sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

SOLDA


CÁUSTICO


SOLDA CÁUSTICO: http://cartunistasolda.com.br/

BARÃO DE ITARARÉ


Conselho Médico
(Como devemos tomar nossos remédios)


Quando estamos doentes, afinal não temos outro remédio senão tomar remédio.
O remédio, aliás, sempre faz bem. Ou faz bem ao doente que o toma com muita fé; ou ao droguista que o fabrica com muito carinho; ou ao comerciante que o vende com um pequeno lucro de 300 por cento.
Mas apesar do bem que fazem, devemos convir que há remédios verdadeiramente repugnantes, que provocam engulhos e violentas reações de repulsa do estômago.
Como devemos tomar esses remédios repugnantes? Aí está o problema que procuraremos resolver para orientar os nossos dignos e anêmicos leitores.
O melhor meio de vencer as náuseas, quando temos que ingerir um remédio repelente, consiste em recorrer à lógica dos rodeios, adotando os métodos indiretos, até chegar à auto-sugestão, transformando assim o remédio repugnante numa coisa que seja agradável ao paladar. Numa palavra, devemos tomar o remédio com cerveja, por exemplo.
Como devemos proceder para chegarmos a esse magnífico resultado?
É indispensável comprar, antes do remédio, uma garrafa de cerveja. Depois, é necessário bebê-la devagar, saboreando-a, para sentir-lhe bem o gosto. Liquidada a primeira garrafa, pedimos outra cerveja. Esta vamos tomá-la de outra forma, também devagar, mas com a idéia posta no remédio, cuja lembrança naturalmente nos provocará asco. Para voltarmos ao normal, encomendamos uma terceira garrafa, com a qual, lembrando-nos sempre do remédio, iremos dominando e vencendo a repugnância. Na altura da quinta ou undécima garrafa, nós já estaremos convencidos de que o gosto do remédio deve ser muito semelhante ao da cerveja e, assim, já poderíamos beber calmamente o remédio como cerveja. Mas, como não temos o remédio no momento e já não temos muita força nas pernas para ir à farmácia, então continuamos a beber a infusão de lúpulo e cevada, até chegarmos a esta notável conclusão: se é possível chegar a se tomar um remédio tão repugnante como cerveja, muito mais lógico será que passemos a tomar cerveja como remédio, porque a ordem dos fatores não altera o produto, quando está convenientemente engarrafado.


Texto extraído do livro "Máximas e Mínimas do Barão de Itararé", Editora Record - Rio de Janeiro, 1986, pág. 33, uma coletânea organizada por Afonso Félix de Sousa.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

DISCOTECA BÁSICA


Led Zeppelin
Physical Graffiti (1975)

(Edição 11,Junho de 1986) 

