segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

CINE CENA

Tarzan and His Mate (1934)
Maureen O’Sullivan & Johnny Weissmuller



domingo, 28 de fevereiro de 2016

FOTOS

NO QUINTAL DE DONA ZEFA





Fotografias de Ricardo Silva

sábado, 27 de fevereiro de 2016

DISCOTECA BÁSICA

The Jimi Hendrix Experience
Axis: Bold as Love
(1968)


por Rodrigo Mattar


Nos anos 60, The Jimi Hendrix Experience só tinha paralelo com o Cream. Por dois motivos: um, porque ambos os grupos tinham a básica formação guitarra-baixo-bateria. E o segundo, muito simples – quase simultaneamente tanto uma banda quanto a outra lançaram discos absolutamente essenciais para o rock and roll contemporãneo.

O Experience e especialmente seu frontman Jimi Hendrix sofriam sem dúvida muito mais pressão, tamanha a responsabilidade de repetir em Axis: Bold as Love o que tinham feito no excelente Are You Experienced, o disco de estréia também lançado em 1967. Mesmo entre turnês massacrantes e viagens cansativas, Hendrix, Noel Redding e Mitch Mitchell se lançaram em estúdio para gravar mais um disco – com a produção sempre diligente de Chas Chandler.

Em pouco mais de 38 minutos e treze faixas, a banda transita entre a doçura de músicas como “Castles Made of Sand”, com a fúria de “Spanish Castle Magic”, a estrutura melódica vai-e-volta da sensacional “If 6 Was 9″ – que entrou na trilha sonora do filme Sem Destino, a crueza de “She’s So Fine”, faixa composta e cantada por Noel Redding e também aquela música que é o grande clássico de Hendrix neste disco: “Little Wing”.

Com sua mistura perfeita entre as guitarras rítmica e principal – fruto de uma excelente mixagem de Alan Douglas, “Little Wing” cativa o ouvinte. E consagra seu autor como um grande compositor de blues e rock and roll. A música é tão boa que mereceu gravações de artistas de diversas vertentes, feito Metallica, Sting e o craque da guitarra Stevie Ray Vaughan.

Tal como Are You Experienced, Axis: Bold as Love é mais um álbum essencial para a história da música. Mesmo que seja deixado de lado por alguns fãs e pela crítica, eis um trabalho honesto e que mostrava que o Cream tinha dedicados rivais à altura do seu imenso talento.

Ficha técnica de Axis: Bold as Love
Selo: Reprise / MCA
Produção: Chas Chandler
Gravado entre maio e junho de 1967 no Olympia Studios em Londres, Inglaterra
Tempo total: 38’49″


Músicas:

1. EXP (Hendrix)
2. Up From The Skies (Hendrix)
3. Spanish Castle Magic (Hendrix)
4. Wait Until Tomorrow (Hendrix)
5. Ain’t No Telling (Hendrix)
6. Little Wing (Hendrix)
7. If 6 Was 9 (Hendrix)
8. You Got Me Floatin’ (Hendrix)
9. Castles Made of Sand (Hendrix)
10. She’s So Fine (Redding)
11. One Rainy Wish (Hendrix)
12. Little Miss Lover (Hendrix)
13. Bold As Love (Hendrix)


FONTE:http://rodrigomattar.grandepremio.uol.com.br/2012/11/discos-eternos-axis-bold-as-love-1968/

FERNANDO PESSOA


TABACARIA


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.


Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.



