fazer experiências em laboratório. Assim, podemos modelar as doenças, criar novos medicamentos e testá-los. Alguns desses medicamentos podem actuar activando as células estaminais no nosso corpo. Porque um dos problemas das células estaminais adultas, quando existem, e sabemos que as temos no cérebro, é que não parecem fazer muito. Não sabemos porquê. Com o estímulo certo talvez pudessem ser activadas para reparar os tecidos danificados num AVC, por exemplo.
Já é possível dirigir a multiplicação das células estaminais?
Esse é actualmente o grande desafio: conseguir multiplicá-las e dirigi-las para que se tornem num determinado tipo de células. Já avançámos muito na pesquisa com ratos, mas com células estaminais humanas, quer embrionárias quer adultas, estamos mais atrasados. Neste momento ainda não somos muito bons a controlar células estaminais humanas. Mas vamos chegar lá.
As células estaminais adultas podem ser uma opção para evitar a controvérsia ligada às células estaminais embrionárias?
Claro que sim. São muito poderosas e é possível que mesmo no futuro sejam estas a ser usadas clinicamente. Mas no momento não sabemos sequer se existem células estaminais na maior parte dos tecidos adultos. A maneira de descobrir isso é usar células estaminais embrionárias, porque são capazes de gerar todos os outros tipos de células. E podemos usá-las para identificar as células estaminais nos tecidos adultos. Também é provável que alguns tecidos adultos já não tenham células estaminais. Porque são perigosas e se alguma coisa correr mal podem causar cancro.
Quando se trabalha numa área que levantas tantas questões éticas, isso sente-se no trabalho diário?
Trabalhei com células estaminais embrionárias de ratos durante dez anos porque estava fascinado, e ainda estou, pelo poder destas células. Quando comecei a perceber que era possível controlá-las pensei: "se pudéssemos fazer isto em humanos as aplicações médicas seriam muito interessantes". E então torna-se uma espécie de obrigação. Tive de questionar a minha posição inicial, que era de que não devemos brincar com o embrião humano. A conclusão a que cheguei é que se existir uma boa razão biomédica para trabalhar com embriões humanos, que de outra forma seriam destruídos, é completamente justificado. Não decidi isto instantaneamente, não foi "agora quero trabalhar com células estaminais embrionárias, por isso não há problemas éticos".
Compreende a polémica?
É complicado abordar este tema, porque é parte do ciclo de vida e sentimos instintivamente que temos de ser cuidadosos. E muita gente, a Igreja e políticos, defende que não se deve tocar nisto. Por isso não podemos simplesmente dizer "somos cientistas e temos razão". É importante explicar o que estamos a fazer, o que podemos conseguir. E também o que a ciência nos diz sobre os estágios iniciais de desenvolvimento, se podemos considerar o embrião uma pessoa. Reflectir se, na prática, em outras situações, o tratamos assim. E se pensarmos nisso, não o fazemos. Quem se opõe a isto, pela lógica, tem que se opor à fertilização in vitro, a muitas formas de contracepção, ao aborto.
A legislação actual no Reino Unido deu uma boa resposta à situação?
Esta lei é muito importante porque é uma protecção: significa que não vou passar por cientista louco, que posso dizer "tudo está de acordo com a lei". Por outro lado, dá garantias ao público. Se não há nenhuma lei então ninguém sabe o que se pode fazer, cientistas e público.
Na perspectiva mais optimista o que é que as células estaminais podem fazer?
Na perspectiva mais optimista podem tornar possível regenerar e reparar todos os tecidos do corpo, tal como os lagartos conseguem fazer as caudas crescer novamente. Podemos sonhar com isto mas não estou a prometê-lo.


Fonte: http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=646755&page=-1

Nenhum comentário :