WHITEROOM -1968
quarta-feira, 25 de outubro de 2017
sábado, 21 de outubro de 2017
MILLÔR FERNANDES
Você já amou uma mulher brilhante.
Você já amou uma mulher formosa.
Você já amou uma mulher
Silenciosa?
Que fala pouco.
E bem,
E baixo,
Que não eleva a voz por raiva
Nem má educação,
Que anda com seus pés de seda
Num mundo de algodão.
Que não bate, fecha a porta,
Como quem fecha o casaco
De um filho
(Ou abre um coração)?
Que quando fala, se aproxima
Ao alcance da mão
Pra que a voz não se transforme emgrito?
E que absorve o mundo
Sem re-percussão
Num olhar de preguiça
Num colchão de cortiça
Como um mata-borrão?
Mas um dia ela sai
Levando o seu silêncio
De pingüim andando solitário em
sua Antártica
(ou Antártida),
No eterno
Gelo sobre gelo
No infinito
Branco sobre branco
E dos cantos e recantos
Onde habitou calada
– entre oniausente –
Brotam aos poucos,
Os ruídos
Pisados,
Colocados embaixo do tapete
Guardados na despensa
Na gaveta mais funda
De uma vida em comum.
Os trincos falam,
A cafeteira chia,
A espreguiçadora range,
O telefone toca,
As louças tinem,
O relógio bate,
O cão ladra,
O rádio mia,
Toda a casa ressoa, reverbera
e brada
E a orquestra em pleno do teu
dia-a-dia
Ataca a algaravia
Fabril
Escondida no lençol de silêncio
Com que ela partiu.
sexta-feira, 20 de outubro de 2017
MANOEL DE BARROS
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre dois jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre dois lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
etc
etc
etc
Desaprender oito horas por dia ensina os princípios.
quarta-feira, 11 de outubro de 2017
PACTO DE SANGUE
Double indemnity, 1944
Paramount Pictures, 107min) Direção: Billy Wilder. Roteiro: Billy Wilder, Raymond Chandler, romance de James M. Cain. Fotografia: John F. Seitz. Música: Miklós Rózsa. Figurino: Edith Head. Direção de arte/cenários: Hans Dreier, Hal Pereira/Bertram Granger. Produção executiva: Buddy G. DeSylva. Produção: Joseph Sistrom. Elenco: Fred MacMurray, Barbara Stanwyck, Edward G. Robinson, Tom Powers, Jean Heather, Porter Hall. Estreia: 24/4/44
7 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Billy Wilder), Atriz (Barbara Stanwyck), Roteiro Adaptado, Fotografia em P&B, Trilha Sonora Original, Som
Se existe um filme que merece ser chamado de noir, este filme é, "Pacto de sangue": dirigido com a maestria absoluta de Billy Wilder, fotografado em um assombroso preto-e-branco por John F. Seitz e apresentando todas as características que mais tarde seriam o DNA do subgênero mais famoso do cinema policial, a adaptação do romance de James M. Cain (que também escreveu "Mildred Pierce", que virou "Almas em suplício" e deu à Joan Crawford o Oscar de melhor atriz) conquista o espectador logo de cara, com a narração em off do protagonista (outro sinal inequívoco do estilo), começando a narrar os caminhos tortuosos que o levaram a uma situação nada invejável: ferido e acuado, Walter Neff (Fred MacMurray) viu sua vida relativamente tranquila de agente de seguros virada de pernas para o ar desde o momento em que pôs os olhos na melíflua Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck, com uma peruca que o próprio Wilder detestava e uma atuação na medida exata entre a paixão e o cinismo). O início da intrincada trama - que modificou sensivelmente alguns pontos da obra de Cain com o apoio do autor - é apenas o começo, também, para Neff e para o público, que durante pouco menos de duas horas acompanhará uma história de paixão, lúxuria, morte e traição assinada por um dos mais brilhantes cineastas da Hollywood de ouro.
Billy Wilder - prolífico diretor e roteirista, capaz de assinar desde dramas humanos como "Farrapo humano" como comédias ácidas como "Quanto mais quente melhor" e romances elegantes como "Sabrina" - tem a seu crédito uma meia-dúzia de obras-primas, mas, à época do lançamento de "Pacto de sangue" ainda tinha poucos títulos em seu currículo (três, para ser mais exato). No entanto, quando se assiste a este seu quarto filme, fica difícil acreditar que ele nunca tivesse comandado um policial. Dotado de um ritmo impecável e um direção segura de atores, Wilder moldou a base do filme noir, borrando as fronteiras entre o bem e o mal e entregando à audiência um protagonista bem longe do maniqueísmo que imperava desde que o infame Código Hayes passou a ditar as regras na produção cinematográfica. Essa ousadia - que tão bem faz o filme e tão libertadora foi para que o público não se deixasse bitolar por leis absurdas de puritanismo - é uma das marcas registradas do cinema de Wilder e fica patente em cada sequência de "Pacto de sangue".
