sábado, 3 de outubro de 2015
quinta-feira, 1 de outubro de 2015
CABEÇA DE PEDRA
Zé Tom
Toquei a campainha. O Zé abriu e eu vi o Tom. Todos. Porque ele sempre foi assim. Pega tudo, desde o sotaque do Cabral até o zunido do computador. Passa pelo batuque do saravá, índios marcando o compasso no terreiro da taba, samba, rock, smetack, jackson, aquele. O gravador ligado e uma torrente de informações impregnando a fita cassete. Existe rock brasileiro era o mote. Naquela sala de um apartamento simples saiu toda uma enciclopédia de vida musical como o próprio. O Zé do Tom. Quarenta anos depois ói ele mais Zé do que Tom, porque alucinadamente brasileiro. E manda tomar no toba quem renega o forró em Limoeiro, o som das máquinas e o olhar brasileiro de quem mostra as costelas, com olhar esbugalhado na frente do mar e recebendo nas costas toda a energia. Aquela. Que tomou conta quando ele abriu a porta, deixou entrar e sair. Tom Zé.
CABEÇA DE PEDRA: http://cabecadepedra1.blogspot.com.br/
TOM ZÉ
O SUPLÍCIO DO VIRGINIANO
por Célio Heitor Guimarães
Uma das coisas que sempre me incomodaram um pouco foi ter nascido virgem. Como, minha senhora? Todo mundo nasce? Mas não para toda a vida, obrigatoriamente. Eu, por ter aportado neste mundo no mês de agosto, sou do signo de virgem. O que, saiba quem não sabe, não é coisa fácil. Não a virgindade, mas o virgianismo.
Eu sou aquele chato, crítico militante, inclusive e sobretudo, consigo mesmo. Detalhista, preocupado com minúcias. Ou seja, insuportável. Impossível é para o virginiano terminar uma tarefa a contento. Ele sempre acha que poderia ter feito melhor. Um inferno! Para ilustrar, conto que um dia, há uns quinze anos, resolvi montar um dicionário prático de sinônimos, coisa destinada a facilitar a minha própria atividade, então como colunista de jornal e advogado. O português é uma das mais ricas línguas do mundo para ficar-se repetindo vocábulos num mesmo texto. Então, comecei a reproduzir um modesto livreto de bolso, editado pela Ediouro, cujo volume desmanchara-se pelo uso. No meio da tarefa, achei que poderia ampliar um pouco o trabalho. Em seguida, pareceu-me que, já que estava com a mão na massa, não custava fazer algo melhor. Aí, comecei a pesquisar. Recorri aos dicionários. Quando me dei conta, era refém de pelo menos quatro, com um horizonte inatingível pela frente. Resultado: a “obra” foi paralisada e assim se encontra há mais de uma década. Está bonitinha; diagramada, inclusive. Recomecei-a algumas vezes, já a reescrevi umas três vezes, cheguei até a letra erre, mas não tenho mais esperança de concluí-la. Ainda que não tivesse nenhuma pretensão editorial e dela pretendesse tirar (como já fiz com algumas das minhas outras “obras”) apenas algumas cópias para oferecer como cortesia aos amigos.
Em 2001, combinei com outro maluco, chamado Luiz Renato Ribas, escrever a história da televisão do Paraná, com base no que foi publicado na revista TV Programas, que Renato, Rubens Hoffmann e eu editamos a partir de 1961. A primeira parte, saiu logo, com a trajetória da publicação, desde o pequeno folheto, dobrado na velha garagem do “seu” João Hoffmann, ali no Batel, até a chegada ao mundo do “off-set” e das cores. Como foi Luiz Renato que encarrilhou as letrinhas e eu apenas coloquei os acentos e as vírgulas, o capítulo foi completado. Aí, levei mais de dez anos imaginando como faria o resto, narrando a invenção da televisão paranaense, a programação que se seguiu, os grandes nomes e as grandes atrações do vídeo local, a chegada do milagre do videoteipe e o início do fim. Uma década de sofrimento, projetos idealizados e abandonados. Não bastava fazer o texto, precisava ter uma ideia antecipada da edição, de como seria a diagramação, de como seria possível ligar tudo à nossa “pequena notável”, ainda a mais longeva publicação semanal do Paraná, com circulação dirigida, que jamais atrasou um dia sequer.
Em agosto, decidi: é agora ou nunca mais. Passei a mão na coleção da revista, que ainda mantenho caprichosamente guardada, li todos os quase setecentos exemplares que tenho e fiz as devidas anotações. Coisa para meia dúzia de pesquisadores e pelo menos seis meses de trabalho. Conclui a tarefa em menos de dois meses. Quando quero, ainda sou um dínamo em ação. A padronização, a coerência e a exatidão dos dados foram alguns dos dramas que enfrentei. Mas venci a batalha comigo mesmo. Na semana passada, passei o texto ao Luiz Renato Ribas para as devidas correções e melhorias. O que vai acontecer daqui para a frente só Deus sabe. Talvez nada. E a “obra” seja depositada e esquecida numa gaveta qualquer. Nem eu nem o Ribas temos mais idade para essas aventuras.
Agora, voltando ao tema inicial: virginiano não é apenas aquele sujeito que vem ao mundo entre 23 de agosto e 22 de setembro e, segundo os mandamentos do zodíaco, sofre a influência da Constelação de Virgem. Na verdade, é um ser atormentado pela própria natureza.
Consola-me a análise feita, algum tempo atrás, pela astróloga Dirce Maria, minha ex-colega de O Estado do Paraná, que guardei com carinho [Não a Dirce, mas a análise]. Segundo Dirce, que continua em plena atividade, o nativo de virgem, “meticuloso, ordeiro, observador e estável”, não é tão chato assim. Ele apenas faz questão de que todas as coisas sigam uma regra e que cada ação tenha a sua linha e a sua ordem: “O virginiano jamais toma uma atitude sem pensar e repensar, várias vezes, em todos os prós e os contras. Por isso, dificilmente ele pisa em falso”. No entanto, Dirce detecta aí a negatividade da coisa: “Obcecado pela perfeição, muitas vezes o virginiano deixa de curtir a vida de uma forma mais amena e saudável”.
E arremata com uma manifestação de simpatia, destacando as características de simplicidade, recato, segurança, honestidade, sinceridade, ojeriza a holofote e solidariedade dos nativos de virgem.
Quem sou eu para desmenti-la, minha prezada Dirce Maria?