quinta-feira, 29 de outubro de 2015

AS 3 MÁSCARAS DO TERROR

I tre volti della paura / Black Sabbath

1963 / Itália, Reino Unido, França / 92 min / Direção: Mario Bava / Roteiro:Mario Bava, Alberto Bevilacqua, Marcello Fondato (baseados nas obras de Ivan Chekhov, F.G. Snyder, Aleksei Tolstoy) / Produção: Salvatore Billitteri, Paolo Mercuri / Elenco: Boris Karloff, Michéle Mercier, Lidia Alfoni, Mark Damon, Jacqueline Pierreux

Todo filme que você ler nos créditos “regia di Mario Bava”, você pode crer que na maioria das vezes verá um excelente filme de terror, afinal, Bava foi um dos mais brilhantes e técnicos diretores italianos de todos os tempos. Aqui em As Três Máscaras da Morte, mais uma vez ele mostra todos os seus recursos narrativos e estéticos.

Certo dia, Ozzy Osbourne e Tony Iommi estavam andando na rua nos anos 60 quando viram o pôster de As Três Máscaras da Morte, porém com o título que ele ganhou na Inglaterra: Black Sabbath. Maravilhados com o cartaz, que trazia Boris Karloff em um cavalo segurando uma cabeça decepada nas mãos, eles decidiram então trocar o nome da atual banda, The Earth, por aquele. O resto é história…

As Três Máscaras da Morte é um filme composto de três contos de terror, dirigidos pelo maestro do macabro Mario Bava, que desde o primeiro filme tardio como diretor, A Máscara de Satã, trouxe um novo olhar para os filmes de horror, elevando o seu nível. Isso porque ele levou consigo toda sua experiência adquirida como diretor de fotografia, criando uma certa sofisticação visual, uso exagerado de cores vivas, jogos de luz e sombra, enquadramentos minuciosos e abuso de zooms etravellings inovadores na época.

Estrelado e apresentado por Boris Karloff, o filme traz três elementos de horror diferentes em seu enredo, mostrando toda a versatilidade do diretor em assustar a plateia nas mais variadas formas: o primeiro, O Telefone, que podemos considerar a protogênese do giallo, traz uma história de assassinato, vingança, voyeurismo e sexualidade; o segundo, O Wurdalak é uma história russa de vampiros; o terceiro e último, A Gota D’água, é uma história sobrenatural de espíritos, ganância e vinagança.

