sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

SOLDA


CÁUSTICO


SOLDA CÁUSTICO: http://cartunistasolda.com.br/

BARÃO DE ITARARÉ


Conselho Médico
(Como devemos tomar nossos remédios)


Quando estamos doentes, afinal não temos outro remédio senão tomar remédio.
O remédio, aliás, sempre faz bem. Ou faz bem ao doente que o toma com muita fé; ou ao droguista que o fabrica com muito carinho; ou ao comerciante que o vende com um pequeno lucro de 300 por cento.
Mas apesar do bem que fazem, devemos convir que há remédios verdadeiramente repugnantes, que provocam engulhos e violentas reações de repulsa do estômago.
Como devemos tomar esses remédios repugnantes? Aí está o problema que procuraremos resolver para orientar os nossos dignos e anêmicos leitores.
O melhor meio de vencer as náuseas, quando temos que ingerir um remédio repelente, consiste em recorrer à lógica dos rodeios, adotando os métodos indiretos, até chegar à auto-sugestão, transformando assim o remédio repugnante numa coisa que seja agradável ao paladar. Numa palavra, devemos tomar o remédio com cerveja, por exemplo.
Como devemos proceder para chegarmos a esse magnífico resultado?
É indispensável comprar, antes do remédio, uma garrafa de cerveja. Depois, é necessário bebê-la devagar, saboreando-a, para sentir-lhe bem o gosto. Liquidada a primeira garrafa, pedimos outra cerveja. Esta vamos tomá-la de outra forma, também devagar, mas com a idéia posta no remédio, cuja lembrança naturalmente nos provocará asco. Para voltarmos ao normal, encomendamos uma terceira garrafa, com a qual, lembrando-nos sempre do remédio, iremos dominando e vencendo a repugnância. Na altura da quinta ou undécima garrafa, nós já estaremos convencidos de que o gosto do remédio deve ser muito semelhante ao da cerveja e, assim, já poderíamos beber calmamente o remédio como cerveja. Mas, como não temos o remédio no momento e já não temos muita força nas pernas para ir à farmácia, então continuamos a beber a infusão de lúpulo e cevada, até chegarmos a esta notável conclusão: se é possível chegar a se tomar um remédio tão repugnante como cerveja, muito mais lógico será que passemos a tomar cerveja como remédio, porque a ordem dos fatores não altera o produto, quando está convenientemente engarrafado.


Texto extraído do livro "Máximas e Mínimas do Barão de Itararé", Editora Record - Rio de Janeiro, 1986, pág. 33, uma coletânea organizada por Afonso Félix de Sousa.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

DISCOTECA BÁSICA


Led Zeppelin
Physical Graffiti (1975)

(Edição 11,Junho de 1986) 