Álvaro de Campos, 15-1-1928

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

MC5

Kick out the jams  Live at the 100 Club


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

SILÊNCIO PARA OS HOMENS DE BEM


por Yuri Vasconcelos Silva


Como compreender um universo frio e indiferente pipocar todo tipo de vida na periferia de uma galáxia vagabunda, num aglomerado de outras galáxias com trilhões de estrelas multiplicando ainda mais planetas, todos em silêncio retumbante? Nem mesmo um sinal, uma piscada que nos retire o peso de estar sozinhos, enquanto se olha pro céu coçando a cabeça, com a dúvida eterna sobre a razão disso tudo. Existir para então preparar-se a não mais existir. Talvez parte do sofrimento se assente na consciência da própria morte. Os louva-a-deus ou cães sabem de sua finitude? A inteligência pode ser uma maldição, como a imortalidade é para um vampiro. Se não soubéssemos de nossa solidão profunda, de nossa carência existencial e do fim de tudo aquilo que amamos, incluindo nosso próprio corpo, atingiríamos o nirvana aqui mesmo – e ainda economizaríamos um bocado em psiquiatras, remédios e academia. Mas Deus não quis assim, aparentemente. Aliás, Seu silêncio é mais profundo que das outras vidas que poderiam estar lá fora, em um planeta perdido. Se não for mais um delírio coletivo, como hoje acontece com as Redes Sociais e seus discípulos de cabeças recurvadas, Deus deveria ter sido encontrado no grande acelerador de partículas ou em algum buraco negro distante. Nada até agora. Todos os campos da ciência vasculharam cada recôndito da natureza e o máximo que foi encontrado foi uma tal partícula de deus, mas que nada tem a ver com o Criador. Foi apenas marketing, um termo de impacto para atrair a atenção da mídia. Enquanto isso, agonizamos com este poder de pensar e questionar. Sabemos da morte, das traições, das tragédias humanas. Do que somos capazes, do horror. Inventamos e repetimos o holocausto, devastamos outras espécies, investimos trilhões em armas e tecnologia para destruirmos a nós mesmos, mas em outro país. Somos os seres mais vaidosos entre todas as demais espécies deste planeta. Uma imensa indústria nos manipula para tirar nosso dinheiro baseado no vício da vaidade. Estas mesmas indústrias amam o dinheiro e, por isso, são também nossas escravas. Um ciclo infernal de dependência mútua.

Em uma vida completa, seremos educados, aprenderemos a amarrar o tênis, vamos nos apaixonar, alguém vai partir nosso coração e, algum outro, nossa cara. Vamos descobrir o sexo – alguns vislumbram Deus aqui -, conhecer o futuro companheiro, casar, ter filhos e divorciar. Repetir algumas vezes a parte do casar e divorciar. Construir algo que pareça dar algum significado ao fato de existir. Pode ser uma família, uma carreira, uma bonita casa ou uma coleção de selos. Quando tudo estiver começando a ficar interessante, morreremos. Mesmo que se evite pensar na própria morte, ainda que esteja escancarada em todos os canais da TV ou do Netflix, sabemos que ela é certa como a noite depois do dia. Apenas não se conhece a hora que este sol se põe. A morte representa a derradeira oportunidade para algum contato com Deus, e entender para quê demos uma passada tão ligeira na Terra. Se não houver qualquer resposta, provavelmente é porque a consciência cessou por completo e simplesmente deixamos de existir. O que, considerando-se o horror dos tempos por aqui, é um bom paraíso.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

sábado, 20 de fevereiro de 2016

JEAN-LOUIS FORAIN





 Jean-Louis Forain e Jeanne Bosc em uma gôndola. 
Foto / Giuseppe Primoli

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Venceu todos os medos que o atormentavam. Isso porque tinha jurado a si mesmo cumprir um ato em homenagem ao inimigo que um dia o ameaçou de morte – em forma de bravata, é verdade, mas era uma ameça. Tiro na cara. Não sabia que seu departamento interno de vingança era forte e decidido, afinal, toda a vida foi inseguro em tempo integral. Soube da morte através dos jornais. A figura era conhecida. Anotou horário e endereço do velório e apareceu quando a sala com o defunto estava lotada por familiares e gente conhecida da chamada sociedade. O morto era muito conhecido. Chegou perto do caixão, olhou o rosto macilento e frio do velho, puxou lá do fundo da alma alguma coisa que, sim, poderia ser catarro guardado para a ocasião, e cuspiu. No rosto. Houve um silêncio – ninguém reagiu. Ele então saiu tranquilo. A missão estava cumprida. No dia seguinte não leu nenhuma linha nos jornais ou ouviu relatos sobre o fato nas rádios ou televisões. Teve certeza de que toda a cidade gostaria de fazer o que ele fez.