Uma escolha que pode contrariar muita gente entre as viúvas do Led que ainda hoje habitam o planeta. Afinal, não existe nenhuma razão para se excluir de qualquer "discoteca básica" os quatro primeiros LPs do grupo. Desde sua estréia em vinil, com "Led Zeppelin I" (68), o quarteto já traz todos os extremos para que aponta a gula estilística do maestro Jimmy Page - do rockabilly ao folk de raízes celtas, passando por blues épicos como tratores encharcados de combustíveis ilícitos. Sem contar, claro, com a cristalização do gênero que seria batizado como heavy metal (pelo que, talvez, a História nunca os perdoe). 
Seja como for, "Physical Grafitti" foi o único disco que eu me arrependi de ter jogado fora quando - há uns cinco, seis anos - tive um acesso de limpeza provocado pela audição ininterrupta de Talking Heads e Joy Division e pelos ideais do levante de 77. É verdade - nesta fatídica data, eu doei a coleção completa do Led, e só não tinha nenhum pirata por falta de grana. Eles viraram, de fato, os Judas favoritos dos punks - do sexismo arrogante de Robert Plant e do virtuosismo de Page ao sucesso medido em pilhas de platina, representavam tudo o que havia de errado com o rock'n'roll na primeira metade da década de 70. 
Noutra data fatídica, porém, eu simplesmente tive de entrar na primeira lojinha de discos para comprar um Physical Grafitti novo em folha, antes que a saudade matasse. 
Está lá, levadas às últimas conseqüências, a potência monolítica porém filigranada que sempre foi o segredo e o veneno da banda. Junto com o momento máximo do produtor Jimmy Page - e é aí que a porca chamada História torce o rabo. 
Contemporâneo e amigo de Beck e Clapton uns cinco anos antes de entrar para os Yardbirds, Jimmy - por motivos de saúde - não foi pulando para dentro da primeira banda de blues psicodélico que passou pela porta de sua casa. Ao contrário, fez carreira como músico de estúdio até aperfeiçoar-se como arranjador e produtor de grupos como os Stones, os Kinks e o Who. Sem nenhum crédito por isso, é bem provável que tenha sido o legítimo criador do rhythmÕn'blues mod(erninho) que a velha Inglaterra espalhou para o mundo no começo dos 60. O que já bastaria para colocá-lo pau a pau com Hendrix entre os guitarristas de sua geração. 
Quando entrou para o Led, portanto, Jimmy não só tocava como um demônio - fosse com a palheta, com os dedos ou com seu arco de violino -, como conhecia estúdios e eletrônica musical de A a Z. Foi o homem, enfim, que introduziu no rock o theremin - um instrumento eletrônico da década de 30, deixado às traças com a invenção do sintetizador. 
Sobrepondo guitarras e guitarras com timbres tratados diferentemente, criou um turbilhão wagneriano que atinge o gozo final nos três tours-de-force monumentais de "Physical Grafitti". "Kashmir" e "In the Light" atacam escalas orientais com performances demolidoras dos exagerados Plant e Bonham, contrabalançadas pela finesse climática de John Paul Jones no baixo e - principalmente nessas duas faixas - nos teclados. A terceira, "In My Time of Dying", era um belo spiritual recuperado por Bob Dylan. Era, porque a bordo do "zepelim de chumbo" se transforma numa exaltação simultaneamente heróica e debochada, com o histriônico Plant implorando aos berros pela presença de Jesus e do Arcanjo Gabriel. Paroxismo é isso aí, principalmente para uma garganta acostumada a simular orgasmos múltiplos. 
Junto a rocks concisos e musculosos como "Custard Pie" e "Trampled Underfoot", não precisava mais. Aí o grupo resolveu acoplar sobras dos LPs anteriores - algumas, meras jams -, transformando Physical Grafitti num álbum duplo que não tem (surpresa!) sequer um sulco supérfluo. 


José Augusto Lemos


quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

CABEÇA DE PEDRA


Sou ladrão!

Sou ladrão, sim - e daí? Ninguém nunca me pegou. Sou o rei dos caras de pau. Claro que tenho um mandato parlamentar. E faz tempo! Tanto que, se bobear, ainda terei forças para colocar meu bisneto na quadrilha. Não tenho vergonha do que faço. Roubo algumas quirelas do orçamento. Tem gente que rouba muito mais. Todo mundo rouba, disso tenho certeza. Sempre fui modesto. Me contentei em ficar com uma parcela do que se transformou em beneficio para o meu povo. Meu povo que vota em mim. Meu povo da família vai muito bem, obrigado. No começo fiquei meio sem jeito para fazer a coisa. Depois, me acostumei. Dinheiro fácil. Me conformei com a história do nosso país. Sempre foi assim, desde que os portugueses mandaram os criminosos povoarem a terra que tudo dá. E como dá! Faço meu serviço direito. Engano a todos com discursos patrióticos e que pregam a honestidade. Para os outros. Não sou honesto. Sou honesto comigo mesmo pois me convenci de que dinheiro traz felicidade. Inventaram aquela lorota que diz ao contrário só para manter a bugrada mansa e na miséria. Sempre sou financiado por quem tem muito mais que. É que eles ganham ainda mais com o trabalho que faço para eles. É o jogo. Sou humilde, mas só gosto de ficar em hotel de muitas estrelas quando viajo para a Europa. Miami é coisa de novo rico cucaracha. Sou um velho ladrão. Ostento apenas lá fora, onde ninguém me conhece. Aqui, se pudesse, andava de Fusca, feito o uruguaio que liberou a maconha. Agora tenho de parar essa confissão. Porque vou queimá-la. Faço isso para desopilar. Isso e a missa que vou sagradamente todo domingo. No sábado me confesso. No dia seguinte, comungo. Para ficar pronto para os roubos da semana. Rezo para morrer num domingo. Eu acredito que exista o céu.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

