sábado, 30 de dezembro de 2017

CHARLES BUKOWSKI


Encurralado


bem, eles diziam que tudo terminaria assim: velho.
o talento perdido. tateando às cegas em busca
da palavra

ouvindo os passos
na escuridão, volto-me
para olhar atrás de mim…

ainda não, velho cão…
logo em breve.

agora
eles se sentam falando sobre
mim: “sim, acontece, ele já
era… é
triste…”

“ele nunca teve muito, não é
mesmo?”

“bem, não, mas agora…”

agora
eles celebram minha derrocada
em tavernas que há muito já não
frequento.

agora
bebo sozinho
junto a essa máquina que mal
funciona

enquanto as sombras assumem
formas

combato retirando-me
lentamente

agora
minha antiga promessa
definha
definha

agora
acendendo novos cigarros
servido mais
bebidas

tem sido um belo
combate

ainda
é.


MOVIE STAR


JOAN COLLINS






segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

FOTOGRAFANDO

DE TUDO UM POUCO

Fotografias de Ricardo Silva

















THE RAMONES

Merry Christmas





NATAL

 
por  Fernando Pessoa


O sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro de minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.


segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

domingo, 10 de dezembro de 2017

MANUEL BANDEIRA

A estrela

Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.


LUIZ CARLOS MACIEL

Dramaturgo, roteirista, diretor, escritor, jornalista: Luiz Carlos Maciel morre aos 79 anos




Por  Roberta Jansen, O Estado de S.Paulo


RIO - “Jornalista, dramaturgo, roteirista de cinema, filósofo, poeta e escritor. Apesar de sua vasta atuação no cenário cultural brasileiro, Luiz Carlos Maciel é comumente lembrado por sua participação n'O Pasquim, com a coluna Underground, quando então escrevia artigos sobre os movimentos alternativos que eclodiam no mundo, assim como as manifestações anteriores que lhes serviram de base, como o romantismo, o surrealismo, o existencialismo sartreano, a literatura da Beat Generation, o marxismo, entre muitos horizontes (re)descobertos na época. Este trabalho de difusão da contracultura lhe valeu o estereótipo de ‘guru da contracultura brasileira’ ”.

Foi desta forma que a historiadora Patrícia Marcondes de Barros descreveu Maciel, que morreu na manhã deste sábado, aos 79 anos, em decorrência de falência múltipla de órgãos. Ele estava internado desde o último dia 26 no Hospital Copa D’Or, em Copacabana, na Zona Sul, vítima de uma doença pulmonar obstrutiva crônica.

A historiadora, autora do livro “A contracultura na América do Sol: Luiz Carlos Maciel e a coluna Underground”, organizou também uma cronologia da vida do jornalista e dramaturgo.

Luiz Carlos Ferreira Maciel nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 15 de março de 1938. Aos 17 anos, ingressou na Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul, onde se formou bacharel em 1958. Ainda em Porto Alegre, fez teatro amador, atuando em peças de Pirandello e Tennesse Williams. Ele também dirigiu Os Cegos, de Michel de Ghelderode e Esperando Godot, de Samuel Beckett.

Um ano após sua formatura em filosofia, Maciel ganhou uma bolsa para estudar na Escola de Teatro da Universidade da Bahia. Em Salvador, conheceu Glauber Rocha, João Ubaldo Ribeiro e Caetano Veloso, entre vários outros artistas. Com Glauber, fez seu primeiro papel como ator principal no curta-metragem “A cruz na praça”. Em 1960, Maciel ganhou outra bolsa de estudos, desta vez da Fundação Rockefeller, para estudar direção teatral e roteiro no Carnegie Institute of Technology, em Pittsburgh, nos EUA.

Em 1961, Maciel voltou a Salvador já como professor da Escola de Teatro. Neste período, dirigiu peças como “A morte de Bessie Smith”, de Edward Albee, “Morte e vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, e “Major Bárbara”, de Bernard Shaw. Neste mesmo ano, publicou seu primeiro livro (de um total de 12), um ensaio sobre Samuel Beckett e a solidão humana. Em 1964, ano do golpe militar, mudou-se para o Rio de Janeiro onde deu aulas de teatro e começou a trabalhar como redator nas redações da revista Fatos & Fotos e no Caderno B, do Jornal do Brasil. Neste período, Maciel escreveu dois roteiros para o cinema: Society em Baby Doll, que também dirigiu, e “O homem que comprou o mundo”, de Eduardo Coutinho.