O Telefone, baseado em um conto de F.G. Snyder é a história mais curta e “fraca” da três. Possui um enredo simples, mas que funciona muito bem e cria uma clima de tensão crescente no espectador. Basicamente Rosy (a estonteante Michèle Mercier), uma prostituta de luxo, começa a receber ameaçadoras ligações de um desconhecido, jurando-a de morte, que logo ela deduz ser seu antigo cafetão, Frank Rainer, que havia sido libertado da prisão há pouco. Morrendo de medo, ela liga para Mary para pedir ajuda. Detalhe que Mary é um ex-caso de Rosy, que até hoje não digeriu bem a separação. O conto inteiro é rodado dentro do apartamento de Rosy, gerando um clima de claustrofobia e colocando o lar como local não seguro, já que Rosy está sendo vigiada constantemente e o perseguidor sabe de todos os seus passos. O episódio em suas entrelinhas explora muito a tensão sexual nesse triângulo amoroso Rosy / Mary / Frank, a possessão e controle e de maneira bem sutil, mas óbvia, e o lesbianismo e o fetiche sexual, tema que era uma baita tabu na década de 60.
O Wurdalak, estrelado por Karloff, é o filme mais bem planejado e executado, tanto falando do roteiro quanto da ambientação e dos elementos utilizados aqui. Baseado em uma história do escritor russo Aleksei Tolstoy, o filme pega emprestado elementos típicos dos filmes da Hammer, para contar a história de uma família que vive isolada em uma lúgubre floresta e morre de medo dos Wurdalaks, vampiros das lendas locais que suga o sangue apenas daqueles que amam. Karloff é Gorca, o patriarca da família que sai em uma noite para caçar um impiedoso assassino turco que rondava a região. A lenda dizia que se daqui a cinco noites ele não voltasse, era para temer pelo pior que ele haveria se transformado na criatura, e deveria ter a cabeça decepada e uma adaga enfiada no coração. Quem se dá mal nessa história toda é Vladimir (Mark Damon), um viajante que repudia as superstições locais, e que vai parar na casa de Gorca pedindo descanso durante à noite, se apaixonando pela belíssima Sdenka (Susy Anderson) e se metendo no meio de uma macabra trama familiar. Vale prestar muita atenção na cena em que o neto de Gorka é transformado e perambula pelo exterior da casa logo após sair da cova, chorando para seus pais que está com frio. É de arrepiar todos os pelos do braço, da nuca, e de onde mais os tiver.Boris “Wurdulak” Karloff
Para terminar, A Gota D’água é a cereja do bolo, e o melhor do três contos. Simples, contido mas de um pavor sem tamanho. Se nego chegar e falar que não sentiu medo da expressão daquela velha morta, pode ter certeza que está mentindo. São pequenos detalhes que compõe o aspecto assustador da história da enfermeira Helen Chester que é chamada no meio de uma noite de tempestade para preparar o corpo de uma velha psíquica que acabara de morrer durante uma de suas sessões. A velha rígida, estatelada na cama com uma expressão grotesca no rosto é algo ímpar no cinema de horror. Movida por uma ganância suprema, a enfermeira rouba um valioso anel de diamantes do dedo da velha. É aí que entra os tais detalhes: a mosca que aparece em seu dedo no lugar do anel, os inusitados ângulos da câmera, as cores frias piscando intermitentemente no apartamento da enfermeira e claro, a maldita gota d’água que fica pingando de forma a atormentar a ladra, até que o fantasma da morta (ou materialização do sentimento de culpa?) venha se vingar de lhe roubarem o precioso anel. Baseado em um conto de Ivan Chekhov.
Três histórias com os finais pessimistas, mostram uma verdadeira aula do que é fazer um filme de terror: uso de temas como obsessão, sexualidade, destruição da unidade familiar, ganância e arrependimento e tecnicamente falando, explora iluminação rica, jogo de cores, direção de arte deslumbrante, fotografia muito bem trabalhada e todo o mise-en-scène detalhado para fazer cada história funcionar de seu jeito peculiar, mesmo com contos que variam em sua essência e eficácia.

*Nos EUA, As Três Máscaras da Morte foi lançado completamente modificado pela AIP (American International Pictures), perdendo toda a narrativa estrutural que Bava havia criado no original, para que tivesse um efeito cumulativo, invertendo a ordem dos contos, além de sofrer alteração da excelente trilha sonora de Roberto Nicolosi, manipulação dos frames para abrandar a censura, narrações intertítulos de Karloff e um final com uma desnecessária sugestão sobrenatural adicional (dirigida por Salvatore Billiteri) na sequência O Telefone. Aqui no Brasil chegou a ser lançado em DVD pelo selo Dark Side, em mais uma caprichada edição da Editora Works em meados dos anos 2000.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

FLORES

NO QUINTAL DE DONA ZEFA




Fotografias de Ricardo Silva

ADEUS, ESTADO


por Yuri Vasconcelos Silva

Tenho um relacionamento complicado. Do tipo grande e inapropriado, como um hipopótamo num campo de golfe. Participa da minha vida desde que nasci – e estará presente mesmo depois que eu acinzentar em um forno crematório. Entre todas as inconveniências proporcionadas por esta relação, a mais desagradável é sua nada sutil interferência constante em minha vida pessoal. O Estado. Presente em todas as compras que eu faço, qualquer que seja o negócio, ele me observa e retira um naco. O Estado quer saber quanto eu ganho ou quanto eu perco. Devo provar minha capacidade em dirigir um veículo a cada cinco anos. Para cruzar linhas fronteiriças, ele exige um passaporte bisbilhotado a cada cinco anos também, o que significa, entre outras provas, apresentar até comprovantes de casamento e divórcio dos meus pais. Dizem, de forma rude, que é para averiguar meu sobrenome. Mas um homenzinho paranoico dentro de mim berra que isso é controle. O Estado cuida de minhas digitais, de minha identidade, da forma que dirijo meu carro e minha quitanda. Ele quer saber o que tenho em casa, qual o salário da minha mulher, onde passo minhas férias. Quando volto de uma viagem e retorno ao país, o Estado me olha como um delinquente, uma espécie de traidor. Ele arregaça minhas malas e pergunta de onde é meu relógio. Num guichê da Receita, sou culpado até que prove minha inocência. O Estado regula o preço da energia, num amplo espectro que vai do combustível à eletricidade do meu microondas. Esta relação tem sido sufocante.