TOULOUSE-LAUTREC

Henri Marie Raymond de Toulouse-Lautrec Monfa foi um pintor pós-impressionista e litógrafo francês, conhecido por pintar a vida boêmia de Paris do final do século XIX.
Nascimento: 24 de novembro de 1864, Albi, França
Falecimento: 9 de setembro de 1901, Saint-André-du-Bois, França.





segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O SOM DO SOL

A timelapse of the Sun in 4K

domingo, 23 de novembro de 2014

UTOPIA


De Eduardo Galeano

A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.

LYNN O'NEILL





quarta-feira, 19 de novembro de 2014

DALAI E OS HOMENS


Perguntaram ao Dalai Lama o que mais o surpreendia na Humanidade. Ele respondeu:

- Os homens… porque perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver nem o presente nem o futuro. E vivem como se nunca fossem morrer… e morrem como se nunca tivessem vivido.

FOTOS

 
NO QUINTAL DE DONA ZEFA





Fotografias de Ricardo Silva

terça-feira, 18 de novembro de 2014

CABEÇA DE PEDRA


Na loca

No dia em que viu o vizinho sair com a calibre 12 e atirar para esbagaçar um canário que cantava no pé de uma árvore, ele achou que era o momento. Não disse nada em casa. Pegou a estrada de chão e caminhou na direção da serra que sempre via quando abria a janela da casinha do sítio logo que o galo cantava. Andou, andou, atravessou um riacho quase seco, olhou a pastagem pegando fogo, o gado magro, uma mulher jogando milho para as galinhas e pintinhos no terreiro da casa. Do alto do morro cada vez mais aumentava o olho da loca. A loca é um buraco. Ele subiu pelas pedras, se arranhou em espinhos, mas chegou lá. Entrou. Não havia bicho algum. Só ele. Bicho homem desiludido com tudo. Entrou até o fundo, sentou, ficou olhando a luz desaparecer naquela boca aberta da entrada. Dormiu. Acordou. Assim ficou até perder os sentidos. E morrer. Convicto de que o ser humano vai acabar com a Terra, mas ainda acreditando que a Terra iria virar o jogo para a paz reinar novamente.


sábado, 15 de novembro de 2014

terça-feira, 11 de novembro de 2014

MANOEL DE BARROS

O CATADOR

Um homem catava pregos no chão.
Sempre os encontrava deitados de comprido,
ou de lado,
ou de joelhos no chão.
Nunca de ponta.
Assim eles não furam mais - o homem pensava.
Eles não exercem mais a função de pregar.
São patrimônios inúteis da humanidade.
Ganharam o privilégio do abandono.
O homem passava o dia inteiro nessa função de catar
pregos enferrujados.
Acho que essa tarefa lhe dava algum estado.
Estado de pessoas que se enfeitam a trapos.
Catar coisas inúteis garante a soberania do Ser.
Garante a soberania de Ser mais do que Ter.



*Tratado geral das grandezas do ínfimo, Editora Record - 2001, pág. 43.