Uma escolha que pode contrariar muita gente entre as viúvas do Led que ainda hoje habitam o planeta. Afinal, não existe nenhuma razão para se excluir de qualquer "discoteca básica" os quatro primeiros LPs do grupo. Desde sua estréia em vinil, com "Led Zeppelin I" (68), o quarteto já traz todos os extremos para que aponta a gula estilística do maestro Jimmy Page - do rockabilly ao folk de raízes celtas, passando por blues épicos como tratores encharcados de combustíveis ilícitos. Sem contar, claro, com a cristalização do gênero que seria batizado como heavy metal (pelo que, talvez, a História nunca os perdoe). 
Seja como for, "Physical Grafitti" foi o único disco que eu me arrependi de ter jogado fora quando - há uns cinco, seis anos - tive um acesso de limpeza provocado pela audição ininterrupta de Talking Heads e Joy Division e pelos ideais do levante de 77. É verdade - nesta fatídica data, eu doei a coleção completa do Led, e só não tinha nenhum pirata por falta de grana. Eles viraram, de fato, os Judas favoritos dos punks - do sexismo arrogante de Robert Plant e do virtuosismo de Page ao sucesso medido em pilhas de platina, representavam tudo o que havia de errado com o rock'n'roll na primeira metade da década de 70. 
Noutra data fatídica, porém, eu simplesmente tive de entrar na primeira lojinha de discos para comprar um Physical Grafitti novo em folha, antes que a saudade matasse. 
Está lá, levadas às últimas conseqüências, a potência monolítica porém filigranada que sempre foi o segredo e o veneno da banda. Junto com o momento máximo do produtor Jimmy Page - e é aí que a porca chamada História torce o rabo. 
Contemporâneo e amigo de Beck e Clapton uns cinco anos antes de entrar para os Yardbirds, Jimmy - por motivos de saúde - não foi pulando para dentro da primeira banda de blues psicodélico que passou pela porta de sua casa. Ao contrário, fez carreira como músico de estúdio até aperfeiçoar-se como arranjador e produtor de grupos como os Stones, os Kinks e o Who. Sem nenhum crédito por isso, é bem provável que tenha sido o legítimo criador do rhythmÕn'blues mod(erninho) que a velha Inglaterra espalhou para o mundo no começo dos 60. O que já bastaria para colocá-lo pau a pau com Hendrix entre os guitarristas de sua geração. 
Quando entrou para o Led, portanto, Jimmy não só tocava como um demônio - fosse com a palheta, com os dedos ou com seu arco de violino -, como conhecia estúdios e eletrônica musical de A a Z. Foi o homem, enfim, que introduziu no rock o theremin - um instrumento eletrônico da década de 30, deixado às traças com a invenção do sintetizador. 
Sobrepondo guitarras e guitarras com timbres tratados diferentemente, criou um turbilhão wagneriano que atinge o gozo final nos três tours-de-force monumentais de "Physical Grafitti". "Kashmir" e "In the Light" atacam escalas orientais com performances demolidoras dos exagerados Plant e Bonham, contrabalançadas pela finesse climática de John Paul Jones no baixo e - principalmente nessas duas faixas - nos teclados. A terceira, "In My Time of Dying", era um belo spiritual recuperado por Bob Dylan. Era, porque a bordo do "zepelim de chumbo" se transforma numa exaltação simultaneamente heróica e debochada, com o histriônico Plant implorando aos berros pela presença de Jesus e do Arcanjo Gabriel. Paroxismo é isso aí, principalmente para uma garganta acostumada a simular orgasmos múltiplos. 
Junto a rocks concisos e musculosos como "Custard Pie" e "Trampled Underfoot", não precisava mais. Aí o grupo resolveu acoplar sobras dos LPs anteriores - algumas, meras jams -, transformando Physical Grafitti num álbum duplo que não tem (surpresa!) sequer um sulco supérfluo. 


José Augusto Lemos


quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

CABEÇA DE PEDRA


Sou ladrão!

Sou ladrão, sim - e daí? Ninguém nunca me pegou. Sou o rei dos caras de pau. Claro que tenho um mandato parlamentar. E faz tempo! Tanto que, se bobear, ainda terei forças para colocar meu bisneto na quadrilha. Não tenho vergonha do que faço. Roubo algumas quirelas do orçamento. Tem gente que rouba muito mais. Todo mundo rouba, disso tenho certeza. Sempre fui modesto. Me contentei em ficar com uma parcela do que se transformou em beneficio para o meu povo. Meu povo que vota em mim. Meu povo da família vai muito bem, obrigado. No começo fiquei meio sem jeito para fazer a coisa. Depois, me acostumei. Dinheiro fácil. Me conformei com a história do nosso país. Sempre foi assim, desde que os portugueses mandaram os criminosos povoarem a terra que tudo dá. E como dá! Faço meu serviço direito. Engano a todos com discursos patrióticos e que pregam a honestidade. Para os outros. Não sou honesto. Sou honesto comigo mesmo pois me convenci de que dinheiro traz felicidade. Inventaram aquela lorota que diz ao contrário só para manter a bugrada mansa e na miséria. Sempre sou financiado por quem tem muito mais que. É que eles ganham ainda mais com o trabalho que faço para eles. É o jogo. Sou humilde, mas só gosto de ficar em hotel de muitas estrelas quando viajo para a Europa. Miami é coisa de novo rico cucaracha. Sou um velho ladrão. Ostento apenas lá fora, onde ninguém me conhece. Aqui, se pudesse, andava de Fusca, feito o uruguaio que liberou a maconha. Agora tenho de parar essa confissão. Porque vou queimá-la. Faço isso para desopilar. Isso e a missa que vou sagradamente todo domingo. No sábado me confesso. No dia seguinte, comungo. Para ficar pronto para os roubos da semana. Rezo para morrer num domingo. Eu acredito que exista o céu.