O protagonista, Walter Neff (vivido pelo mesmo Fred MacMurray que trabalharia novamente com o diretor em "Se meu apartamento falasse", de 1960, como o chefe canalha de Jack Lemmon) é um primor de ambiguidade: ao mesmo tempo em que é o herói da trama (ao menos dentro daquele padrão convencional de definição de herói de cinema), ele é também um mau-caráter de primeira ordem. Tudo bem, existe o atenuante de estar apaixonado, mas, no cinema noir homem apaixonado é alvo fácil, e Neff não contraria a regra: deslumbrado por Phyllis Dietrichson desde que viu pela primeira vez sua tornozeleira, displicentemente encoberta por uma toalha de banho, ele cai em suas garras e em seu plano malévolo. Convencido por ela, ele obriga seu marido (Tom Powers) a assinar um seguro de vida milionário dotado de Auma cláusula que duplica a indenização caso a morte seja acidental. Se hoje o público já sabe de longe que vem problema por aí, o mesmo não pode ser dito de Neff, que entra em uma jogada arriscada: matar o milionário e forjar um acidente - para então ficar com sua esposa e o dinheiro de seu seguro.
Plano bolado e plano executado, é claro que as coisas começam a parecer o que realmente são: uma teia de mentiras e traição para ninguém botar defeito. Billy Wilder, a partir daí, mantém a plateia com a respiração suspensa, com cenas construídas milimetricamente para manter a tensão constante - e de dar orgulho ao mestre Alfred Hitchcock. Baseado em um caso real que tomou as manchetes dos jornais nos anos 20, o romance de James M. Cain encontrou em Wilder o diretor ideal, e o roteiro (que não teve a coautoria de habitual colega Charles Brackett, que não gostou do tema denso da história) contou com a colaboração do escritor Raymond Chandler, cuja relação com o cineasta não foi nem um pouco amistosa. As constantes desavenças entre os dois, porém, não se deixa entrever no resultado final, um filme impecável que é o responsável pelo surgimento de uma espécie de cinema que é até hoje, sete décadas depois, fonte inesgotável de inspiração e admiração.
FONTE:
UM FILME POR DIA
7 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Billy Wilder), Atriz (Barbara Stanwyck), Roteiro Adaptado, Fotografia em P&B, Trilha Sonora Original, Som
Se existe um filme que merece ser chamado de noir, este filme é, "Pacto de sangue": dirigido com a maestria absoluta de Billy Wilder, fotografado em um assombroso preto-e-branco por John F. Seitz e apresentando todas as características que mais tarde seriam o DNA do subgênero mais famoso do cinema policial, a adaptação do romance de James M. Cain (que também escreveu "Mildred Pierce", que virou "Almas em suplício" e deu à Joan Crawford o Oscar de melhor atriz) conquista o espectador logo de cara, com a narração em off do protagonista (outro sinal inequívoco do estilo), começando a narrar os caminhos tortuosos que o levaram a uma situação nada invejável: ferido e acuado, Walter Neff (Fred MacMurray) viu sua vida relativamente tranquila de agente de seguros virada de pernas para o ar desde o momento em que pôs os olhos na melíflua Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck, com uma peruca que o próprio Wilder detestava e uma atuação na medida exata entre a paixão e o cinismo). O início da intrincada trama - que modificou sensivelmente alguns pontos da obra de Cain com o apoio do autor - é apenas o começo, também, para Neff e para o público, que durante pouco menos de duas horas acompanhará uma história de paixão, lúxuria, morte e traição assinada por um dos mais brilhantes cineastas da Hollywood de ouro.
Billy Wilder - prolífico diretor e roteirista, capaz de assinar desde dramas humanos como "Farrapo humano" como comédias ácidas como "Quanto mais quente melhor" e romances elegantes como "Sabrina" - tem a seu crédito uma meia-dúzia de obras-primas, mas, à época do lançamento de "Pacto de sangue" ainda tinha poucos títulos em seu currículo (três, para ser mais exato). No entanto, quando se assiste a este seu quarto filme, fica difícil acreditar que ele nunca tivesse comandado um policial. Dotado de um ritmo impecável e um direção segura de atores, Wilder moldou a base do filme noir, borrando as fronteiras entre o bem e o mal e entregando à audiência um protagonista bem longe do maniqueísmo que imperava desde que o infame Código Hayes passou a ditar as regras na produção cinematográfica. Essa ousadia - que tão bem faz o filme e tão libertadora foi para que o público não se deixasse bitolar por leis absurdas de puritanismo - é uma das marcas registradas do cinema de Wilder e fica patente em cada sequência de "Pacto de sangue".
