domingo, 8 de dezembro de 2013

CABEÇA DE PEDRA


Água fria

Tomou banho de bacia, dentro do balde, no tanque, de caneca quando não cabia mais em lugar nenhum. Água fresca quase gelada tirada do poço furado no meio do quintal. Primeiro foi o pavor, depois o amor. Ficou este. Cresceu e viu chegar água encanada, chuveiro elétrico, depois banheira, água aquecida a gás, assim como o piso todo da casa que comprou por ter se dado bem na vida. Não esquecia, contudo, os primeiros banhos da infância naquela casa de fundos no subúrbio da cidade grande. Até que um dia viu, reluzente, uma bacia enorme pendurada na parte externa de uma armazém que insistia em resistir à modernidade dos supermercados. Parou o carrão, entrou, comprou e levou junto a caneca de alumínio. No banheiro todo marmorizado, encheu com água fria a bacia enorme e sentou bem devagar. Nem lembrava mais a sensação do contato da água gelada com a bunda. Sentou e ficou ali pensando na vida, no pai, na mãe que já tinham ido embora, eles que continuaram tomando banho frio até o fim da vida. Pegou a caneca, encheu e despejou a água no alto da cabeça. Era criança de novo, depois de fugir décadas e não ter encontrado a felicidade.

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