VIVIAN MAIER

Vivian Dorothea Maier (Nova Iorque, 1 de fevereiro de 1926 - Ilinóis, 21 de abril de 2009) foi uma fotógrafa norte-americana que especializou-se em Street photography (fotografia de rua).
Maier passou a sua infância na França e após voltar para os Estados Unidos, trabalhou como babá por mais de 40 anos e durante este período, em seus dias de folga, fotografou a cidade de Nova Iorque, focando nas ruas, nas pessoas e nos edifícios, sempre com a sua câmera Rolleiflex. Foram mais de 150 mil fotografias mostrando as pessoas e a arquitetura da sua cidade natal, além de Los Angeles e Chicago entre as décadas de 1950 e 1960. Vivian também fez viagens internacionais, como para Manila, Bangkok, Pequim, Egito, Itália, sempre registrando, fotograficamente, as ruas das cidades.
Vivian viveu uma velhice com dificuldades financeiras, chegando a morar em asilos pagos pelo previdência, até que alguns amigos compraram um apartamento em Chicago e passaram a pagar as suas contas. Entre estes amigos, estavam várias pessoas que Vivian cuidou quando babá. Em 2009, Viviam faleceu em decorrência de lesões decorrentes de um tombo em que bateu a cabeça.
Por toda a sua vida, guardou as fotografias, os negativos e fitas de áudio com pequenas entrevistas que fazia com as pessoas que fotografava. Este material só foi descoberto em 2007, por John Maloof, que reconheceu o valor artístico e histórico do material, mas foi somente após a sua morte que houve o reconhecimento do seu trabalho e o material começou a ser reproduzido na internet e em revistas especializadas, além da publicação de livros com o seu acervo e exposições.

sábado, 8 de novembro de 2014

CINE CENA

O HOMEM DO RIO - 1964
L'HOMME DE RIO de Philippe de Broca

Sinopse


Um grupo de ladrões planeja o roubo de uma relíquia amazônica do Museu do Homem, em Paris. O crime gera uma série de aventuras que envolvem drogas, morte e sequestro. Agnes (Françoise Dorléac), a filha de um homem assassinado, é sequestrada, drogada e enviada para o Rio de Janeiro em um avião. O seu namorado Adrien (Jean-Paul Belmondo), um soldado, procura a amada, começando uma jornada, que terá como cenários o Rio de Janeiro, Brasília e a Amazonia.

Jean-Paul Belmondo
Personagem: Adrien Dufourquet 
Françoise Dorléac
Personagem: Agnès Villermosa
Jean Servais
Personagem: Professor Catalan
Adolfo Celi
Personagem: Sr. Mario De Castro
Milton Ribeiro
Personagem: Tupac

Official Trailer - 1964

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

CLARICE LISPECTOR


Escrever, Humildade, Técnica

Essa incapacidade de atingir, de entender, é que faz com que eu, por instinto de... de quê? procure um modo de falar que me leve mais depressa ao entendimento. Esse modo, esse "estilo" (!), já foi chamado de várias coisas, mas não do que realmente e apenas é: uma procura humilde. Nunca tive um só problema de expressão, meu problema é muito mais grave: é o de concepção. Quando falo em "humildade" refiro-me à humildade no sentido cristão (como ideal a poder ser alcançado ou não); refiro-me à humildade que vem da plena consciência de se ser realmente incapaz. E refiro-me à humildade como técnica. Virgem Maria, até eu mesma me assustei com minha falta de pudor; mas é que não é. Humildade com técnica é o seguinte: só se aproximando com humildade da coisa é que ela não escapa totalmente. Descobri este tipo de humildade, o que não deixa de ser uma forma engraçada de orgulho. Orgulho não é pecado, pelo menos não grave: orgulho é coisa infantil em que se cai como se cai em gulodice. Só que orgulho tem a enorme desvantagem de ser um erro grave, com todo o atraso que erro dá à vida, faz perder muito tempo.

*Texto extraído do livro "A Descoberta do Mundo", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1999.

MICHAEL REEDY






segunda-feira, 3 de novembro de 2014

LYNYRD SKYNYRD

Free Bird

Old Grey Whistle Test 1975 live


sexta-feira, 24 de outubro de 2014

O apanhador de desperdícios


de Manoel de Barros

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.