Preciso de um tempo sozinho e até Marte me pareceu uma boa alternativa. Confesso, no entanto, que ainda não sei como começar esta conversa com ele.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

SOLDA


SOLDA CÁUSTICO:  http://cartunistasolda.com.br/

ENTRA OU SAI

por Fabrício Carpinejar


Se deseja o bem do outro, amar é decidir.

Há aquele que não quer se afastar, só que não suporta ficar perto.

Há aquele que não consegue permanecer longe, porém não se esforça para conviver.

Há aquele que não sai definitivo de sua vida, muito menos entra de verdade.

Há aquele que não se despede e também não assume as dificuldades do recomeço.

Há aquele que não larga as lembranças, entretanto não promete mais nada.

Há aquele que não está junto, mas não está longe.

Há aquele que sente saudade quando distante e reclama do ódio quando perto.

Há aquele que não desaparece e tampouco ressurge, que não destrói de uma vez por todas a relação, tampouco reconstrói os laços.

Há aquele que não pretende se encontrar para não sofrer, só que não para de telefonar e mandar mensagens.

Há aquele que tortura com amor, bate com o beijo, perdura a mala em gaveta.

Há aquele que não esquece o passado e também não desobriga a sua companhia a seguir em frente.

Aquele é você.

Não resolve, não se define, nem vem nem vai, sempre em cima do muro das palavras.

Sem esperança, sem fé, sem confiança, prende a pessoa pelo ressentimento. Empaca romances, não liberta seu prisioneiro para a possibilidade de novos amores.

A relação se transforma num purgatório, numa cobrança insolúvel de dívidas, que jamais serão quitadas pois não existem dias felizes para fazer esquecer as datas infelizes.

Se deseja o bem do outro, amar é também desistir.


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

domingo, 25 de outubro de 2015

RIMBAUD, O MITO PERMANENTE

O poeta francês, tido como gênio revolucionário, reinventou o amor e a angústia

por Túlio Moreira Rocha
Se vivesse nos dias de hoje, o poeta Jean Nicolas Arthur Rimbaud seria bombardeado pela mídia e perseguido pela opinião pública, tal qual uma Amy Winehouse. Tido por muitos como a “voz do futuro”, Rimbaud destacou-se pela precocidade e pelo estilo visionário de sua poesia. Lembrado pela escrita agressiva e surtada, pela vida boêmia e por seu relacionamento conturbado com o também poeta Paul Verlaine, Rimbaud abandonou a literatura aos dezenove anos, deixando uma obra que, embora pequena, é significativa e original, e acabou por influenciar diversos poetas das gerações posteriores. Se vivesse nos dias de hoje, notícias como esta seriam comuns nos jornais e sites:

Paris – Aos 18 anos, o poeta francês Arthur Rimbaud se recupera de um dos capítulos mais polêmicos de sua trajetória de bebedeiras e escândalos. Há duas semanas, o agitado envolvimento com o poeta Paul Verlaine culminou no disparo de dois tiros, um deles acertando o punho esquerdo de Rimbaud. Conhecido pelos acessos de raiva em público, pelas noitadas intermináveis e pela parceria amorosa e poética, o casal tornou-se o principal assunto dos tablóides e cadernos de fofoca da Europa.

Apesar de avesso a qualquer tipo de meio de comunicação, Rimbaud aceitou receber a reportagem em sua residência, uma casa simples localizada no subúrbio parisiense. Ainda com o punho enfaixado por causa do incidente com Verlaine, Rimbaud sabe muito bem que todos os seus passos são detalhados, analisados e criticados pela mídia de todos os lugares. O poeta divide opiniões. Para uns, trata-se do grande gênio da poesia de nosso tempo, aquele que fora iluminado pelas contradições e desgraças do mundo e agora escreve compulsivamente em busca de uma saída para si e para os outros. Há ainda os que o enxergam como um adolescente inconsequente que falsifica uma inovação literária, e choca apenas por sua rebeldia.

