quarta-feira, 28 de setembro de 2016

DISCOTECA BÁSICA

Roxy Music
Roxy Music (1972)
(Edição 15,Outubro de 1986) 

por  Alex Antunes

"Muita gente descordará de que o Roxy Music tenha definido os anos 70; ao contrário, todos estarão de acordo com que a importância dos Beatles para os anos 60 tenha sido básica e radical. Não devemos estranhar. Os 60 foram anos de esperança, os 70, de confusão. Os 60, anos de unidades; os 70, anos de dispersão."
Como Ramón de España - que o enunciou em um interessante livrinho sobre a banda (Ediciones Jucar, Madri, 82) -, acho que essa é a chave da compreensão da importância do Roxy Music para o rock contemporâneo. O conceito Roxy, tal como foi formulado por Bryan Ferry, ataca o nó cultural daquela década obscura em muitas das suas variantes: consumo versus arte, melodia versus ruído, saída pessoal versus solução coletiva.
Bryan andou metido em uma escola de artes (foi aluno do pintor David Hamilton) antes de decidir que o rock era um suporte mais adequado para as suas aspirações estéticas. Descobriu isso por acaso - ele era crooner, por hobby, em uma banda soul de Newcastle, Inglaterra, por volta de 67. E sabia tocar o "bife", ou pouco mais, ao piano. Mudou para Londres. Comprou um piano (!). Suas exposições de pintura não foram muito bem-sucedidas, mas em 70 ele já tinha diversas composições, competentes o suficiente para não escandalizarem Andy Mackay, um novo amigo, saxofonista com trânsito na música experimental.
Com Mackay e um velho parceiro do grupo de soul, o baixista Graham Simpson, trabalharam o repertório enquanto experimentavam colaboradores: Dexter Lloyd; depois Paul Thompson na bateria, David OÕList (ex-Nice), depois Phil Manzanera para a guitarra. Mas o achado foi um jovem vanguardista, apaixonado pela eletrônica, que além do mais era a única pessoa conhecida capaz de tocar o sintetizador ("Meu Deus, o que é isso?!") que Mackay tinha comprado: Brian Eno.
Eis que, em 72, a EG Records e o letrista/produtor Peter Sinfield, recém-rompido com o King Crimson, resolvem lançá-los. Nesse meio tempo, as primárias canções de Ferry foram rearranjadas, reagindo magnificamente com suas letras cultas, entre o surreal, o irônico e o romântico. Da parte interna da capa do primeiro LP (por fora a modelo Kari-Ann se espalha numa colcha de cetim, sem um apelo sexual) cinco figuras exóticas, topetes pontudos, óculos de homem-mosca, jaquetas de oncinha, lançavam seu manifesto: re-faça, re-modele.
"Re-Make/Re-Model", a primeira faixa, começa com ruídos de festa. É esse o sentido da exuberância dos rapazes: celebração, e não bichice. O som evoca, freqüentemente, o rock dos anos 50. Mas este é um disco de idéias, mais do que música. O primeiro compacto, com a faixa "Virginia Plain", já tinha posto a banda em evidência. Os trinados de Ferry tratavam de uma de suas obsessões, o glamour do cinema hollywoodiano ("o real e confiável/é que Baby Jane está em Acapulco/e todos estamos voando para o Rio"), de um jeito provocador (Baby Jane Holzer foi estrela em alguns filmes underground de Andy Warhol). Sintetizador, sax e guitarra festejavam.
No LP, esses motivos estão expandidos. Além da profusão de efeitos eletrônicos futuristas, o trabalho de Eno no sintetizador amplia a noção de textura, até então pouco presente no rock. Os timbres de teclados, guitarras, sax (e oboé, o outro instrumento de Mackay) se combinam em camadas, se distribuem em solos rápidos, num certo sentido de música visual, gráfica.
Mas sobretudo é Mr. Ferry derramando-se em charme, ao piano, nos vocais brincalhões ou ressentidos, nas letras ricas em images, apaixonadas e apaixonantes - não fosse o nome Roxy inspirado naquelas salas de cinema onde se assistiam aos doces encontros e desencontros do amor. "Parece que foi ontem/que te vi pela primeira vez/É/Como podia esquecer um dia assim?" 




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