sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Receita de Ano Novo

de  Carlos Drummond de Andrade


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ver,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra
birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta ou recebe mensagens? passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.



terça-feira, 20 de dezembro de 2016

domingo, 18 de dezembro de 2016

THE ROLLING STONES

Happy Live (1972)
First recorded between December 1971 and March, 1972. Released on Exile On Main Street in 1972.
Lead vox and electric guitar: Keith Richards
Slide guitar: Mick Taylor

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

RELÍQUIA MACABRA

The maltese falcon, 1941
Warner Bros, 100min. 
Direção: John Huston. Roteiro: John Huston, romance de Dashiel Hammett. Fotografia: Arthur Edeson. Montagem: Thomas Richars. Música: Adolph Deutsch. Figurino: Orry-Kelly. Direção de arte: Robert Haas. Produção executiva: Hal B. Wallis. Elenco: Humphrey Bogart, Mary Astor, Peter Lorre, Gladys George, Lee Patrick, Sydney Greenstreet.
*3 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator Coadjuvante (Sydney Greenstreet) e Roteiro



Uma das mais frequentes críticas feitas às transposições de livros para o cinema é a falta de fidelidade ao material original, independente se tal material é um clássico absoluto ou o mais efêmero best-seller. Tal reclamação, no entanto, jamais poderá ser feito a respeito de “Relíquia macabra”, terceira adaptação do romance de Dashiell Hammet para as telas: apaixonado pela obra e por seu estilo seco e direto, o roteirista tornado diretor John Huston manteve, com fidelidade canina, a estrutura e os diálogos do livro original, um policial noir que não apenas estabeleceu os paradigmas do gênero como marcou a estreia de Huston como diretor e Humphrey Bogart como astro. Normalmente relegado a papéis de vilões ou gângsteres, Bogart tirou a sorte grande ao ser escalado para viver o detetive particular Sam Spade, criado por Hammett em 1930 e para o qual a Warner havia pensado seriamente em Edward G. Robinson. Cínico, quase amargo e insensível a ponto de não deixar que o amor atrapalhe qualquer um de seus negócios, Spade é uma espécie de pai de todos os detetives da ficção policial, nascido da experiência do próprio escritor na função. E ao lhe dar carne e osso, o ator – dois anos antes de assumir seu lado romântico em outro produto icônico do estúdio, “Casablanca”, de Michel Curtiz – forjou seu nome a ferro e fogo no ideário popular com um personagem que tornou-se, para o bem ou para o mal, a essência de sua carreira.

Suspenso pela Warner por ter se recusado a participar de “Três homens maus” (41), Bogart acabou sendo o escolhido pelo estúdio para viver o protagonista da nova versão do romance de Hammett – as duas primeiras, “O falcão maltês” (31) e “Satã encontrou uma dama” (43) não haviam sido exatamente sucessos comerciais nem tampouco haviam mudado a história do cinema. John Huston, porém, ainda não era o diretor do filme, cujo comando estava nas mãos de Jean Negulesco (que iria dirigir “Como agarrar um milionário”, com Marilyn Monroe e Lauren Bacall doze anos depois). Foi somente com a demissão de Negulesco que Huston, até então apenas roteirista, pegou sua chance com unhas e dentes: com um orçamento pequeno de 300 mil dólares e um elenco sem grandes astros, o cineasta de primeira viagem filmou o livro de Hammett em ordem cronológica e, aproveitando ao máximo do talento de cada membro da equipe, criou uma obra-prima que lhe colocou, de cara, no rol dos imortais da sétima arte.

Primeiro a fotografia em preto-e-branco de Arthur Edeson: fazendo uso exemplar do jogo de luz e sombra que se tornaria característica marcante do gênero nos anos 40, Edeson criou uma atmosfera envolvente de tensão e perigo, como se a cada esquina e atrás de cada porta houvesse a chance de uma violência inesperada e sádica – culminando com a sequência final, onde as sombras em forma de cela sugerem o destino de um dos vilões da trama. Depois, a trilha sonora de Adolph Deutsch, pouco intrusiva mas incisiva, comentando a ação sem jamais roubar a atenção para si mesma. E por fim, além da ambientação simples mas eficiente em sublinhar a temática da ambição desmedida e da traição, o elenco de encher os olhos. Se Bogart rouba a cena com seu imortal Sam Spade, os coadjuvantes não ficam atrás. Talvez Mary Astor não tenha exatamente o tipo físico de uma femme fatale – ela ficou com um papel para o qual foram consideradas Rita Hayworth, Ingrid Bergman e Olivia de Havilland - mas não deixa que isso atrapalhe sua composição da ambígua Brigid O’Shaughnessy, uma misteriosa mulher que adentra o escritório do protagonista para contratar seus serviços e o leva a uma espiral de morte e violência.

