quinta-feira, 8 de março de 2012

HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Câncer

Queria a determinação dela. O silêncio dela. O olhar sereno dela. O amor que ela passava só com a presença. Ele olhava aquela foto e sempre ria porque ela tinha o humor refinado e perfurante. Podia falar o palavrão mais escabroso, mas o colocava de uma forma tão rápida ao se deparar com uma situação, que aquilo soava poético e as risadas iluminavam o ambiente, o quintal, a rua, a cidade, o planeta, o universo. Mas ela não ria – e este segredo ele nunca desvendou, porque ria das próprias piadas, das mancadas, da desgraça própria e alheia. No dia em que abriram seu joelho com o bisturi, ele jura ter sonhado com a possibilidade de acordar do torpor da anestesia com as pernas cambaias que ela tinha. Agradecia por ser dela a porção mulher que tinha, apesar dos quase dois metros de altura, cem quilos de gordura e pelos espalhados feito um tapete pelo corpo. Era por quem chorava quando adentrava as catacumbas da alma. Era para quem olhava para ter a força de se erguer do lodaçal em que se enfiava na armadilha da mente. Lembrava que ficou pouco tempo com ela, além dos meses encolhido na quietude do seu útero. Tudo era lembrança, principalmente a voz ao telefone no último dia que aumentou para a eternidade a distância entre eles. Mas foi a partir daí que ela tomou conta dele, como se soubesse todo o tempo que isso aconteceria. Era a mulher da vida dele. Antes, durante e depois da existência.

Nenhum comentário :