sábado, 23 de agosto de 2014

GRANDES ÁLBUNS

PÂNICO EM SP
INOCENTES

Escrito por Tiago Ferreira

Um dos maiores clássicos do punk nacional decidiu focar as críticas contra a passividade de personagens da megalópole e – claro – também ao establishment.


Se for realizada uma enquete com 20 discos para entender São Paulo, reclame se não tiver Pânico em SP na lista. Esse disco tem apenas 6 faixas e causou controvérsias no ano de seu lançamento, já que foi o primeiro do punk nacional lançado por uma grande gravadora multinacional – a Warner.

O contato do grupo Inocentes com a gravadora surgiu quando Branco Mello (Titãs) levou uma fita demo com faixas de Miséria e Fome, o primeiro registro deles (que, das 14 faixas, teve 10 delas censuradas). Com isso, muitos fãs da banda afirmaram que eles teriam se vendido, mas o conteúdo pesado do disco nega qualquer influência externa de executivos.


Do EP anterior, os Inocentes gravaram novamente “Salvem El Salvador”, levado em uma pegada ska, mas que ganhou uma versão ainda mais agressiva com as linhas de guitarra aceleradas por Clemente Nascimento, que antes tocava com o também pioneiro no punk Restos de Nada.

Além de Clemente, completava a banda naquela época o guitarrista Ronaldo Passos (que toca com o grupo até hoje), o baixista André Parlato e o baterista Tonhão Parlato.

As influências claras do som da banda paulistana são New York Dolls, MC5 e Ramones. Funciona mais ou menos como um passeio de Dee Dee Ramone nos lugares mais periféricos da cidade. E aí, vale lembrar que na década de 1980 a cidade ainda estava longe de se tornar desenvolvida. Corrupção e negligência do governo instauraram o caos, dando voz para a música de artistas que precisavam expelir sua fúria de alguma forma. O rap florescia, o rock estava ganhando uma roupagem forte – e a cidade de São Paulo era alvo de críticas por todos os lados no campo artístico.

Pânico em SP é um clássico porque além de contextualizar o que rolava na cidade, mostra fatos inegáveis de personagens metropolitanos. “Rotina” vocifera a impossibilidade de manter um padrão de vida tedioso, com trabalho insuportável, filhos, família e a TV, que diz “o que fazer”. É uma crítica direta ao establishment, mas não se esconde a idiossincrasia: que outra visão de família e estabilidade teria um grupo de punks em início de carreira? Só que, sem cair no erro de achar que é uma opinião massiva de jovens, o ataque direto é contra a vontade da população de mudar alguma coisa, já que o país (tampouco São Paulo) não vivia seus melhores momentos econômicos.

“Não importa o que façam”, diz Clemente em “Não Acordem a Cidade”, que fala do alastramento e da facilidade de conseguir drogas em qualquer canto da cidade: “Em cada esquina que você passar/Em cada beco que você olhar/Não se espante/Eles vão estar lá”. Isso acontece até hoje, com a diferença de que a repressão parece ser um pouco menor. Ou, pelo menos, é a impressão que fica com as aparências.

Para fechar, a faixa-título que, até hoje, é considerada um dos maiores clássicos do punk nacional. A linha instrumental que inicia a música é pulsante e muito bem construída, o que remonta ao primeiro disco do The Clash. Os Inocentes disparam críticas aos meios de comunicação, força policial e governantes que, juntos, formam o aparato essencial para o declínio de uma cidade acinzentada pelo espectro do pânico. “Mas o que eles não sabiam/Aliás o que ninguém sabia/Era o que estava acontecendo/Ou o que realmente acontecia”, canta Clemente em “Pânico em SP”, dizendo o que acontecia com boa parte dos cidadãos paulistanos.

Clássico absoluto, Pânico em SP é uma obra bem maior do que seus 18 minutos de duração. Ainda hoje, 26 anos depois de seu lançamento, permanece essencial para contextualizar a maior metrópole brasileira.


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