Tudo começa quando o sócio de Spade, Miles Archer (Jerome Cowan) é enviado pelo companheiro para vigiar o desconhecido Floyd Thursby, a pedido da própria Brigid. Quando ambos são mortos, cabe ao detetive buscar na misteriosa dama algumas respostas – principalmente porque a polícia já está no seu calcanhar. É então que entram no jogo novas peças, que levam a todos para um caminho completamente diferente. Um deles é o inglês Kasper Gutman (o ótimo Sidney Greenstreet, estreando no cinema aos 62 anos de idade e concorrendo ao Oscar de coadjuvante). O outro é o aparentemente delicado mas extremamente traiçoeiro Joel Cairo (Peter Lorre, o vampiro de Dusseldorf em pessoa). Ambos revelam que tudo gira em torno de um artefato histório, um falcão oriundo da ilha de Malta, incrustado de joias, que é o objeto do desejo de todos eles – e cuja posse os faz abdicar dos mais óbvios sentimentos humanos.

Uma fábula sobre amoralidade e ambição, “Relíquia macabra” é, também, um dos maiores filmes policiais da história por não ter medo em abraçar seus temas controversos ou criar personagens que fogem do padrão habitual do cinema comercial – em especial durante a vigência do famigerado Código Hays, que implicava com qualquer coisa que fugisse do convencional. Além disso, oferece um roteiro brilhante e repleto de cenas antológicas e diálogos inteligentes, que permite a seus atores demonstrarem um perfeito domínio de sua arte. Não é à toa que se mantém, mesmo com mais de sessenta anos, tão fresco quanto à época de seu lançamento. 


FONTE: 
http://clenio-umfilmepordia.blogspot.com.br/2016/09/reliquia-macabra.html


segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

NASHVILLE PUSSY

Go to hell 
Live Trabendo 10/12/2002

domingo, 11 de dezembro de 2016

FERNANDO PESSOA


Tudo para nós, está em nosso conceito do mundo; modificar o nosso conceito do mundo é modificar o mundo para nós, isto é, modificar o mundo, pois ele nunca será, para nós, senão o que é para nós. Aquela justiça íntima pela qual escrevemos uma página fluente e bela, aquela reformação verdadeira, pela qual tornamos viva a nossa sensibilidade morta — essas coisas são a verdade, a nossa verdade, a única verdade. O mais que há no mundo é paisagem, molduras que enquadram sensações nossas, encadernações do que pensamos. E é-o quer seja a paisagem colorida das coisas e dos seres — os campos, as casas, os cartazes e os trajos —, quer seja a paisagem incolor das almas monótonas, subindo um momento à superfície em palavras velhas e gestos gastos, descendo outra vez ao fundo na estupidez fundamental da expressão humana.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

JOHN LENNON

Slippin' and Slidin'


JOHN LENNON








John Winston Ono Lennon, nascido John Winston Lennon

Liverpool, 09 de outubro de 1940 / Nova Iorque, 08 de dezembro de 1980


quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

PHILIPPE DRUILLET








FERREIRA GULLAR


A estante


Naquele novo apartamento da rua Visconde de Pirajá pela primeira vez teria um escritório para trabalhar. Não era um cômodo muito grande mas dava para armar ali a minha tenda de reflexões e leitura: uma escrivaninha, um sofá e os livros. Na parede da esquerda ficaria a grande e sonhada estante que caberia todos os meus livros. Tratei de encomendá-la a seu Joaquim, um marceneiro que tinha oficina na rua Garcia D'Avila com Barão da Torre.

O apartamento não ficava tão perto da oficina. Era quase em frente ao prédio onde morava Mário Pedrosa, entre a Farme de Amoedo e a antiga Montenegro, hoje Vinicius de Moraes. Estava ali há uma semana e nem decorara ainda o número do prédio. Tanto que, quando seu Joaquim, ao preencher a nota da encomenda, perguntou-me onde seria entregue a estante, tive um momento de hesitação. Mas foi só um momento. Pensei rápido: "Se o prédio do Mário é 228, o meu, que fica quase em frente, deve ser 227. "Mas lembrei-me de que, ao ir ali pela primeira vez, observara que, apesar de ficar em frente ao do Mário, havia uma diferença na numeração.

— Visconde de Pirajá 127 — respondi, e seu Joaquim desenhou o endereço na nota.

— Tudo bem, seu Ferreira. Dentro de um mês estará lá sua estante.

— Um mês, seu Joaquim! Tudo isso? Veja se reduz esse prazo.

— A estante é grande, dá muito trabalho... Digamos, três semanas.

Contei as semanas. Não via chegar o momento de ter no escritório a estante sonhada, onde enfim poderia arrumar os livros por assunto e autores. E,mais que isso, sentir-me um escritor de verdade, um profissional, cercado de livros por todos os lados. No dia da entrega, voltei do trabalho apressado para ver minha estante.

— Como é, veio? — perguntei ao entrar.

— Veio o quê?

— Como o quê? A estante!

