sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

ARTHUR RIMBAUD


No Cabaré-Verde
 às cinco horas da tarde 


Depois de oito dias, larguei as botinas 
Pelo caminho. Eu entrei em Charleroi. 
— No Cabaré-Verde: pedi torradas finas, 
Manteiga e presunto, que é frio o lugar. 

 Feliz, estiquei as pernas sob a mesa 
Verde: e contemplei os toscos motivos 
Da tapeçaria. — E foi uma beleza 
Quando a vi, enormes tetas, olhos vivos, 

 É ela! Não é um beijo que a apavora! 
Risonha, trouxe a refeição na hora, 
O presunto tostado, num belo prato, 

 O presunto róseo e branco perfumado 
Pelo alho — e encheu-me o copo ávido 
De espuma brilhante como um raio de sol. 

 Outubro de 1870

FONTE: http://www.elsonfroes.com.br/rimbaud.htm

FARID DANIALOV




FUMAÇAS


por Ticiana Vasconcelos Silva

O mundo acabou e eu fiquei nele. Desmoronei com os sonhos e ilusões, mas viajei nas inconsistências da razão. Sonhei que era grande. Desejei ser pequena. Rasguei as minhas roupas e as coloquei dentro do armário para lembrar das minhas tristezas. Chorei a dor do filho que não tive e do amor que não foi correspondido. Amarguei a solidão dos hipócritas. Deitei em minha cama de prazeres imóveis e irresolutos. Olhei por várias janelas, mas nenhuma se abriu quando as cortinas se fecharam. Beijei otários. Transei com as minhas sombras. Dancei com meus átomos. Fugi dos anjos. E agora estou aqui, escrevendo este texto. E meu coração sorri como criança, pois meus dedos desenferrujaram e eu estou viva!

FONTE: http://paradoxodoser.blogspot.com.br/2014/02/fumacas.html

NO QUINTAL DE DONA ZEFA











Fotografias de Ricardo Silva

CABEÇA DE PEDRA


Rico e mijado

Me levaram para ver o homem mais rico da família. Ele morava numa casa caindo aos pedaços. A mulher dele parecia saída de um conto de fadas - ela era a bruxa, de tão acabada, coitada. Em volta do casebre as terras dele eram imensas, tanto que não se enxergavam os limites para qualquer lado que se olhava. E havia gado, muito gado. Ele tinha os olhos de um verde-mar impressionantes. Barba por fazer, um chapéu de couro bem velho, uma camisa desbotada e sem botões, e uma calça de pijama do tempo da guerra da Coréia. Estava todo mijado. Nunca tinha ido à cidade para se consultar com médicos. Não acreditava nisso. Para se curar de qualquer dor, tomava garrafadas de uma curandeira da região. Seu prazer era olhar o que tinha. Era o mais avarento de toda sua raça. Quando morreu, anos mais tarde, os filhos destruíram em pouco tempo todo o patrimônio. Mas enquanto ele estava vivo, tudo aquilo era dele - e era isso que o sustentava.


CABEÇA DE PEDRA: http://cabecadepedra1.blogspot.com.br/2014/02/rico-e-mijado.html