sexta-feira, 10 de abril de 2009

A INTENÇÃO E O ORGULHO


Se a cada gota salgada que cai sobre a toalha branca-amarelada de velha valesse uma imagem original para a peça que tento escrever, no fim desta madrugada de sexta-feira treze já teria uma obra de arte. Mas esse meu suor não vale nada e nem traz luz alguma. Tudo que coloco aqui não ultrapassa um amontoado de personagens já existentes em outras cabeças, e que pipocam em minha mente e descem aos meus dedos como falsas novidades. Então me dou conta, após algumas desesperadas releituras depois, que meu Artur é na verdade Raskólnikov* mal copiado, e que o Sr. Dimas não passa de um sofrível Julien Sorel*, nem vermelho nem negro. Apenas cinza. Então a decisão deve ser novamente tomada. Apagar tudo, dolorido, sepultando meus fracos personagens, mas ainda assim, queridos. Não posso negar que as horas que passo, parágrafo a parágrafo, tecendo uma rede social, construindo uma paisagem e, acima de todas estas coisas, imaginando os olhos e o olhar de cada um, me aproxima deles como um apaixonado. Uma relação secreta dentro da madrugada surge da superfície do monitor. Então estou dentro deste ambiente, procurando falhas nas paredes e pisos e janelas que criei para a casa deles, todos estão ainda dormindo. Acordam, tomam café, saem para viver cada qual sua própria vida, inventada por mim sem que eu esteja no controle, pois de um modo estranho eles mesmos parecem ter livre arbítrio e fazem suas próprias escolhas. Atentar conra isso, pontuando suas personalidades com caracteristicas estranhas a eles seria desonesto de minha parte, quase um crime cometido contra seres que não podem se defender. Em algum momento percebo que são fracos, que irão sofrer pela falta de personalidade, que se assemelham de forma superficial e rala a outros personagens de outros livros. De imediato imagino as críticas que vou ler em jornais, destruindo em poucas linhas aquilo que suei em escrever durante várias madrugadas. Prevejo as risadas escondidas em um jantar com amigos, os olhares cheios de condenações que sinto em minha nuca, os blogs de gente cretina que ganham para expor uma opinião, mesmo que seja igualmente cretina, produzindo comentários maldosos sobre a peça que viram na noite anterior. Tudo me gela a espinha. Então desvio o olhar para a toalha branca velha, que me sugere: aquilo tudo está empoeirado e óbvio demais. Quando retorno para a peça escrita, com toda a dor que um pai poderia sentir, decido apagar. Os personagens e suas casas e suas tramas, suas virtudes e suas falhas somem com um único apertar de botão. Só me resta então dormir, e talvez começar tudo de novo amanhã.

Holden Caulfield

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