Rimbaud também prefere se manter longe de festas e rodas literárias (na última que participou, escandalizou os franceses ao debochar dos outros escritores presentes). Nos últimos meses, enquanto frequentavam bares e casas noturnas na periferia de Paris, ele e Verlaine eram perseguidos pelos paparazzi e fãs lunáticos. Há algum tempo, os jornais noticiavam que a relação dos dois passava por momentos delicados, marcados por agressões e brigas homéricas.

De frente para a janela, sentado no único sofá de sua sala de estar praticamente deserta, Rimbaud não parece muito disposto a falar sobre Verlaine. Quando toco no assunto, o poeta é direto: “Eu nunca poderei atirar o Amor pela janela.” Apesar de superficial, o ferimento representa o estopim de uma paixão intensa e violenta. Pergunto-lhe se as notícias a seu respeito o incomodam. Surpreendentemente, Rimbaud confessa: “O meu maior medo é que os outros me vejam como eu os vejo. Imaginar o inferno é ser inferno.” A declaração é inesperada, partindo de uma figura que nunca se conteve em criticar a tudo e a todos.

O interesse pela forma pioneira de Rimbaud escrever provoca curiosidade sobre seu processo criativo. Ele garante que externar seus sentimentos de angústia e confusão não é fácil. “Ao princípio, era apenas um exercício. Escrevia silêncios, anotava o inexprimível. Captava vertigens. Depois, explicava os meus sofismas mágicos com a alucinação das palavras!” Rimbaud é o ícone de uma geração de poetas voláteis e perdidos, que cultivam o álcool e a fuga da realidade.

Sem se preocupar em dominar as perdições e insanidades que coloca no papel, Rimbaud escreve sobre a cidade “monstruosa”, a noite sem fim, as ruínas, os esgotos. O poeta é um voyeur da hipocrisia mundana – e muitas vezes é agente das situações que descreve. “Fico à espera de ser um louco muito perigoso. Trair o mundo seria uma tortura demasiado breve.” Após conhecer o revolucionário francês, a impressão é a de que se trata de alguém em estado permanente de incômodo, exilado de si mesmo.

Questiono Rimbaud sobre seus próximos passos. Ele não cita a poesia, tampouco Verlaine. “Nadar, trincar erva, caçar, fumar, fumar muito; beber licores abrasivos como metal fundente – como faziam os nossos queridos antepassados em volta das fogueiras”, é o que planeja fazer o poeta após a recuperação total de seu ferimento. Todos os interessados em suas profecias acompanharão atentamente cada uma dessas ações. Afinal, eles querem descobrir o segredo daquele que deseja “possuir a verdade numa alma e num corpo.”

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

JEAN 'MœBIUS' GIRAUD





VOLTAIRE

“Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.”

domingo, 18 de outubro de 2015

VOSSOROCA

Reflexos em Tijucas do Sul (PR)




Fotografias de Ricardo Silva

FERNANDO PESSOA

A lavadeira no tanque
Bate roupa em pedra bem.
Canta porque canta e é triste
Porque canta porque existe;
Por isso é alegre também.

Ora se eu alguma vez
Pudesse fazer nos versos
O que a essa roupa ela fez,
Eu perderia talvez
Os meus destinos diversos.

Há uma grande unidade
Em, sem pensar nem razão,
E até cantando a metade,
Bater roupa em realidade...
Quem me lava o coração?


sexta-feira, 16 de outubro de 2015

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

CABEÇA DE PEDRA


Um doce presente

Meu irmão bebia feito um gambá. Irmão de gambá, filho de gambá, gambá é. Um dia ele me contou que parou de entornar. Duvidei. Foi há quase trinta anos. Ele parou mesmo! Como estava muito distante, quis saber como aconteceu o milagre. Não, ele não foi ao AA e muito menos fez terapia. Gastava todo o dinheiro do salário pagando os tragos diários para ele e todos os amigos da birita. Andava armado. Não matou ninguém. Amém. Mas um dia, contou, que estava quase totalmente durango kid, e como também tinha o vício do cigarro, comprou um maço. Logo depois que pagou, viu um doce de padaria que mexeu com seus hormônios. Não pode satisfazer a fissura - estava completamente liso e quase louco. Aí resolveu parar com tudo. Foi o doce que tornou sua vida doce.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

DIA DAS CRIANÇAS


Fotografia de Ricardo Silva

MANOEL DE BARROS


O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.

Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.

A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!


terça-feira, 6 de outubro de 2015

RIO BRAVO

ONDE COMEÇA O INFERNO (1959)



 É importante dizer, antes de mais nada, que o gênero Western não começou nos anos 40 ou 50, época de ouro dos faroestes americanos, com exemplos clássicos como “O Tesouro de Sierra Madre” (1948), “Johnny Guitar” (1954) ou o pai da linguagem western “No Tempo das Diligências” (1940), mas foi na verdade um dos primeiros gêneros cinematográficos de todos, isso devido ao marco “O Grande Roubo do Trem” (1903), filme mudo disponível no youtube aqui. Como Clint Eastwood – grande astro dos faroestes italianos e do movimento revisionista – certa vez disse, o western é, junto com o jazz, a única forma de arte genuinamente americana. O que acontece é que o filme de faroeste, para o expectador de primeira viagem, pode assustar por ter essa linguagem tão própria e característica, que hoje em dia, infelizmente, soa datada – mas não é. Experimente assistir de mente aberta para aproveitar mais. Apesar dos planos americanos (que mostram o ator do joelho para cima – um recurso criado para o expectador ver o ator e arma em um mesmo enquadramento -, muito usado hoje em dia em sitcoms como Two and a Half Man ou Friends), característicos dos anos 40, estarem sempre dando aquela sensação de incredibilidade, ou as atuações dá época, demasiadamente teatrais para um filme, desviando a atenção do foco, é possível sim se iniciar no mundo western sem necessariamente passar por uma sensação de estranheza. Experimente assistir “Bravura Indômita” (2010), refilmagem dos irmãos Coen para o clássico filme de 1969 estrelado por John Wayne, atualmente em cartaz nos cinemas nacionais.

“Onde Começa o Inferno” é o típico small town western, ou seja, não espere que os personagens saiam desbravando o interior americano com paisagens de tirar o fôlego, ou combates épicos contra os índios, isso porque o filme se passa todo dentro de uma cidade só (chamada Rio Bravo) e os cenários indoor são sempre os mesmos: A delegacia, a estalagem e o bar, com algumas variantes. Mas isso não impede o filme de persuadir o espectador à um estado de imersão, pelo contrário, nós nos sentimos iguais aos personagens, como se nós fôssemos também habitantes locais e amigos dos protagonistas.

Acompanhamos o xerife da cidade, John T, interpretado pelo Maior Ícone da história dos westerns, o mito, a lenda chamada John Wayne, que dessa vez faz a autoridade policial local, diferente da maioria de seus outros papéis onde ele faz o típico fora-da-lei machão mas de moral intocável, uma espécie de Robin Hood cowboy. A trama se desenvolve conforme John T. vai se encontrando gradativamente em uma difícil situação: Ele prende um sujeito que havia matado um homem à sangue frio no saloon da cidade, que por infeliz coincidência acaba por ser o irmão de um rico dono de terras, chamado Burdette. Burdette é famoso por ter em seu poder um pequeno exército de quase 40 homens armados, prontos para invadir a delegacia à qualquer momento, à qualquer custo. Mesmo com toda essa pressão, John T. não recua e responde à altura , diz que não deixará o homem sair de lá até ter pago sua dívida com a sociedade. Para tanto, ele conta com a ajuda de Stumpy (Walter Brennan, não perde o tom nunca), um velhinho que mal consegue andar, mas que não o impede de ficar sentado numa cadeira pronto para explodir os miolos de qualquer um que se aventure a adentrar a delegacia sem se identificar; Dude (Dean Martin, famoso artista americano, foi um premiado ator de cinema e televisão, além de músico), um alcoólatra que um dia já teve uma das pontarias mais rápidas do oeste – isso quando não está tremendo devido à abstinência alcoólica ou, propriamente dito, bêbado; O xerife ainda conta mais tarde com o grande apoio do jovem Colorado (Ricky Nelson, outro cantor que faz sua estréia no cinema nesse filme – ele inclusive solta a garganta junto com Dean Martin, em uma bela cena de confraternização na delegacia), um pistoleiro que, apesar de novo, prova ser muito valioso e muito talentoso também…