Luiz Carlos Maciel foi um dos fundadores do Pasquim, em 1968, onde era responsável pela edição de duas páginas dedicadas ao Underground – o que acabou lhe rendendo o apelido de “guru da contracultura”. Em 1970, junto com a maior parte da equipe do Pasquim, foi preso pelo regime militar e passou dois meses encarcerado. Nos anos seguintes, ele editou o semanário de contracultura “A flor do mal” e a edição brasileira da revista Rolling Stone. O multifacetado Maciel ainda dirigiria espetáculos musicais de artistas como Gal Costa e Erasmo Carlos e se tornaria professor de roteiro.

Durante vinte anos, trabalhou como roteirista da Rede Globo. Em 2003, Maciel publicou um livro reunindo seus conhecimentos na área, O poder do clímax — Fundamentos do roteiro de cinema e TV, relançado este ano. Em 2015, aos 77 anos, apesar dos múltiplos talentos, se viu desempregado pela primeira vez.

“Um tanto constrangido, é verdade, mas sem outro jeito, aproveito esse meio de comunicação, típico da era contemporânea e de suas maravilhas, para levar ao conhecimento público o fato desagradável de que estou sem trabalho e, por conseguinte, sem dinheiro", escreveu ele em sua página no Facebook.

Este ano, as coisas tinham melhorado. Maciel relançou em março O poder do clímax – fundamentos do roteiro de cinema e TV, lançado originalmente em 2003, e voltou a trabalhar na TV Globo. Ele foi consultor da supersérie “Os dias eram assim”, cuja trama se passa entre os anos 70 e 80.

Luiz Carlos Maciel deixou a mulher, a atriz Maria Cláudia, com quem era casado desde 1976, dois filhos, Lucia Maria e Roberto, e quatro netos.



ESTADÃO/CULTURA
http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,morre-aos-79-anos-o-escritor-e-jornalista-gaucho-luiz-carlos-maciel,70002114373



segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

JIMI HENDRIX

Sunshine Of Your Love
Stockholm, Sweden, 1969

FABRÍCIO CARPINEJAR


LIMPANDO MANCHAS COM A SALIVA


Eu fiz aquilo que sempre odiei.

Notei uma mancha de pasta de dente no casaco do abrigo de meu filho antes da saída para a escola e tentei limpar com a saliva. Foi um gesto impensado, passional, visceral. Quando vi, já raspava a unha no tecido. Havia desaparecido o pedágio do pudor dos pensamentos e segui com os braços em alta velocidade.

— Que é isso, pai?

Ele me censurou e, então, caí em mim. Acordei do transe paterno, do coma do instinto que atinge os bichos com as suas crias. Resmunguei uma desculpa, mas ainda estava, mesmo errado, me sentindo convicto do meu ato. Veio a confusão de lembranças: ser pai é voltar a ser filho.

Lembrei que a mãe tinha a mania de tirar alguma mancha do meu uniforme escolar umedecendo o dedo em sua boca. Assim como ela virava as páginas das revistas nas salas de espera dos consultórios. Achava nojento. Preferia ir para a aula sujo a ir com o casaco cuspido. Não me faziam mal manchas de café ou do Nescau, justificáveis, eu me incomodava com a esfregação improvisada. Jamais sonhei que estaria no outro lado do balcão da alma, realizando o que abominava. Jamais imaginava que, de vítima, viraria protetor.

Mas a vida propõe a mudança generosa de lugares. Eu só não queria o meu filho entrando na sala deselegante. Ele pairava acima dos meus nojos e preconceitos. Não teria mesmo como me controlar. A educação supera condicionamentos e medos e somos mais do que a nossa mera identidade.

Não sofro com a fama de chato que possa receber por minhas tempestuosas manias.

Uma hora ou outra, o feitiço atingirá o feiticeiro. O que mais odiamos, com o tempo, será o que mais amaremos. Eu amo o que odiava. Amo fazer coisas de meus pais que odiava neles. Amo ser hoje os meus pais. Com os hábitos invasivos de mexer no cabelo dos filhos de repente, para ajeitar o penteado, ou de me agachar do nada para arrumar as bainhas das calças presas nas meias. E apanhando até terminar as tarefas: eles estapeiam as minhas mãos quando sou frenético pente ou começam a caminhar quando sou imóvel engraxate. A resistência deles com "para, pai" ou "não precisa disso" aumenta a minha ternura. Experimento cenas patéticas e ridículas publicamente.