FOTOS






Fotografias do Ricardo Silva

Só por hoje, vinte anos


por Roberto José da Silva


Só por hoje são 20 anos. Neles, apenas por motivos profissionais deixei de ir à clínica para nunca esquecer minha doença e também para dizer, aos que estão internados pelo mesmo motivo, que, sim, podemos controlá-la – e que retomar o controle da própria vida é uma das experiências mais fantásticas que se pode ter. Daí a certeza de que somos privilegiados – pois podemos comparar. Mas os que chegam a um internamento são privilegiados, por assim dizer. Uma quantidade ínfima na multidão dos que não têm essa chance, por motivos que vão desde a quase inexistente política pública para o problema, traduzida em vagas limitadas aos que não podem pagar pelo internamento, ao preconceito contra a doença, que é alimentada pela falta de informação absurda, que é a chave para o melhor combate à praga, ou seja, a prevenção. Nunca escondi meu problema – e essa talvez seja uma das armas que escolhi para deixar o tubarão quietinho dentro do meu peito (essa imagem me foi passada pelo jornalista Marcio Varela, a quem pedi ajuda no dia 24 de outubro de 1994, depois de passar quatro dias me drogando com cocaína na forma injetável). As outras são o voluntariado na clínica onde me internei (Quinta do Sol), os remédios estabilizadores de humor, que aprendi a tomar sagradamente, e minha terapia com o psiquiatra, onde vou uma vez por mês, numa sequência que tem bem mais de duas décadas e que começou com uma psicóloga na época em que minha droga era o álcool (o dependente é dependente de qualquer droga, principalmente as que ele não experimentou, costumo dizer nas palestras que dou). Comecei meu tratamento, de fato, no dia em que, internado, fui a uma sala de Alcoólicos Anônimos em, naquele dia, consegui ouvir com a alma o “só por hoje”, pronunciado por uma voluntária da Quinta que era portadora do vírus HIV e hoje mora nos Estados Unidos. Pelas chances que tive (foram três internamentos), me agarro na vida e priorizo o tratamento, que é para o resto da vida, porque saber que pode-se escorregar é outro fator para nos deixar atento ( e isso pode acontecer, mas não penso, apenas vou atrás de mim mesmo para definir onde o calo aperta e pode deflagrar a recaída). Mas, e a multidão que está por aí, agora mesmo, no labirinto das trevas sem saber que está nele e sem a mínima chance de tentar voltar à vida? Uma vez entrevistei um grande terapeuta e ele disse que a maior dificuldade do ser humano, seja ele dependente ou não, é aceitar a normalidade. Sempre se quer mais, se fantasia com algo meio indefinido, fora do real – e esquece-se de viver a vida normal, que é a grande aventura. Dependentes, em sua grande maioria, são inteligentes e sensíveis – daí porque sofrem demais com as próprias dores e as do mundo. Buscam a saída – e entram no pântano. São abandonados pelas famílias, são taxados como escória e morrem, ou matam, por causa do vício. Há uma incompreensão generalizada com o problema, mas é preciso não desistir dessas pessoas, principalmente elas próprias. Por que há saída. Sempre digo que precisamos dar uma chance para nós mesmos. É o que tento fazer – só por hoje.


MARILYN MONROE





terça-feira, 21 de outubro de 2014

COBRANÇA


Nada levarei quando morrer. 
Aqueles que me devem, cobrarei no inferno. 

(Miguel Rio Branco)

SOLDA


CÁUSTICO



SOLDA CÁUSTICO: http://cartunistasolda.com.br/

O ANDAR


por Antônio Maria


Aconteceu na Avenida Copacabana, esquina de Santa Clara. Uma jovem senhora chamou o guarda e apontou o homem, encostado a um poste:

— Prenda este homem, que ele está se portando inconvenientemente.

Era um homem magro, pálido, vestido em casimira velhinha. Não tinha cara de gente má. Ao contrário, seus olhos eram doces e mendigos.

O policial segurou o homem pela lapela. O homem não se mexeu. Apenas levantou os olhos e perguntou:

- Por quê?