A história se desenvolve a partir deste conflito, com Burdette e John T trocando ameaças (e respondendo-as também), até que uma situação se apresenta para definir o fim da história. Howard Hawks filma como um mestre, faz aqui um de seus melhores trabalhos, ao lado de obras notáveis como El Dorado (1966, outro western), Os Homens Preferem as Loiras (1953, com a diva Marylin Monroe), Sargento York (1941) o primeiro Scarface (1932), e, por fim, sua obra-prima de um timing que faria Aaron Sorkin, roteirista de A Rede Social, colocar uma corda em seu pescoço e com um sorriso no rosto, pular da torre Eiffel – estou me referindo à comédia romântica Jejum de Amor (1940). Afinal, fazer John Wayne interpretar com romantismo (!) cenas de amor com Feathers, personagem de Angie Dickinson (linda, linda, linda nesse filme, viria a fazer anos mais tarde Vestida Para Matar, de Brian dePalma) é realmente obra de um diretor que realmente sabia o que estava fazendo.

Visualmente falando, o filme não inova, e nem se propõe a tal. Não há um único close-up em nenhum ator durante o filme, as cenas são sempre filmadas à certa distância, de modo que o espectador veja vários personagens em cena ao mesmo tempo que a ação acontece – nada como hoje em dia, que quando a célula de um personagem morre o diretor tem que cortar para mostrar tal evento, tão significativo para a trama. Há boatos também que a cidade cenográfica do filme foi construída em uma escala reduzida, o que faria com que os personagens se destacassem, além de mostrar a grandeza de cada um. O mais interessante aqui é o sublime trabalho subliminar do diretor, ou seja, a construção da tensão, não por cena, mas durante o filme inteiro. Isto é, as cenas trabalham juntas para chegar ao ápice de tensão concebido ao clímax do filme. No fim, a impressão que fica de Onde Começa o Inferno é que tudo não passa de apenas outro dia de trabalho no Oeste, para essas pessoas, tão corajosas, que têm de lidar com essa vida duríssima de privação de quase qualquer luxo possível na época, apesar de se tratar de uma história de superação, determinação e – o mais requisitado no Oeste Selvagem – os bons e velhos culhões. Como eu disse, para eles, John T e seus amigos, tudo não passa de mais uma aventura normal, advinda de se viver em um lugar tão inóspito e brutal com seus habitantes – The Wild West.

por Zippo 

MARXISMO

© SOLDA

SOLDA CÁUSTICOhttp://cartunistasolda.com.br/

DECIFRA-ME


por Yuri Vasconcelos Silva

O contorno de uma águia de duas cabeças definida sobre o mosaico branco de petit pavet. Na verdade, trata-se da sombra projetada de uma estranha estátua bicéfala que repousa há tempos sobre o coroamento do edifício. Localizado na praça que outrora fora o centro comercial da cidade, com uma bonita fonte esculpida em art nouveau protegida por copas de plátanos que formam um guarda sol verde sobre todo o lugar, a águia bicéfala aponta para o início do mistério. O edifício veste uma roupagem eclética, com escadaria em três lados que levam a uma colunata alta, protegida do sol e repleta de pombos. A simetria da fachada e imponência da entrada contrastam com o vestíbulo, espaço com árvores da mata atlântica bem fechada ocupando tudo, deixando livre apenas uma trilha de basalto cujo ponto focal exibe uma estátua um tanto assustadora de um Papa que não mais existe. Ao passar pelo pontífice em cobre, uma porta imensa e verde, cravejada com almofadas douradas, revela um saguão de caráter minimalista, puro e duro. Duas escadas helicoidais, simetricamente dispostas a leste e oeste, se erguem até um salão de piso branco em mármore polido. A parede sul, em chapas de vidro, traz a cidade inteira para dentro. No lado norte, um painel ripado de madeira nobre aponta três portas para três destinos distintos. Na primeira, à esquerda, um espaço protegido por um chapelão amplo de madeira e telha cerâmica envelhecida. Muitas mesas se desorganizam na aleatoridade dos grupos de pessoas e no movimento rápido de garçons. O galpão é ladeado por um canal concretado que guia a água lenta e verde onde deslizam patos, gansos e pedalinhos capengas de fibra de vidro. Os gritos de bichos desconhecidos se misturam ao cheiro de pipoca e bacon, fazendo desta sala um festival aos sentidos.