Surgem relâmpagos de cuidados que não sei frear. Riscam o céu de minhas veias.

O clarão impulsiona o corpo e ele simplesmente obedece. A impressão é de que morreria se não fizesse. Chamava a minha mãe de dramática e agora divido o palco com ela na ópera do cotidiano.

Talvez o zelo morasse em mim desde pequeno, esperando a paternidade para aflorar.


*Publicado em Jornal Zero Hora em 29/08/17


FABRÍCIO CARPINEJAR


Escritor, jornalista e professor universitário, autor de trinta e quatro livros, pai de dois filhos, um ouvinte declarado da chuva, um leitor apaixonado do sol. Quando conseguir se definir deixará de ser poeta.






domingo, 3 de dezembro de 2017

IMPRESSIONISTAS



Camille Pissarro / Boulevard Montmartre



Claude Monet / Landscape The Parc Monceau



Vincent van Gogh / Le Café De Nuit



Pierre-Auguste Renoir / Luncheon of the Boating Party

ANA CRISTINA CESAR


Fagulha


Abri curiosa
o céu.
Assim, afastando de leve as cortinas.

Eu queria entrar,
coração ante coração,
inteiriça
ou pelo menos mover-me um pouco,
com aquela parcimônia que caracterizava
as agitações me chamando

Eu queria até mesmo
saber ver,
e num movimento redondo
como as ondas
que me circundavam, invisíveis,
abraçar com as retinas
cada pedacinho de matéria viva.

Eu queria
(só)
perceber o invislumbrável
no levíssimo que sobrevoava.

Eu queria
apanhar uma braçada
do infinito em luz que a mim se misturava.

Eu queria
captar o impercebido
nos momentos mínimos do espaço
nu e cheio

Eu queria
ao menos manter descerradas as cortinas
na impossibilidade de tangê-las

Eu não sabia
que virar pelo avesso
era uma experiência mortal.


*Ana Cristina Cesar, em “A teus pés”. São Paulo: Brasiliense, 1982.




sexta-feira, 24 de novembro de 2017

O INQUILINO

The tenant, 1976
Paramount Pictures, 126min) Direção: Roman Polanski. Roteiro: Roman Polanski, Gérard Brach, romance de Roland Topor. Fotografia: Sven Kykvist. Montagem: Françoise Bonnot. Música: Philippe Sarde. Figurino: Jacques Schmidt. Direção de arte/cenários: Pierre Guffroy. Produção executiva: Hercules Bellville. Produção: Andrew Braunsberg. Elenco: Roman Polanski, Isabelle AdjanShelley Winters, Melvyn Douglas, Jo Van Fleet, Bernard Fresson, Lila Kedrova. Estreia: 24/5/76 (Festival de Cannes)
Último capítulo da famosa "trilogia do apartamento" de Roman Polanski, "O inquilino" antecede, em pelo menos uma década, o tom onírico e delirante das obras de David Lynch. Inspirado em um romance de Roland Topor que estava em vias de ser filmado por Jack Clayton ("Os inocentes" e "Todas as noites às nove") e lançado dois anos após a consagração do cineasta polonês com "Chinatown", que havia lhe dado uma indicação ao Oscar de melhor diretor, o suspense estrelado pelo próprio Polanski e pela musa francesa Isabelle Adjani na flor de seus 20 anos de idade, "O inquilino" é, ainda hoje, perturbador a ponto de dar um nó na cabeça do espectador, acostumado com as tramas mastigadinhas proporcionadas por Hollywood - é uma surpresa, aliás, saber que foi produzido por um estúdio americano e que tenha chegado às telas sem sua interferência. Sinal de que o prestígio do diretor por seu noir estrelado por Jack Nicholson e Faye Dunaway ainda estava em alta - o que só seria abalado por sua acusação de estupro de uma menor de idade e sua proibição de voltar a trabalhar nos EUA, o que lhe obrigou a manter uma carreira internacional, ainda que premiada e quase sempre louvada pela crítica.

