sexta-feira, 7 de outubro de 2016

ZÉ DA SILVA


Morava no casebre do outro lado do trilho do trem que não passava mais. Não havia mais mato por ali. Uma mangueira aqui, um cajueiro ali, uma goiabeira mais adianta quebravam a monotonia da paisagem. Tinha uns olhos grandes e negros como jabuticabas das boas. Andava descalça no areião da estradinha que ligava a casa dela à minha. Eu, sozinho, por opção. Ela, com os pais já velhinhos, por necessidade. Muda. Eu a entendia pelo olhar, alguns gestos das mãos de dedos longos, a linguagem do corpo. Havia um entendimento no ar. Isso aconteceu durante meses, anos. Até que durante uma madrugada de calor insuportável, ouvi o grito. Nunca escutara nada parecido. Lavei o rosto na água que estava na bacia e saí para o terreiro da casa. Logo vi a figura dela olhando para o alto a poucos metros de casa. Fui até lá – ela com os olhos pregados na lua cheia. Apontou. Olhei também. Não gritei, mas fiquei com o coração disparado. Uma mancha de sangue estava lá – e ela escorria pela escuridão da noite e caía em algum lugar do horizonte da Terra. Ela me abraçou. Eu retribuí. Ela foi para minha casa e nunca mais saiu.



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