O protagonista, Walter Neff (vivido pelo mesmo Fred MacMurray que trabalharia novamente com o diretor em "Se meu apartamento falasse", de 1960, como o chefe canalha de Jack Lemmon) é um primor de ambiguidade: ao mesmo tempo em que é o herói da trama (ao menos dentro daquele padrão convencional de definição de herói de cinema), ele é também um mau-caráter de primeira ordem. Tudo bem, existe o atenuante de estar apaixonado, mas, no cinema noir homem apaixonado é alvo fácil, e Neff não contraria a regra: deslumbrado por Phyllis Dietrichson desde que viu pela primeira vez sua tornozeleira, displicentemente encoberta por uma toalha de banho, ele cai em suas garras e em seu plano malévolo. Convencido por ela, ele obriga seu marido (Tom Powers) a assinar um seguro de vida milionário dotado de Auma cláusula que duplica a indenização caso a morte seja acidental. Se hoje o público já sabe de longe que vem problema por aí, o mesmo não pode ser dito de Neff, que entra em uma jogada arriscada: matar o milionário e forjar um acidente - para então ficar com sua esposa e o dinheiro de seu seguro.
Plano bolado e plano executado, é claro que as coisas começam a parecer o que realmente são: uma teia de mentiras e traição para ninguém botar defeito. Billy Wilder, a partir daí, mantém a plateia com a respiração suspensa, com cenas construídas milimetricamente para manter a tensão constante - e de dar orgulho ao mestre Alfred Hitchcock. Baseado em um caso real que tomou as manchetes dos jornais nos anos 20, o romance de James M. Cain encontrou em Wilder o diretor ideal, e o roteiro (que não teve a coautoria de habitual colega Charles Brackett, que não gostou do tema denso da história) contou com a colaboração do escritor Raymond Chandler, cuja relação com o cineasta não foi nem um pouco amistosa. As constantes desavenças entre os dois, porém, não se deixa entrever no resultado final, um filme impecável que é o responsável pelo surgimento de uma espécie de cinema que é até hoje, sete décadas depois, fonte inesgotável de inspiração e admiração.
FONTE:
UM FILME POR DIA
quinta-feira, 5 de outubro de 2017
quarta-feira, 4 de outubro de 2017
BERTOLD BRECHT
Ah! Desgraçados!
Um irmão é maltratado e vocês olham para o outro lado?
Grita de dor o ferido e vocês ficam calados?
A violência faz a ronda e escolhe a vítima,
e vocês dizem: “a mim ela está poupando, vamos fingir que não estamos olhando”.
Mas que cidade?
Que espécie de gente é essa?
Quando campeia em uma cidade a injustiça,
é necessário que alguem se levante.
Não havendo quem se levante,
é preferível que em um grande incêndio,
toda cidade desapareça,
antes que a noite desça.
terça-feira, 3 de outubro de 2017
segunda-feira, 2 de outubro de 2017
CHARLES BUKOWSKI
Já morreu
sempre quis transar com
henry miller, ela disse,
mas quando cheguei lá
era tarde demais.
diabos, eu disse, vocês
sempre chegam tarde demais, garotas.
hoje já me masturbei
duas vezes.
não era esse o problema dele,
ela disse. a propósito
como você consegue bater
tantas?
é o espaço, eu digo,
todo o espaço entre
os poemas e os contos, é
intolerável.
você deveria esperar, ela disse,
você é impaciente.
o que você pensa de céline?
perguntei.
queria transar com ele também.
já morreu, eu disse.
já morreu, ela disse.
importa-se de ouvir uma
musiquinha? perguntei.
pode ser legal, ela disse.
dei-lhe ives.
era tudo que me restava
naquela noite.
sempre quis transar com
henry miller, ela disse,
mas quando cheguei lá
era tarde demais.
diabos, eu disse, vocês
sempre chegam tarde demais, garotas.
hoje já me masturbei
duas vezes.
não era esse o problema dele,
ela disse. a propósito
como você consegue bater
tantas?
é o espaço, eu digo,
todo o espaço entre
os poemas e os contos, é
intolerável.
você deveria esperar, ela disse,
você é impaciente.
o que você pensa de céline?
perguntei.
queria transar com ele também.
já morreu, eu disse.
já morreu, ela disse.
importa-se de ouvir uma
musiquinha? perguntei.
pode ser legal, ela disse.
dei-lhe ives.
era tudo que me restava
naquela noite.