Tema constante na filmografia de Polanski, a perda da sanidade mental é o mote central de "O inquilino", em que o diretor volta a trabalhar como ator. Ele é quem vive o protagonista, Trelkovski, um funcionário público simples e discreto que vê seu equilíbrio posto à prova depois de alugar o apartamento de uma jovem estudante que acaba de cometer suicídio. Constantemente assediado por seus estranhos vizinhos, que reclamam de barulhos que ele não faz e falam de outros moradores que ele sequer consegue ver, aos poucos o tímido burocrata passa também a ter visões estranhas e comportar-se de forma errática, como se assumisse a personalidade da antiga moradora do apartamento, uma egiptologista a quem visitou no hospital pouco antes de sua morte. Sem saber o que fazer para impedir que seu fim seja semelhante ao dela - cujos hábitos de consumo ele também começa a manter - Trelkovski pede ajuda a uma amiga da morta, Stella (Isabelle Adjani). Não demora muito, porém, para que ele veja nela uma outra ameaça à sua vida. Sem saber o que fazer, ele mergulha em uma espiral de loucura e obsessão.

O mais radical dos trabalhos de Roman Polanski - por sua profusão de simbolismos, seu tom delirante e por seu final em aberto que não explica nada e deixa tudo nas mãos da plateia - "O inquilino" estreou mundialmente no Festival de Cannes de 1976, de onde saiu sem nenhum prêmio mas com fartos elogios da crítica. Não é para menos: com um estilo econômico de narrativa, sem excessos ou artifícios que façam dele um suspense vulgar ou tipicamente comercial, seu filme é um soco no estômago de quem procura um thriller convencional. Não há sustos a cada dez minutos ou um desfecho trivial. O roteiro - co-escrito pelo diretor e seu colaborador habitual Gérard Brach - tem seu ritmo próprio, com uma pegada europeia que exige do espectador uma atenção que o gênero normalmente dispensa em seus exemplares mais banais. Até mesmo quando a trama ameaça escorregar com um grau bastante elevado de situações bizarras o controle de Polanski no comando da ação a impede de cair no ridículo. Poucas vezes investindo na carreira de ator, ele também consegue destacar-se com uma interpretação contida e adequada, trabalhando ao lado de vencedores do Oscar, como Melvyn Douglas, Shelley Winters, Lila Kedrova e Jo Van Fleet - todos perfeitamente inseridos na atmosfera de pesadelo criada por sua direção inspirada.

Que não se espere de "O inquilino" um suspense banal. Apostando fortemente no teor psicológico da trama e amparado em uma direção de arte que enfatiza cada ângulo distorcido e cada nota da bela trilha sonora de Philippe Sarde, o filme de Polanski conduz o espectador por um labirinto de emoções perversas e tensão, com um sentimento de incômodo de que somente os grandes cineastas conseguem imprimir em seus trabalhos. O final pode não agradar a todos, mas é inegável que poucos filmes são capazes de despertar tanto desconforto sem apelar para a sanguinolência explícita ou efeitos visuais de última geração. Polanski é sempre Polanski, para o bem e para o mal. Vale experimentar!





segunda-feira, 20 de novembro de 2017

FOTOGRAFANDO

NO QUINTAL DE DONA ZEFA

Fotografias de Ricardo Silva












sexta-feira, 17 de novembro de 2017

SOLDA


MEDO


tenho medo
da guerra atômica iminente
(e de pastel de camarão)
do bandido da luz vermelha
(e de febre amarela)
de câncer e unha encravada
(e do serviço de proteção ao crédito)
de ser surpreendido pela morte
(e das almas do outro mundo)
de ser treinador da seleção
(e de acordar transformado em barata)
do imposto predial e territorial
(e dos políticos corruptos)
das virgens que nos seduzem
(e de todos os males do coração)
de ser atacado pelas costas
(e de enfrentar a vida cara-a-cara)
das medidas de emergência
(e de contatos imediatos)
das vírgulas e reticências
(e do verso de pé-quebrado)
dos filmes de terror
(e de transfusão de sangue)
das mulheres que abandonam seus maridos
(e dos maridos abandonados)
da fúria dos oposicionistas
(e dos motoristas que dirigem na contramão)
dos desmentidos do porta-voz
(e de anestesia geral)
de ser aniquilado por um mal súbito
(e de ser assaltado por uma dúvida)
das prestações da casa própria
(e da fúria da torcida organizada)
do controle de natalidade
(e da explosão demográfica)
de me perder na multidão
(e de ser confundido com o ladrão)
de ficar sozinho com o defunto
(e de fazer o papel de vilão)
de José Dirceu
(e de Genoíno, Jefferson e Delúbio)
medo do medo da Regina Duarte
(e de Luiz Inácio Lula da Silva)
de todos os ministros
(e de duplicata vencida)
de uísque falsificado
(e dos falsos profetas)
de bandido que defende bandido
(e dos bandidos inofensivos)
de revólver engatilhado
(e das negociações para o cessar-fogo)
do silêncio no grande canyon
(e do barulho no andar de cima)
de dormir com o cigarro aceso
(e do turco que tentou matar o papa)
de Osama Bin Laden
(e de George W. Bush)
de quarta-feira de cinzas
(e de bife mal-passado)
do castigo que vem a cavalo
(e da sorte que está lançada)
das vítimas das enchentes
(e da solidariedade da população)


