quarta-feira, 18 de março de 2015

FEIOS, SUJOS E MALVADOS

Diretores italianos sempre foram peritos em analisar e criticar de forma magistral as questões sociais e políticas da Itália, vide Ladrões de Bicicleta (Vittorio de Sicca); o sufocante Saló – 120 Dias de Sodoma (Pasolini); Rocco e Seus Irmãos (Luchino Visconti); A Grande Guerra (Mario Monicelli); Fellini com seus Noites de Cabíria e A Estrada da Vida. 
Ettore Scola passeou dos dois lados, o dos sonhos desfeitos e ideologias corrompidas (Nós Que Nos Amávamos Tanto) e o do Estado malvado, corrompido, o Estado que gera monstros por conta de seu gene monstruoso na fenomenal tragicomédia Feios, Sujos e Malvados.

Um patriarca corrompido, com várias bocas dependendo dele e vivendo de forma parasitária. Ele tem dinheiro e pode fazer o que quer, eles precisam do dinheiro que o patriarca tem e, corrompidos, tentarão tudo para conseguirem o que pretendem.
Feios é uma crítica para lá de contundente porque aborda a desestruturação da sociedade, sua corrosão de desde o topo até a base. 
Nada é gratuito ou excessivo no filme, nem mesmo o ‘chiqueirinho’ improvisado para as crianças ficarem literalmente presas, enquanto os pais trabalham.

Violência doméstica, costumes corrompidos, fome, o filme passa por incesto, homossexualidade e preconceito, e mais miséria, prostituição, erosão da família e ausência total do Estado, a cena do juiz inquirindo Giacinto é para lá de emblemática. Ela deixa clara a mensagem: Estamos rasgando para vocês, podem se matar, não farão falta.
Claro que inúmeras outras interpretações podem ser feitas, o grande diretor nunca deixa seu filme fechado, com viseiras, ao contrário, abre permite que o público se revele na obra, ponha a cabeça para funcionar e interprete de acordo com o seu conteúdo. Para aqueles que não tem nenhum, o filme serve como uma piada, de mau gosto, mas serve.

É possível rir assistindo o filme, ele foi feito para isso, para rirmos da nossa miséria retratada na situação da Itália naquela década de 70, é época do cada um por si que vinha dos anos pós-guerra, durou muito, e Pier Paolo Pasolini em seus excepcionais artigos (chamados Contos Corsários) acusou de Fascismo de Consumo. 
Mas quem prestar atenção vai segurar o riso. Feios, Sujos e Malvados é uma paulada que só não nos engasga como o Saló de Pasolini porque Scola resolveu pegar mais leve e ironizar, caricaturar para ser contundente como seu colega (assassinado no anterior ao da produção) sem permitir ao público prestar atenção no soco no estômago, salvo quando já é tarde demais.
O final é a cara do mundo, das sociedades, dos políticos, da nossa inércia e do descaso com a inocência. É um terror disfarçado de tragicomédia. 
Quem já assistiu, assiste outra vez, quem não o fez, que o faça já, imediatamente, corre na locadora e tira do seu curriculum cultural a mancha dessa omissão.

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