Ao passar pela porta central, um lugar sombrio. Uma entrada discreta em um paredão de prédios leva a uma sequência de escadas que perfuram o chão. Lá embaixo, o odor de mofo se mistura com a iluminação antiquada e poeira similar ao de uma escavação, que parece vir por trás de uma cortina de veludo azul. Descortinada, a visão de uma sala de cinema, com o projetor barulhento e sua luz fazendo trajetória através da poeira suspensa que vaga pela atmosfera da sala de forma errática.

Dirigindo-se à porta da direita, terceira e última, uma agradável surpresa. A casa. Toda em madeira, tábuas cuidadosamente unidas ou arrematadas por caibros. Pintado em verde musgo fraco, a fachada frontal oferece um nicho para São Jorge. Os beirais são protegidos por flechas adornadas apontadas para baixo, de modo a guiar a chuva até o solo e não escorrer pelas paredes. São como rendilhados que contornam toda a casa. O piso de madeira é aconchegante, e quando se caminha sobre ele, a casa reclama num gemido familiar. Todo o piso se equilibra sobre tijolos empilhados, de modo que o frio da terra não invade o seu interior. Na cozinha, um velho fogão à lenha ainda funciona para aquecer a comida e a conversa de comadres.

O mistério foi resolvido – e o código, quebrado. A cidade é um conjunto de signos que deve ser decifrada todos os dias. Senão, ela te devora.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

SOLDA

CÁUSTICO


SOLDA CÁUSTICO: http://cartunistasolda.com.br/

CABEÇA DE PEDRA


Zé Tom

Toquei a campainha. O Zé abriu e eu vi o Tom. Todos. Porque ele sempre foi assim. Pega tudo, desde o sotaque do Cabral até o zunido do computador. Passa pelo batuque do saravá, índios marcando o compasso no terreiro da taba, samba, rock, smetack, jackson, aquele. O gravador ligado e uma torrente de informações impregnando a fita cassete. Existe rock brasileiro era o mote. Naquela sala de um apartamento simples saiu toda uma enciclopédia de vida musical como o próprio. O Zé do Tom. Quarenta anos depois ói ele mais Zé do que Tom, porque alucinadamente brasileiro. E manda tomar no toba quem renega o forró em Limoeiro, o som das máquinas e o olhar brasileiro de quem mostra as costelas, com olhar esbugalhado na frente do mar e recebendo nas costas toda a energia. Aquela. Que tomou conta quando ele abriu a porta, deixou entrar e sair. Tom Zé.


TOM ZÉ

FITO
Festival Internacional de Teatro de Objetos
Maceió, 26 de setembro de 2015.









Fotografias de Ricardo Silva

O SUPLÍCIO DO VIRGINIANO


por Célio Heitor Guimarães

Uma das coisas que sempre me incomodaram um pouco foi ter nascido virgem. Como, minha senhora? Todo mundo nasce? Mas não para toda a vida, obrigatoriamente. Eu, por ter aportado neste mundo no mês de agosto, sou do signo de virgem. O que, saiba quem não sabe, não é coisa fácil. Não a virgindade, mas o virgianismo.