Solda Cáusticohttp://cartunistasolda.com.br/ 


quarta-feira, 15 de novembro de 2017

DISCOTECA BÁSICA



FRANK ZAPPA

ZOOT ALLURES / 1976


“Zoot Allures”, último álbum a ser creditado ao Mothers, foi lançado pela Warner Bros, em out/76. Praticamente um disco de estúdio (há apenas a faixa-título e “Black Napkins” ao vivo), com um elenco rotativo de músicos (que, curiosamente, não corresponde à foto da capa – por exemplo, Patrick O’Hearn e Eddie Jobson não tocam no disco!), “Zoot Allures” trouxe um som despojado (comparado aos álbuns anteriores), com instrumentação básica e essencial, cheio de graves e vocais sussurrados criando uma obra-prima do Rock lento e cavernoso. Quase todo seu repertório é de faixas em tempos médios e baixos, com Zappa soando quase como um crooner. “The Torture Never Stops” é um claro destaque: 10 minutos de letras sugestivas, riffs rastejantes, solos fumegantes e... gritos femininos! Ela e “Disco Boy” tornaram-se clássicos zappeanos. “Black Napkins” e “Zoot Allures” têm aqueles que estão entre seus melhores solos de guitarra, em toda sua discografia. Embora não seja um disco sem o típico humor de Zappa, trata-se de um álbum de Rock, digamos, “sério”, um trabalho de transição que representa uma das maiores realizações desse gênio.


ZÉ DA SILVA


Amassei barro e ajudei a tapar a estrutura de taipa lá naqueles confins – sob um sol de rachar. Cabecinha pequena, pra não dizer o contrário, alguém com cigarro de paia, fumo de corda fedido, disse que eu levava jeito, apesar de ter nascido na cidade grande. Fiquei com aquilo, ou seja, aquele barro que levava em porções que cabiam nas duas mãos juntas. Voltei para o casebre na periferia, bucho estufado, umbigo estourando. Mãe deu remédio para as bichas e as lombrigas saíram como num filme que depois veria na tela grande. Também ouvia no rádio os programas onde, além do trio com zabumba, triângulo e sanfona, apareciam os cantadores com seus improvisos de martelo agalopado, que era o tipo que eu gostava por causa do nome e do ritmo. Um dia me flagraram comendo barro. Não levei cascudo porque pai e mãe nunca relaram a mão em mim. Nunca esqueci aquilo. Aí, depois dos estudos, lembrei de tudo, juntei uma coisa com outra e veio a frase, como cartão de visita a quem interessar: “Como barro e cago tijolo, sou pobre, mas não tolo”.


BLOG DO ZÉ BETO: http://www.zebeto.com.br/

JOE MACGOWN









terça-feira, 14 de novembro de 2017

ARNALDO ANTUNES


Iluminuras


Pensamento vem de fora
e pensa que vem de dentro,
pensamento que expectora
o que no meu peito penso.
Pensamento a mil por hora,
tormento a todo momento.
Por que é que eu penso agora
sem o meu consentimento?
Se tudo que comemora
tem o seu impedimento,
se tudo aquilo que chora
cresce com o seu fermento;
pensamento dê o fora,
saia do meu pensamento.
Pensamento, vá embora,
desapareça no vento.
E não jogarei sementes
em cima do seu cimento.


SOLDA

CÁUSTICO


SOLDA CÁUSTICOhttp://cartunistasolda.com.br/

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

CLARICE LISPECTOR

PANORAMA





O CENTENÁRIO DE UM GÊNIO






por
Célio Heitor Guimarães


Não tivesse falecido em 2005, o grande mestre Will Eisner estaria festejando cem anos neste 2017. Ele foi um dos maiores nomes do mundo dos quadrinhos, genial, extraordinário na criatividade dos argumentos e no manuseio da pena e do pincel. Na verdade, Will enriqueceu a trama narrativa e trouxe para os gibis inovações gráficas. Mais do que isso: tirou as historietas daquele marasmo “pictórico” inicial e deu vida real aos heróis de papel. Mais ainda: introduziu nos comics o humor, a ironia, a linguagem cinematográfica e os diversos planos, incluindo o close e o super-close up – como assinalou Jô Soares, admirador de carteirinha de Will Eisner.