MOVIE STAR

LILIANE MONTEVECCHI



quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

MÃE TONHA

Antonia Santana da Silva, a Mãe Tonha, adeus


Não quero mais despedidas finais. Descobri isso depois de dar adeus ao meu pai na porta de uma UTI. Há pouco foi embora quem eu também chamava de mãe, por ser mãe e irmã da minha Zefinha que já foi há tempos, depois do Zé Luis – e eu só a encontrei pouco antes do enterro do corpo lá na origem, Alagoas. Há 20 dias foi embora o irmão do meu pai, o Mané Luis, marido da Mãe Tonha, como eu chamava a Antonia Santana da Silva, que está lá no hospital. Poucas horas antes cheguei aqui em Campinas com meus dois filhos mais velhos, o Yuri e a Ticiana. Ela nos recebeu lúcida, sentada na sala da casa da filha, Estela, mas com o olhar distante, como se estivesse numa mundo só seu, onde sentia a morte do marido e, agora penso, como só se pensa nessas horas, sabendo que estava na hora do descanso. No início da madrugada passou mal, meu irmão, Ricardo Silva, foi me acordar e, agora penso, foi aí que decidi, sem pensar, que não queria mais o tipo de despedida final, a que tive com meu pai, depois de vê-lo com dificuldade de respirar, uma semana depois de ficar com ele na enfermaria de um hospital. Dormi. Yuri apareceu, me sacudiu, disse que ela teve uma parada cardíaca, que estavam reanimando-a no hospital. Fui para a sala da casa, sozinho, e pensei nessas coisas, antes do telefonema definitivo. Não chorei. Apenas esperei a chegada da filha, do genro, dos netos dela. Misturamos lágrimas em abraços e eu fiquei pensando o que escrever e veio isso aí, uma coisa descritiva, porque não consigo dimensionar o que minha alma e coração guardam, às vezes escondem lá no fundo. Sempre a chamei de mãe, porque nestes 62 anos que nos conhecemos, penso agora, ela me deu a proteção que, por motivos que depois entendi, não tive em casa. Para a casa dela eu ia sempre, atravessando apenas um pequeno quintal, na Vila Alpina onde nasci. Morei com ela é o Mané Luis quando meus pais construíram a casa própria em outro bairro e decidi continuar no colégio público que me deu um pouco de base para a caminhada em busca do conhecimento, que é o aprendizado do dia-a-dia. Depois, a vida separou nossos corpos, mas jamais o pensamento e o sentimento de gratidão que eu consegui dar, apesar dos atrapalhos. Meus filhos eram seus netos também. Depois que veio para Campinas nos falamos muitas vezes ao telefone, vim aqui algumas vezes, talvez para me sentir mais seguro nesta vida montanha-russa. Quando podia, ajudava financeiramente – e ouvia tanto agradecimento por tão pouco… Ela era muito decidida e muito forte. Costureira como a irmã Josefa, minha mãe, mas muito mais rápida na máquina que pedalava ou depois acionava o moto. Ela e o marido viveram duas décadas mais que os irmãos, meus pais. Penso agora que era para continuar a proteção, delegada, sem querer, pelos meus pais, mas consentida de coração pelos meus pais. Não quis me despedir por isso e muito mais. Os quatro estão juntos. Sim, aqui, dentro, no sentimento. E como é bom agradecer. Porque eles nos deram tudo. E a Mãe Tonha me deu a certeza do quanto foi importante, porque, na verdade, era prova de amor a seres humanos – fundamental na vida. Amém.


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

MORT DRUCKER



UMA GALINHA


por Clarice Lispector


Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou — o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta, hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado.

Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre.

Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se pode­ria contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.

Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos. Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, pare­cia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou, respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração, tão pequeno num prato, solevava e abaixava as penas, enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um ovo. Só a menina estava perto e assistiu a tudo estarrecida. Mal porém conseguiu desvencilhar-se do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos:

— Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o nosso bem!

Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre, nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer. Nunca ninguém acariciou uma cabeça de galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão:

— Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!

— Eu também! jurou a menina com ardor. A mãe, cansada, deu de ombros.

Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: "E dizer que a obriguei a correr naquele estado!" A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a de apatia e a do sobressalto.

Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga — e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.
Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho — era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo dos séculos.

Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.


*Texto extraído do livro “Laços de Família”, Editora Rocco — Rio de Janeiro, 1998, pág. 30. Selecionado por Ítalo Moriconi, figura na publicação “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século”.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

SOLDA


SOLDA CÁUSTICO: http://cartunistasolda.com.br/

CABEÇA DE PEDRA

Veneno

O envelope com veneno de rato era muito atraente. Cores fortes. Vermelho e azul. O ratinho que viram na cozinha se deliciou com as porções que colocaram para ele. Talvez o produto estivesse vencido, não se sabe. Toda noite uma quantidade era colocada num canto perto do móvel da pia da cozinha e, no dia seguinte, nada do veneno e muito menos do rato. Pararam de alimentar o bicho e e colocaram o pacotinho no parapeito da janela da garagem. Olhei aquilo e resolvi fazer um teste. Primeiro misturei no farelo colocado para os passarinhos. Fiquei olhando canários da terra e rolinhas se fartando - e nada deles caírem durinhos e de perninhas esticadas para cima. Depois fiz isso na ração do cachorro. Ele comeu tudo, lambeu os beiços e não apareceu imóvel com os dentes arreganhados pra fora. Tinha alguma coisa errada com aquilo. Resolvei colocar na vitamina matinal. Tomei sozinho um copo grande com o que restava do tal. Fui para cama esperar o resultado. Nada. Para não dizer que continuou tudo normal, juro que vi na tela da tv um político dizer que era, sim, um canalha e ladrão do dinheiro do povo. Mas não era delírio, mesmo porque não aconteceu no Brasil. O vídeo era antigo. Depois do que falou, ele tirou um revólver Colt Magnum 45 de um saco de papel pardo, enfiou o cano na boca e arrancou o tampo da cabeça com o balaço. Liguei para o fabricante e reclamei do veneno. Ficou acertado que mandariam uma caixa com vário envelopes. Vou aumentar a dose para todos.


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

JORGE BEN JOR

 Maceió Festival Verão 2016





















Fotografias de Ricardo Silva

3 DE FEVEREIRO DE 1959

O dia em que a música morreu com o adeus trágico de Buddy Holly, Ritchie Valens e JP “The Big Bopper” Richardson

Em um dia como esse, no ano de 1959, um capítulo trágico foi escrito na história da música. Um acidente com um avião fretado matou jovens astros da música norte-americana numa data batizada como “o dia em que a música morreu”. Foram vítimas do acidente aéreo Buddy Holly, Ritchie Valens e JP “The Big Bopper” Richardson. A tragédia aconteceu em Iowa, poucos minutos após a decolagem de Mason City, em um voo com destino a Moorehead, Minnesota. De acordo com investigações, o mau tempo e o erro do piloto provocaram o acidente. Holly fretou um avião para a sua banda por conta de problemas técnicos no ônibus. No dia do acidente, um assento ficou vago e Ritchie Valens venceu no “cara ou coroa”, garantindo seu lugar no avião.

Buddy Holly tinha 22 anos quando morreu. Ele e sua banda estavam em plena ascensão, realizando aberturas de show para figuras como Elvis Presley. Os músicos tinham um programa de rádio e estavam realizando turnês internacionais, onde tocavam sucessos como “Peggy Sue”, “Oh, Boy!”, “Maybe Baby” e “Early in the Morning”. Holly escrevia todas as suas canções e influenciou artistas como Bob Dylan e Paul McCartney. Outra vítima, JP “The Big Bopper” Richardson, de 28 anos, começou como um DJ no Texas e mais tarde estava compondo canções. Sua gravação mais famosa é o rockabilly “Chantilly Lace”, que entrou nas paradas de sucesso.

A terceira vítima famosa do acidente foi Ritchie Valens. Ele tinha apenas 17 anos quando o avião caiu, mas já era bastante conhecido por sucessos como “Come On, Lets Go”, “Donna” e “La Bamba”. Em 1987, a vida de Valens foi retratada no filme La Bamba e a canção título, cantada por Los Lobos, se tornou líder das paradas de sucesso. Valens foi postumamente introduzido no Hall da Fama do Rock and Roll em 2001.