sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

SALGADO NO MON


por Yuri Vasconcelos Silva

Um grande fotógrafo de Palmeira dos Índios, interior de Alagoas, constatou o que já sabia por instinto. Não é necessário se ater às regras para produzir uma bela fotografia. Ele gastou duas horas para percorrer as galerias da mostra Gênesis, de Sebastião Salgado, no MON. Só saiu porque um segurança pediu. Era hora de o museu fechar.

Todo ofício que habita terras da criação precisa ser inspirado, aprendido e testado. No início, durante a aprendizagem, os artistas absorvem as técnicas e truques para alcançar a obra que cutuca em algum lugar dentro da mente. Na fotografia não é diferente. Na verdade, a técnica é fundamental. Lida-se com um equipamento complicado e traiçoeiro, que usa como matéria de impressão a tão presente e também imaterial luz. Complicado. Com o tempo, a máquina revela seus segredos – até, por fim, estar adestrada na mão do profissional ou amador. O controle do tempo de exposição, da abertura do obturador, o alinhamento do horizonte, a proporção de ouro, o foco e o iso. Tudo pode ser aprendido. Mas para o principiante tornar-se mestre, é preciso coragem para se libertar das regras. A subversão é o último estágio para um artista ser completo.

O que o fotógrafo constatou nas inspiradoras imagens captadas pelo olho de Salgado foi a busca pela força bruta da natureza selvagem congelada em um instante. A essência que emerge das paisagens em luzes e breus nos quatro cantos do planeta podem parecer uma invenção do artista. Não se assemelha em nada com a paisagem que os espectadores estão acostumados a viver. Salgado emoldura ambientes oníricos. São catedrais de pedras, curvas de areias, cidades de troncos ou castelos brancos de gelo. Os que habitam estas terras são seres tão exuberantes quanto os lugares onde nascem e morrem. A máquina de Salgado parece sugar os olhares e sentimentos de cada personagem retratado, impressos no papel fotográfico para deleite particular de cada visitante na exposição. Mas alguns olhares também prendem o fotógrafo para sempre na obra do artista. Ao aproximar bem a visão, é possível ver o reflexo de Salgado no olho de um bicho. É emocionante! As texturas, a granulometria da foto impressa, os espaços negativos e positivos são puro jogo estético de linhas e formas. Algumas fotos são tão gráficas que mal compreende-se do que se trata.

O fotógrafo de Palmeira dos Índios ouve então a conversa de um casal, com Canons penduradas em seus pescoços. O casal coloca em dúvida a qualidade do material, pois detectaram linhas de horizontes tortas, grânulos grandes demais, enquadramentos cortados. O fotógrafo passa por eles e diz:

“Voltem e comecem tudo de novo. Se afastem da lógica. Mergulhem em cada foto. Quando sentirem um formigamento, verão arte”


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