Seu grande personagem – The Spirit – nasceu em 1940, deixou de ser produzido em 1952, mas tornou-se eterno, conquistando gerações de admiradores no mundo todo. Tido como morto, o detetive Denny Colt, vestia um terno azul, usava chapéu e luvas, tinha uma bela gravata vermelha, ocultava-se por trás de uma máscara em torno dos olhos e morava em um cemitério. Sim, no Cemitério Wildwood, de onde partia para combater secretamente o crime em Central City. Era solteiro, mas estava sempre cercado de belas mulheres fatais. A sua verdadeira identidade jamais foi revelada, a não ser para uma reduzida corte integrada pelo inseparável amigo Ébano, pelo comissário-de-polícia Dolan e pela filha deste, a louríssima Ellen, que Denny namorava à moda antiga.

– Como todas as boas ideias já tinham sido usadas – relatou Eisner -, Colt teve que se virar como pôde. Sem superpoderes e sem superuniforme capaz de lhe dar vantagem sobre as forças do mal, ele tinha que combater o crime correndo o risco de se arrebentar. Afinal, era de carne e osso como qualquer humano.

As histórias de Spirit eram a prova da genialidade de seu criador. Curtas, bem estruturadas e com uma pitada de bom humor, destacavam, como expressou Waldomiro Vergueiro, no blog Omelete,“a fragilidade do ser humano na luta pela sobrevivência frente a situações adversas e enfatizavam, muitas vezes, a ironia da própria existência”. Aliás, as historietas traziam outra novidade inventada pelo autor: o logotipo do personagem nunca foi repetido. A cada aventura ganhava de Will nova forma gráfica.

E assim, por doze anos, o misterioso justiceiro esteve presente nas tiras dos jornais e em revistas do mercado norte-americano – foram mais de 600 aventuras, interrompidas, ao que consta, porque Eisner se sentiu cansado das exigências que o quadrinho comercial lhe colocavam.

Em seguida, as histórias de Spirit foram reeditadas em várias séries de quadrinhos por diversas editoras. A principal das quais, a Kitchien Sink Press, que republicou toda a série, pré e pós-guerra, sob o título de “The Spirit: The Origin Years”. Posteriormente, a Kitchen lançou “The Spirit: The New Adventures”, com histórias escritas e ilustradas por uma variedade de criadores, entre os quais Alan Moore, Eddie Campbell e Dave Gibbons.

O Brasil – pelo qual Will Eisner tinha especial carinho – foi o primeiro país, fora os EUA, a publicar The Spirit, a partir de 1941, um ano após a sua estreia. A informação foi dada ao jornal Folha de S.Paulo pelo britânico Paul Gravett. O lançamento ocorreu na revista O Gibi, de Roberto Marinho. Era, então, O Espírito. Ao mercado europeu o personagem só chegou em 1967.

Depois de Spirit, Will Eisner dedicou-se por inteiro às “novelas gráficas”, termo por ele cunhado para indicar a nova linguagem gráfica sequencial. E aí seguiu-se uma série de obras-primas, como “Um Contrato com Deus”, “O Edifício”, “A Força da Vida”, “No Coração da Tempestade”, “Avenida Dropsie”, “Narrativas Gráficas”, “New York – A Grande Cidade”, “Assunto de Família”, “Fagin, o Judeu” e “O Nome do Jogo”.

A explicação foi oferecida por ele próprio: “Eu estava conversando ao telefone com um editor, e disse a ele: ‘Eu tenho uma coisa nova para você, uma coisa muito nova’. Ele indagou: ‘O que é?’ E eu olhei para ela e me dei conta de que, se eu falasse uma história em quadrinhos, ele desligaria. Era um sujeito muito ocupado, e aquela era uma editora de alto nível. Por isso, eu a chamei de romance gráfico (graphic novel), e ele disse: ‘Oh, isto é interessante. Traga aqui!’ Eu levei. Ele olhou para ela, olhou para mim por cima de seus óculos de leitura, e disse: ‘Você sabe, ainda é uma história em quadrinhos’ ”.