A senhora estava uma fúria e dizia num fôlego só:

— Há uma hora este cidadão me segue. Começou no lotação. Desceu quando eu desci. Entrei numa loja e ele entrou também. Andei um quarteirão e ele andou também. Entrei no mercadinho e ele entrou também...

— E lhe disse alguma coisa?

— Não. Só olhava.

O guarda soltou a lapela do homem. O homem agradeceu. O guarda dirigiu-se ainda à mulher:

— Mas ele só olhava?

— Sim. Mas olhava de maneira obscena.

O guarda perguntou, então, ao homem:

— Você olhava de maneira obscena?

— Sim. Não sei mentir. Mas qualquer um no meu lugar faria o mesmo. 0 senhor já viu ela andar?

0 guarda viu depois, quando a mulher desistiu da prisão do seu espectador e foi andando. Não se deve explicar muito, mas é preciso que se diga: era uma moça brasileira. Uma moça de formato brasileiro, com movimentos brasileiríssimos. Dessas que deviam ter, como certos automóveis, uma tabuleta às costas, onde se lesse: "Amaciando".


08/01/1960

Texto extraído do livro "Benditas sejam as moças: as crônicas de Antônio Maria", Editora Civilização Brasileira - Rio de Janeiro, 2002, pág. 79, organização de Joaquim Ferreira dos Santos.

FONTE: http://www.releituras.com/antoniomaria_oandar.asp

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A MENTIRA COMO ARTE POLÍTICA


por  Ivan Schmidt

Com todo o rigor de sua desenvoltura intelectual a filósofa judia Hannah Arendt escreveu no primeiro parágrafo do ensaio “Verdade e Política”, inserido no livro Entre o passado e o futuro (Editora Perspectiva, SP, 1972), que “jamais alguém pôs em dúvida que verdade e política não se dão bem uma com a outra, e até hoje ninguém que eu saiba, incluiu entre as virtudes políticas a sinceridade. Sempre se consideraram as mentiras como ferramentas necessárias e justificáveis ao ofício não só do político ou do demagogo, como também do estadista”.

Mesmo estimulado por uma realidade diversa do atual contexto vivido no Brasil (a polêmica suscitada pela publicação de Eichmann em Jerusalém), a escorreita elaboração do pensamento político da autora parece se encaixar com perfeição à campanha presidencial nesse segundo turno.

Ao introduzir a discussão dos porquês da situação Hannah levanta questões pertinentes: “E o que isso significa, por um lado, para a natureza e dignidade do âmbito político e, por outro, para a natureza e dignidade da verdade e veracidade? É da essência mesma da verdade o ser impotente e da essência mesma do poder ser embusteiro?”.

Os ataques gratuitos e vizinhos do desespero que as equipes de marketing dos candidatos à presidência da República colocam diariamente nas emissões de rádio e televisão no horário eleitoral, e eles os recitam como papagaios, quase sempre desvinculados da verdade factual, passam ainda a presunção boçal de que ouvintes e telespectadores são vítimas da mais crassa idiotia.

A verdade é que as provocações começaram nos programas da candidata à reeleição, ocasionando nos últimos dias a reação tucana. O mesmo tom passou a se manifestar nos debates entre os candidatos, conforme se observou nos programas já realizados pelas redes Bandeirantes e SBT. Haverá, ainda, dois enfrentamentos televisivos dos candidatos (Record e Globo) antes da eleição e, a julgar pelo ânimo crescente da apontar o dedo na direção do oponente, a cara feia e a aura messiânica cuidadosamente calculada, sejam utilizados em grau máximo como últimos cartuchos dos marqueteiros que, afinal, precisam justificar as fortunas que estão levando.

No primeiro debate Dilma acusou Aécio de ter construído um aeroporto na fazenda de seu tio-avô, no município mineiro de Cláudio, assim como se referiu a parentes do então governador com empregos na administração estadual. No segundo debate (SBT), a presidente lembrou o caso da recusa de Aécio em submeter-se ao teste do bafômetro, no Rio de Janeiro, argumentando que alguém que age dessa forma não pode ser presidente da República.

