quarta-feira, 25 de junho de 2014

CABEÇA DE PEDRA


Meu pai que não era meu pai

Na cidade do sul do litoral baiano eu vi meu pai que não era meu pai. Há três dias que estava encostado naquela barraca que tinha um arco-iris desenhado e bebia feito uma criança nas grandes tetas maternas. Vodca. O mar era tão transparente que deu até vontade de cuspir nele para sujar um pouco tanta beleza. E havia cores fortes, uma luz de ferir os olhos. Foi quando meu pai que não era meu pai apareceu de repente e passou a uma distância de uns cinco metros. Descobri que era meu pai que não era meu pai porque nossos olhares se cruzaram e não desgrudaram. Quem desgrudou foi o tempo, que parou e nada mais existia fora daquele instante. Meu pai que não era meu pai tinha os olhos cristalinos feito bola de gude. Azuis bem claros, como meu pai que é meu pai. Meu coração disse que aquele era meu pai, mesmo eu vendo que não era meu pai. Então houve um sorriso da parte dele e aí todo o corpo se transformou e, agora sim, era meu pai em carne, osso e alma. Eu pedi a benção. Ele deu e disse fique com Deus. E quando terminou a frase voltou a ser meu pai que não era meu pai e foi embora. Eu bebi mais e dormi ali mesmo, ao lado do arco-iris. Quando acordei tive a certeza de que não morreria tão cedo. Meu pai que era meu pai morreu um tempo depois, mas demorou um pouco, e foi muito longe dali.


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