Aquele editor não a quis, mas outros quiseram. E o mundo dos quadrinhos e da arte gráfica agradecem penhoradamente.

O quadrinhólogo brasileiro Álvaro de Moya, recentemente falecido, foi amigo pessoal de Will Eisner. Quando enviou-lhe uma edição de “Anos 50/50 Anos”, recebeu o agradecimento do grande mestre: “Os quadrinhos, a narrativa visual, com o emprego da arte sequencial e texto, estão afinal no limiar de chegarem ao lugar merecido na cultura ocidental. Este livro de sua autoria, que é um reconhecido historiador, muito fará para acelerar esse processo”.

As lembranças dessa amizade, que também durou quase 50 anos, estão em “Eisner / Moya – Memórias de Dois Grandes Nomes da Arte Sequencial”, livro organizado pelo jornalista Dario Chaves e lançado este ano pela Editora Criativo. O volume traz histórias narradas por Moya, em primeira pessoa, que remontam a 1951, quando ele fez o primeiro contato com Eisner, pedindo originais do artista para a Primeira Exposição Internacional de Quadrinhos, que foi realizada em São Paulo, naquele ano.

William Erwin Eisner nasceu no Brooklyn, Nova York, em 6 de março de 1917 e faleceu em 3 de janeiro de 2005, em Lauderdale Lakes, Flórida.



domingo, 5 de novembro de 2017

TICIANA VASCONCELOS SILVA



No peito arde a mais inglória dor
Sangrando palavras mórbidas
Corroendo os dentes imóveis
Sussurrando sombras e mistérios

No peito vive a mais espantosa flor
Como se de mantos velhos se cobrisse
Como se abrisse e sumisse
Como se na primavera se abrumasse

Espantos do dia, luzes da noite
Solenes curvas que sobrecarregam o que ainda está por vir
Porvir sem constatações
Cantos sem objeções

No sangue a matéria inconstante
Permanecendo vítima do ritmo moribundo do mundo
Sonhos estranhos
Tamanho o desassossego
Desenho raso de um mar sem cor

O verbo rasgado e usado
Sem dar movimento, estagnado
Urso hibernando
Poema sem vigor

E na pele amaldiçoada
A cinza esparramada
Os olhos trêmulos
O gesto do desamor


sábado, 4 de novembro de 2017

INTERESTELAR


INTERESTELAR (Interstellar, 2014, Paramount Pictures/Warner Bros/Legendary Entertainment, 169min) Direção: Christopher Nolan. Roteiro: Christopher Nolan, Jontahan Nolan. Fotografia: Hoyte Van Hoytema. Montagem: Lee Smith. Música: Hans Zimmer. Figurino: Mary Zophres. Direção de arte/cenários: Nathan Crowley/Gary Fettis, Helen Kozora-Tell. Produção executiva: Jordan Goldberg, Jake Myers, Kip Thorne, Thomas Tull. Produção: Christopher Nolan, Lynda Obst, Emma Thomas. Elenco: Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Jessica Chastain, Matt Damon, Michael Caine, Ellen Burstyn, David Oyelowo, Wes Bentley, William Devane, Casey Affleck, Topher Grace. Estreia: 26/10/14

5 indicações ao Oscar: Trilha Sonora Original, Direção de Arte/Cenários, Edição de Som, Mixagem de Som, Efeitos Visuais
Vencedor do Oscar de Efeitos Visuais


Em 2006, quando ainda era um projeto da Paramount Pictures, "Interestelar" seria dirigido por um tal de Steven Spielberg, que contratou Jonathan Nolan para escrever o roteiro, inspirado em teorias científicas do físico Kip Thorne. A história original, que envolvia um conceito chamado de "caminho de minhoca" e várias outras situações que também inspiraram Carl Sagan a escrever seu clássico "Contato", acabou sendo deixada de lado pelo oscarizado cineasta em 2012, quando foi parar, então, nas mãos do irmão do roteirista, um homem que, em poucos anos de carreira, já havia redefinido os filmes de super-heróis com uma sombria trilogia protagonizada por Batman e criado um dos mais fascinantes e inteligentes filmes de ação da história ("A origem"): assumindo um projeto arriscado, caro (165 milhões de dólares) e sujeito à boa vontade de uma plateia mal-acostumada com blockbusters que não exigem muito do cérebro, Christopher Nolan transferiu a produção para sua casa (Warner Bros) e, com uma equipe de confiança a seu lado, realizou mais uma obra-prima que conquistou o público. Com mais de 600 milhões de dólares arrecadados ao redor do mundo, "Interestelar" - uma ficção científica empolgante, inteligente e emocionante - também colocou seu diretor em uma posição bastante privilegiada na indústria, ao ser o quarto filme seguido do diretor eleito como um dos dez melhores do ano pelo American Film Institute.