Na resposta Aécio poderia ter dito, mas não o fez, que se é o caso de generalizar, Luiz Inácio também deveria ser dispensado do exercício da presidência, sobretudo depois que o correspondente do New York Times no Brasil escreveu uma reportagem dizendo claramente que o então presidente era “um pau d’água”. O rumor foi tão grande que o próprio Lula chegou a sugerir a expulsão do repórter do território brasileiro, embora convencido por assessores próximos a fazer de conta que não era com ele. Sobre nepotismo, Aécio respondeu que o irmão da presidente, Igor Rousseff, foi funcionário fantasma da prefeitura de Belo Horizonte na gestão de Fernando Pimentel, governador eleito de Minas Gerais.

Hannah Arendt escreveu, ainda, e suas palavras são estritamente adequadas ao episódio eleitoral brasileiro, arrazoando que “as mentiras, visto serem amiúde utilizadas como substitutos de meios mais violentos, podem ser consideradas como instrumento relativamente inofensivo no arsenal da ação política”.

A filósofa revela sua inquietação pessoal e a busca por “descobrir que dano é o poder político capaz de infligir à verdade”, revelando investigar a matéria mais por razões políticas que filosóficas: “Por isso permitimo-nos desconsiderar a questão do que é a verdade, contentando-nos com tomar a palavra no sentido em que os homens comumente a entendem”.

E, com o objetivo de botar de vez a questão em pratos limpos, Hannah acrescentou o seguinte: “E se agora pensamos nas verdades modestas tais como o papel, durante a Revolução Russa, de um homem cujo nome era Leon Trotski, que não aparece em nenhum dos livros de história soviéticos – imediatamente tomamos consciência do quanto são mais vulneráveis do que todas as espécies de verdade racional juntas”.

O que, na verdade, queria dizer com isso? A resposta está nas linhas que seguem, nas quais constata (usando a linguagem de Hobbes) que “a dominação, quando ataca a verdade racional, como que exorbita seu domínio, ao passo que combate em seu próprio terreno ao falsificar ou negar fatos mentirosamente”.

O contrário da verdade, escreveu Hannah, “era a mera opinião equacionada com a ilusão; e foi esse degradamento da opinião o que conferiu ao conflito sua pungência política; pois é a opinião, e não a verdade, que pertence à classe dos pré-requisitos indispensáveis a todo poder”. O ex-presidente norte-americano Madison dizia que “todo governo assenta-se sobre a opinião”, fato ampliado dessa forma pela consagrada intelectual: “E nem mesmo o mais autocrático tirano ou governante pode alçar-se algum dia ao poder, e muito menos conservá-lo, sem o apoio daqueles que têm modo de pensar análogo”.

Assim, toda pretensão a uma verdade absoluta cuja validade “não requeira apoio do lado da opinião, atinge na raiz mesma toda a política e todos os governos”, considerou Hannah, lembrando que o antagonismo entre verdade e opinião “foi elaborado por Platão (especialmente no Górgias) como o antagonismo entre a comunicação em forma de ‘diálogo’, que é o discurso adequado à verdade filosófica, e em forma de ‘retórica’, através da qual o demagogo, como hoje diríamos, persuade a multidão”.

Outra preciosidade do pensamento filosófico de Hannah Arendt, enunciada nos idos de 1954, quando escreveu o ensaio em foco, que 60 anos depois ainda assombra pelo sentido original, serve como uma luva confeccionada sob medida para um dos candidatos à presidência: “A razão humana, por ser falível, só pode funcionar se o homem pode fazer ‘uso público’ dela, e isso é verdadeiro, outrossim, para aqueles que, ainda em estado de ‘tutela’, sejam incapazes de usar suas mentes ‘sem a orientação de alguém’”.

Sem muito esforço percebe-se hoje na disputa eleitoral uma cópia quase idêntica da lúcida opinião da filósofa judia, ao apontar com toda a propriedade a infausta existência de personagens dos negócios humanos incapazes de raciocinar ou falar por si próprios.

