segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A DOCE VIDA


La dolce vita, 1960, Riama Film, 174min.
Direção: Federico Fellini. Roteiro: Federico Fellini, Ennio Flaiano, Tullio Pinelli. Fotografia: Otello Martelli. Montagem: Leo Catozzo. Música: Nino Rota. Figurino e direção de arte: Piero Gherardi. Produção executiva: Franco Magli. Produção: Giuseppe Amato, Angelo Rizzoli. Elenco: Marcello Mastroianni, Anouk Aimée, Anita Ekberg, Yvonne Furneaux, Walter Santesso, Alain Cuny. Estreia: 03/02/60

4 indicações ao Oscar: Diretor (Federico Fellini), Roteiro Original, Figurino, Direção de Arte/Cenários
Vencedor do Oscar de Figurino
Vencedor da Palma de Ouro de Melhor Filme (Festival de Cannes)


Ninguém em sã consciência pode subestimar a importância de Federico Fellini para o cinema mundial e para o italiano em particular. Em uma carreira de cineasta que abarcou quarenta anos de filmes adorados pela crítica, pelo público e pela Academia de Hollywood, que lhe concedeu quatro Oscar de filme estrangeiro, Fellini deixou sua marca inconfundível, a ponto de tornar-se um adjetivo: quando se fala que determinada produção tem um estilo felliniano, todo mundo já sabe que assistirá um filme com extremo cuidado visual e uma linguagem própria, que beira o surreal e o poético.


Apesar de muitas de suas mais famosas obras seguirem o viés onírico de trabalhos como "Oito e meio" e, talvez o mais representativo de seus filmes seja justamente um dos mais calcados na realidade de seu país natal. "A doce vida", com seu olhar amargo e quase cruel sobre a sociedade italiana do final dos anos 50/início dos 60 é, até hoje um dos mais memoráveis retratos da geração fútil e perdida pós-guerra - e , nem é preciso ter doutorado em sociologia para reconhecer, em seus personagens, um reflexo chocante de um mundo que ainda hoje não se curou da ressaca que assolou a todos após o conflito.


Marcelo Rubini, o protagonista - que o produtor Dino de Laurentiss queria que fosse vivido por Paul Newman, antes que pulasse fora do projeto - é um jornalista de celebridades que passa seus dias circulando na alta roda de Roma, acompanhando socialites, artistas e parasitas em geral. Ao mesmo tempo desiludido com sua carreira e atraído pelo luxo e glamour que circunda seus "amigos", ele trata com apatia sua namorada (Yvonne Furneaux) - que tenta chamar sua atenção com constantes tentativas de suicídio - vive distante do pai e tem como amigo mais próximo o fotógrafo Paparazzo (personagem que deu origem ao termo hoje amplamente conhecido). Sedutor, ele não hesita em ir para a cama com qualquer mulher atraente que lhe cruze o caminho ou passar as noites em festas excêntricas. Cansado do vazio de sua existência, ele passa a questionar suas prioridades, mas sente-se incapaz de abandonar um estilo de vida que não mais lhe agrada.


Contado de forma episódica, tendo apenas a presença de Marcelo como elo de ligação entre os personagens, "A doce vida" desenha um caminho repleto de símbolos religiosos, orgias, discursos vazios e um tédio que acompanha o protagonista onde quer que ele vá. Fotografada com precisão cirúrgica por Otello Martelli, a jornada de Marcelo rumo ao entendimento de sua vida - ou ao abandono de seus ideais, forçado pela desilusão - chocou a Igreja católica, que viu na decadência ilustrada por Fellini uma afronta à sua ideologia, o que hoje pode soar um exagero consumado. Talvez, porém, os membros do clero tenham visto no Cristo que sobrevoa a cidade de Roma na primeira cena do filme algo mais do que simplesmente uma bela sequência visual.


Em sua primeira colaboração com Fellini - de quem tornou-se uma espécie de alter-ego em várias produções posteriores - Marcello Mastroianni demonstra compreensão absoluta de seu personagem. Sua expressão de cansaço e tédio prescinde de muitas palavras, entregando ao espectador uma atuação consagradora que o acompanhou até seus últimos dias. É difícil esquecer a cena mais famosa do filme, em que a bela Anita Ekberg se banha na Fontana di Trevi, observada pelo apaixonado Marcelo, em um dos momentos ícônicos do cinema europeu. Mas, antes de mais nada, é a tradução, em imagens, da ideia central de Fellini: a beleza, assim como o prazer, é essencial, mas efêmera e muitas vezes trivial.

domingo, 8 de dezembro de 2013

PHOTOSHOP






Fotos e Photoshop/Ricardo Silva

CABEÇA DE PEDRA


Água fria

Tomou banho de bacia, dentro do balde, no tanque, de caneca quando não cabia mais em lugar nenhum. Água fresca quase gelada tirada do poço furado no meio do quintal. Primeiro foi o pavor, depois o amor. Ficou este. Cresceu e viu chegar água encanada, chuveiro elétrico, depois banheira, água aquecida a gás, assim como o piso todo da casa que comprou por ter se dado bem na vida. Não esquecia, contudo, os primeiros banhos da infância naquela casa de fundos no subúrbio da cidade grande. Até que um dia viu, reluzente, uma bacia enorme pendurada na parte externa de uma armazém que insistia em resistir à modernidade dos supermercados. Parou o carrão, entrou, comprou e levou junto a caneca de alumínio. No banheiro todo marmorizado, encheu com água fria a bacia enorme e sentou bem devagar. Nem lembrava mais a sensação do contato da água gelada com a bunda. Sentou e ficou ali pensando na vida, no pai, na mãe que já tinham ido embora, eles que continuaram tomando banho frio até o fim da vida. Pegou a caneca, encheu e despejou a água no alto da cabeça. Era criança de novo, depois de fugir décadas e não ter encontrado a felicidade.