Como é comum na filmografia de Nolan, "Interestelar" se utiliza de uma técnica impecável para contar uma história que, no fundo, tem ressonâncias emocionais da mais alta profundidade. Sua receita de sucesso - contar com personagens fortes e ligações interpessoais que conectem a plateia com a trama, por mais complexa que ela possa parecer a princípio - mostrou-se vitoriosa principalmente em "A origem" (2010), e volta a funcionar à perfeição neste que talvez seja seu filme mais difícil até o momento. Longo (quase três horas de duração), dotado de um ritmo próprio que evita os clichês de filmes de ação e repleto de explicações científicas que poderiam assustar qualquer espectador acostumado às explosões sem sentido de Michael Bay, "Interestelar" é a prova cabal de que inteligência e diversão podem tranquilamente caminhar lado a lado - e que o público não é tão avesso quanto se pensa ao ato de por o cérebro para funcionar de vez em quando. Vencedor do Oscar de efeitos visuais - concorreu também às estatuetas de edição de som, mixagem de som, trilha sonora e direção de arte - o filme seduz pelo visual estonteante, mas se torna uma experiência única quando deixa a sensibilidade falar mais alto que a tecnologia.

A história imaginada por Nolan começa como mais uma produção sobre futuros distópicos, onde a humanidade está ameaçada de desaparecer diante de uma série de catástrofes que foram minando, pouco a pouco, todos os recursos naturais da Terra. É nesse ambiente desolador que o público é apresentado ao protagonista, Cooper (Matthew McConaughey), um engenheiro e piloto de testes da NASA tornado fazendeiro no Texas após a morte da esposa, e que tenta, a muito custo, manter a propriedade da família e cuidar dos dois filhos e do sogro. Seu destino, porém, logo lhe será revelado: após investigar o aparecimento de misteriosos sinais em sua fazenda, Cooper resolve seguir suas coordenadas e acaba parando em um bunker secreto, comandado pelo veterano John Brand (Michael Caine), um cientista com quem já havia trabalhado no passado. É Brand quem convence Cooper a entrar na mais perigosa aventura de sua vida: juntar-se a um pequeno grupo de exploradores - que inclui a filha de seu ex-chefe, Amelia (Anne Hathaway) - e viajar no espaço à procura de planetas que possam servir de salvação para o aparentemente inevitável extermínio da Terra e seus habitantes. Pensando nos filhos e na possibilidade de salvar a humanidade - um plano B seria o de colonização de outro ambiente propício à sobrevivência humana - Cooper aceita a missão, para desespero de sua filha, Murphy (Mackenzie Foy), uma menina de inteligência acima da média que se recusa a aceitar a partida do pai. A viagem exploratória começa, e é a partir daí que "Interestelar" pega todo mundo de surpresa.

Durante mais de duas horas, o roteiro dos irmãos Nolan segue o padrão dos filmes de ficção científica a que o público está habituado: efeitos visuais de primeira, alguns diálogos recheados de termos complexos, sequências de ação deslumbrantes e com altas doses de suspense, personagens que não são exatamente o que parecem. São seus trinta minutos finais, porém, que o tornam especial. Com uma reviravolta que põe em perspectiva tudo que foi mostrado até então e torna essenciais cada linha de diálogo e cada detalhe mostrados anteriores, a trama fecha um ciclo que, mais do que científico e metafísico, é essencialmente familiar e emotivo, oferecendo à uma Murphy adulta (e vivida com a competência de sempre por Jessica Chastain) uma importância crucial para um desfecho de arrepiar até ao mais cínico dos espectadores. Não importa se a plateia entende os conceitos de "buraco de minhoca" ou tem domínio da maior parte das explanações científicas da trama: é a humanidade que vem dos personagens que faz do filme universal e atemporal. Mais uma obra-prima de Christopher Nolan.


FONTE :
UM FILME POR DIAhttp://clenio-umfilmepordia.blogspot.com.br/2017/01/interestelar.html