Eu sou aquele chato, crítico militante, inclusive e sobretudo, consigo mesmo. Detalhista, preocupado com minúcias. Ou seja, insuportável. Impossível é para o virginiano terminar uma tarefa a contento. Ele sempre acha que poderia ter feito melhor. Um inferno! Para ilustrar, conto que um dia, há uns quinze anos, resolvi montar um dicionário prático de sinônimos, coisa destinada a facilitar a minha própria atividade, então como colunista de jornal e advogado. O português é uma das mais ricas línguas do mundo para ficar-se repetindo vocábulos num mesmo texto. Então, comecei a reproduzir um modesto livreto de bolso, editado pela Ediouro, cujo volume desmanchara-se pelo uso. No meio da tarefa, achei que poderia ampliar um pouco o trabalho. Em seguida, pareceu-me que, já que estava com a mão na massa, não custava fazer algo melhor. Aí, comecei a pesquisar. Recorri aos dicionários. Quando me dei conta, era refém de pelo menos quatro, com um horizonte inatingível pela frente. Resultado: a “obra” foi paralisada e assim se encontra há mais de uma década. Está bonitinha; diagramada, inclusive. Recomecei-a algumas vezes, já a reescrevi umas três vezes, cheguei até a letra erre, mas não tenho mais esperança de concluí-la. Ainda que não tivesse nenhuma pretensão editorial e dela pretendesse tirar (como já fiz com algumas das minhas outras “obras”) apenas algumas cópias para oferecer como cortesia aos amigos.

Em 2001, combinei com outro maluco, chamado Luiz Renato Ribas, escrever a história da televisão do Paraná, com base no que foi publicado na revista TV Programas, que Renato, Rubens Hoffmann e eu editamos a partir de 1961. A primeira parte, saiu logo, com a trajetória da publicação, desde o pequeno folheto, dobrado na velha garagem do “seu” João Hoffmann, ali no Batel, até a chegada ao mundo do “off-set” e das cores. Como foi Luiz Renato que encarrilhou as letrinhas e eu apenas coloquei os acentos e as vírgulas, o capítulo foi completado. Aí, levei mais de dez anos imaginando como faria o resto, narrando a invenção da televisão paranaense, a programação que se seguiu, os grandes nomes e as grandes atrações do vídeo local, a chegada do milagre do videoteipe e o início do fim. Uma década de sofrimento, projetos idealizados e abandonados. Não bastava fazer o texto, precisava ter uma ideia antecipada da edição, de como seria a diagramação, de como seria possível ligar tudo à nossa “pequena notável”, ainda a mais longeva publicação semanal do Paraná, com circulação dirigida, que jamais atrasou um dia sequer.

Em agosto, decidi: é agora ou nunca mais. Passei a mão na coleção da revista, que ainda mantenho caprichosamente guardada, li todos os quase setecentos exemplares que tenho e fiz as devidas anotações. Coisa para meia dúzia de pesquisadores e pelo menos seis meses de trabalho. Conclui a tarefa em menos de dois meses. Quando quero, ainda sou um dínamo em ação. A padronização, a coerência e a exatidão dos dados foram alguns dos dramas que enfrentei. Mas venci a batalha comigo mesmo. Na semana passada, passei o texto ao Luiz Renato Ribas para as devidas correções e melhorias. O que vai acontecer daqui para a frente só Deus sabe. Talvez nada. E a “obra” seja depositada e esquecida numa gaveta qualquer. Nem eu nem o Ribas temos mais idade para essas aventuras.

Agora, voltando ao tema inicial: virginiano não é apenas aquele sujeito que vem ao mundo entre 23 de agosto e 22 de setembro e, segundo os mandamentos do zodíaco, sofre a influência da Constelação de Virgem. Na verdade, é um ser atormentado pela própria natureza.

Consola-me a análise feita, algum tempo atrás, pela astróloga Dirce Maria, minha ex-colega de O Estado do Paraná, que guardei com carinho [Não a Dirce, mas a análise]. Segundo Dirce, que continua em plena atividade, o nativo de virgem, “meticuloso, ordeiro, observador e estável”, não é tão chato assim. Ele apenas faz questão de que todas as coisas sigam uma regra e que cada ação tenha a sua linha e a sua ordem: “O virginiano jamais toma uma atitude sem pensar e repensar, várias vezes, em todos os prós e os contras. Por isso, dificilmente ele pisa em falso”. No entanto, Dirce detecta aí a negatividade da coisa: “Obcecado pela perfeição, muitas vezes o virginiano deixa de curtir a vida de uma forma mais amena e saudável”.

E arremata com uma manifestação de simpatia, destacando as características de simplicidade, recato, segurança, honestidade, sinceridade, ojeriza a holofote e solidariedade dos nativos de virgem.

Quem sou eu para desmenti-la, minha prezada Dirce Maria?



MOVIE STAR

LANA TURNER


FONTE: http://www.doctormacro.com/index.html