Para não seguir castigando o leitor com a multiplicidade dos conceitos irrepreensíveis de uma pensadora altamente admirada nos meios cultos do Ocidente, seria bastante a transcrição de mais uma de suas iluminações: “Como o mentiroso é livre para moldar os seus ‘fatos’ adequando-os ao proveito e ao prazer, ou mesmo às melhores expectativas de sua audiência, o mais provável é que ele seja mais convincente do que o que diz a verdade”.

Estivesse o leitor num teatro ao final da peça, decerto perceberia o pano descendo lentamente.




ALEKSEY TCHERNIGIN








terça-feira, 14 de outubro de 2014

CABEÇA DE PEDRA


Nonsense

Nonsense. Ele não sabia direito que diabo era aquilo, mas gostou do som. De súbito, lhe veio o complemento que poderia ser... Ah, dane-se. Tascou no caderno espiral onde anotava essas coisas vindas não se sabe de onde: Nonsense. Não Pense. Faça. Virou a página, deixou ali em cima da cama, olhou um poster de Hendrix, colocou Alberta Hunter em vinil na vitrola, saiu para tomar um gole de água do filtro de barro na caneca de alumínio, abriu a porta de trás, viu o quintal com o mato tomando conta de tudo, sorriu por dentro, de felicidade, voltou, olhou o caderno de novo. Nonsense. Foi a um dicionário: Expressão, linguagem ou situação ilógica, absurda, desprovida de sentido ou de coerência. Riu de novo. Agora sabia. Então, fez: apagou tudo.




GRANDES ÁLBUNS


STEVIE WONDER – INNERVISIONS



por Tiago Ferreira

Stevie Wonder pode não enxergar, mas suas visões interiores são mais interessantes e complexas do que podemos imaginar. Ao contrário de grandes artistas que se aprofundaram nas drogas e expeliram seus demônios em canções clássicas, Stevie preferiu seguir o caminho de encontrar a tão distante paz sem soar religioso ou dogmático demais.

Depois de uma bem-sucedida carreira bancada pela Motown, Stevie estava inspirado no começo da década de 70, quando entregou alguns de seus melhores trabalhos. E Innervisions, se não for o melhor deles, não poderia ficar de fora do panteão.

O groove dos pianos de Stevie já aparecem logo na primeira faixa, “Too High”, que critica uma garota que pretende ‘chegar aos céus’ por vias alucinógenas. Uma das melhores do álbum, “Living For The City” conta a crônica de uma cidade com base em uma família que vive mal “pela cidade”.

Naquele momento a canção refletia a conturbada vida dos negros norte-americanos, mas tem um paralelo interessante com nossa realidade: lembra aquelas pessoas que tentam uma vida melhor nas grandes cidades, mas se deparam com a injustiça social. Essa destreza acaba influenciando negativamente sua prole, que sofre na pele os preconceitos de forma direta e têm que encarar esse choque cultural de alguma forma, seja pela violência ou pela aceitação. Stevie Wonder tenta dar positivismo a quem vive dessa maneira quando diz: “Se não mudarmos o mundo, ele vai acabar em breve”.

De fato, seria injusto apontar quais seriam as ‘melhores canções’ do álbum. Todas têm a sua importância e são belíssimas, tratadas como pérola por um dos maiores soulman já existentes.

“Golden Lady” é uma balada divina, “Visions” serve como o editorial de todo o disco: “Apenas sei o que digo (…) e todas as coisas têm um fim”. Mais profundo que as belas composições é o ritmo fluido da banda, que consegue encaixar perfeitamente cada nota de sax, cada slap de contrabaixo (vide “Higher Ground”), os solos de guitarra nos lugares perfeitos.

Obra de mestre, mas ainda há bastante controvérsia quando o assunto é nomear o melhor álbum de BIG Stevie: Talking Book (1972) e Songs In The Key Of Life (1976) entram na disputa, mas Innervisions, para mim, é o clássico dos clássicos.





sábado, 11 de outubro de 2014