quarta-feira, 22 de abril de 2015

DISCOTECA BÁSICA

THE WHO | TOMMY (1969)


 por Tiago Ferreira

Com uma guitarra na mão e inúmeras ideias na cabeça, Pete Townshend moldou todo o cenário do rock. Depois da bombástica estreia, sua inconstância se tornaria presente para a elaboração de uma estética que ampliou as ramificações da música pop.
Antes disso, muitas de suas guitarras tiveram que ser sacrificadas; as cáusticas performances da banda durante a execução de “My Generation” estavam começando a irritar o epicentro do The Who.

Roger Daltrey (vocal), Keith Moon (bateria) e John Entwhistle (baixo) ainda se empolgavam com o ritmo contagiante de fúria roqueira diante de um público sedento por apresentações memoráveis. Entretanto, Townshend se sentia artisticamente diminuído ao continuar repetindo aquilo que iniciou com tanta ênfase.
Ele não admirava sua virtuosidade no instrumento. “Se eu pareço um grande guitarrista, simplesmente é uma particularidade minha: soar como um grande guitarrista que não sou”, declarou Townshend a Jann Wenner. Ele sempre preferiu aperfeiçoar suas habilidades como compositor. E se tornou uma das principais engrenagens do rock.

The Who Sell Out (1967) foi o primeiro dos grandes experimentos da banda. O álbum simula a transmissão de uma rádio pirata, em contraponto aos argumentos de parte da imprensa e de alguns fãs que reclamavam que o The Who estaria se vendendo. Os arranjos foram trabalhados mais densamente, com a inserção de vocais de fundo que enalteciam o poder lírico das canções.

Mas é em 1969 que seria lançado o álbum que fincou de vez a capacidade de uma produção literária e musical ao mesmo tempo: Tommy marcaria ainda mais a onipresença do The Who na importância da música.
Foi o primeiro trabalho de ópera-rock. Seguia com faixas que contavam a história de Tommy, um garoto que presenciou através de um espelho o assassinato do amante de sua mãe pelo próprio pai, renomado militar que acabara de voltar da Primeira Guerra Mundial.

É uma história que vislumbra os aspectos metafísicos do jovem garoto. Em “Amazing Journey”, os vocais de Daltrey procuram um sentido de identificação, mesmo depois de o garoto ficar surdo, cego e mudo por pressão dos pais. ‘A doença certamente dominará a mente/Para onde as mentes não costumam ir/Venha, incrível viagem/E ensine tudo o que [o garoto] deveria saber’.
O álbum discorre sobre toda a dor e a ingenuidade do garoto de 10 anos que perdeu todos os sentidos. Daltrey dramatiza a dor de Tommy em diversos momentos, como em “Christmas”, onde situa o desconhecimento do garoto diante de uma comemoração natalina. Como observador, o vocal tenta compartilhar a data causando mais dor ao mobilizá-lo: ‘Tommy, pode me escutar?’.

Para a sonoridade do álbum, o mesmo cuidado nos arranjos de The Who Sell Out foi mantido para explorar os sentimentos mais intensos que o trabalho exigia. Além dos convencionais guitarra/baixo/bateria, compunham o álbum órgãos, trompetes, pianos e diversos truques de vozes.
Em “Pinball Wizard”, o garoto exibe suas habilidades intuitivas e mostra ser capaz de cura, em um rock’n roll envolvente que rememora os clássicos tempos de euforia de My Generation (1965).

Um doutor examina o garoto e conclui que ele oculta um sentimento interior que repele sua capacidade de recuperar os sentidos. Ele ouve, vê e fala, mas tem que se libertar de um aprisionamento existencial. O pai sugere que ele volte ao espelho, mas a mãe o quebra tentando impedir que o garoto um dia espalhe o ocorrido em “1921”.
Por meio de sua experiência, Tommy tenta mostrar o caminho da salvação para os necessitados assumindo um papel parecido ao ‘Messias na Terra’. “I’m Free” explora este sentimento convidativo do rapaz à procura de seguidores. Indo a fundo nessa trajetória, Tommy tenta cativar pessoas comuns a trilharem seus passos. ‘Venha para esta casa/Seja um de nós/Faça dela a sua casa’, conclama, tal qual um anfitrião do paraíso.

Porém, a convite de um tio, o garoto encontra hóspedes que se recusam a aceitar sua bondade e contestam o andamento dos fatos. Com bombásticas declarações, eles confundem o rapaz.
Então a última faixa, “We’re Not Gonna Take It”, revela que Tommy foi explorado por seus parentes graças aos seus distúrbios psicológicos. A letra retoma a “Go To The Mirror!”, quando o garoto começa a retomar os sentidos, causando uma dúbia interpretação à ópera.

Tommy significou um passo avante do The Who e do próprio rock ao estrelato do lirismo. Provou que a geração de Townshend e companhia estavam evoluindo para romper ainda mais as barreiras da música pop.
E você acha que o The Who se inquietou? O melhor trabalho ainda estaria por vir em 1971, quando Townshend expôs seu ‘arquivo de preciosidades’ e lançou o estupendo Who’s Next.



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