Não viera. Seu Joaquim não cumprira com a palavra empenhada, ah português filho de... Telefonei para ele sem dissimular, no tom da voz, minha irritação. E ele:

— Como não cumpri? Andei com dois homens de cima para baixo da rua e não encontrei o tal número que o senhor me indicou. Não existe na rua Visconde de Pirajá o número 127, senhor Ferreira.

Fiquei sem ação. Dera a ele o número errado.

— Diga-me o número certo e sua estante estará em sua casa amanhã mesmo.

Fiquei sem palavra. Se não era 127, qual número seria? Não era 227, disso
tinha certeza... E o Joaquim ao telefone:

— Qual o número, seu Ferreira?

— É 217, seu Joaquim... É isso, 217.

— Muito bem, 217. Já anotei. Amanhã terá sua estante.

Não tive. Ao chegar em casa e verificar que a estante não estava lá, conclui que havia dado de novo o número errado ao marceneiro. E corri para o telefone a fim de me desculpar.

— Seu Joaquim, é o senhor Ferreira... da estante.

— O senhor está querendo brincar comigo?

Fui tomado por um frouxo de riso, enquanto seu Joaquim, indignado, dizia que não ia mais entregar estante nenhuma, que eu fosse buscá-la, pois já era a segunda vez que subira e descera a Visconde de Pirajá, carregando aquela estante enorme, etc. etc...



*
O texto acima foi extraído do livro "A estranha vida banal", José Olympio Editora - Rio de Janeiro (RJ), 1989.

domingo, 4 de dezembro de 2016

THE ROLLING STONES

Midnight Rambler 
Live Marquee Club 1971


sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

DARCY RIBEIRO


O ruim no Brasil e efetivo fator do atraso, é o modo de ordenação da sociedade, estruturada contra os interesses da população, desde sempre sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos seus…O que houve e há é uma minoria dominante, espantosamente eficaz na formulação e manutenção de seu próprio projeto de prosperidade, sempre pronta a esmagar qualquer ameaça de reforma da ordem social vigente.

SOLDA

CÁUSTICO



FABRÍCIO CARPINEJAR


Meu maior medo é viver sozinho e não ter fé para receber um mundo diferente e não ter paz para se despedir. Meu maior medo é almoçar sozinho, jantar sozinho e me esforçar em me manter ocupado para não provocar compaixão dos garçons. Meu maior medo é ajudar as pessoas porque não sei me ajudar. Meu maior medo é desperdiçar espaço em uma cama de casal, sem acordar durante a chuva mais revolta, sem adormecer diante da chuva mais branda. Meu maior medo é a necessidade de ligar a tevê enquanto tomo banho. Meu maior medo é conversar com o rádio em engarrafamento. Meu maior medo é enfrentar um final de semana sozinho depois de ouvir os programas de meus colegas de trabalho. Meu maior medo é a segunda-feira e me calar para não parecer estranho e anti-social. Meu maior medo é escavar a noite para encontrar um par e voltar mais solteiro do que antes. Meu maior medo é não conseguir acabar uma cerveja sozinho. Meu maior medo é a indecisão ao escolher um presente para mim. Meu maior medo é a expectativa de dar certo na família, que não me deixa ao menos dar errado. Meu maior medo é escutar uma música, entender a letra e faltar uma companhia para concordar comigo. Meu maior medo é que a metade do rosto que apanho com a mão seja convencida a partir com a metade do rosto que não alcanço. Meu maior medo é escrever para não pensar.


MARILYN MONROE


ZÉ DA SILVA


CONGESTÃO

Por favor, chamem a ambulância do SAMU! Não sei o que aconteceu que me deu a louca de ler numa sentada o Catatau do Paulo Leminski e o Ulisses, do James Joyce. Sempre evitei. Sou um pé rapado que aprendi a ler, escrever e fazer duas operações matemáticas. Mas, por acaso, comecei a dividir em pílulas o que entrou na minha vida desde quando a Rosinha, Minha Canoa atracou no meu porto de vida. Tá certo que voei rápido – porque fui tateando até encontrar os que considero grandes – e aí entram os russos, americanos e baianos como o João, aquele Ubaldo. Viva o Povo Brasileiro me deixou sem capacidade de viver o real do momento durante muito tempo. Foi com ele que me viciei em ler aos pouquinhos, um tiquinho de cada vez, porque foi naquele livro imenso, em todos os sentidos, grosso, como contava o autor, que quase tive um piripaque ao engatar um dia e uma noite sem tirar os olhos do universo com cheiro deste país mágico e estropiado pela própria natureza. Depois disso só tive uma crise com o Chandler, o Raymond – mas isso é outra conversa. Não sei o que aconteceu agora. Acho que me falaram num sonho para ler o Catatau Ulisses de uma vez a fim de passar para outro patamar da minha existência que, fora disso, é tão medíocre quanto o da maioria dos conterrâneos. Deu no que deu: uma congestão na alma. Cadê a ambulância?