La dolce vita, 1960, Riama Film, 174min.
Direção: Federico Fellini. Roteiro: Federico Fellini, Ennio Flaiano, Tullio Pinelli. Fotografia: Otello Martelli. Montagem: Leo Catozzo. Música: Nino Rota. Figurino e direção de arte: Piero Gherardi. Produção executiva: Franco Magli. Produção: Giuseppe Amato, Angelo Rizzoli. Elenco: Marcello Mastroianni, Anouk Aimée, Anita Ekberg, Yvonne Furneaux, Walter Santesso, Alain Cuny. Estreia: 03/02/60
4 indicações ao Oscar: Diretor (Federico Fellini), Roteiro Original, Figurino, Direção de Arte/Cenários
Vencedor do Oscar de Figurino
Vencedor da Palma de Ouro de Melhor Filme (Festival de Cannes)
Ninguém em sã consciência pode subestimar a importância de Federico Fellini para o cinema mundial e para o italiano em particular. Em uma carreira de cineasta que abarcou quarenta anos de filmes adorados pela crítica, pelo público e pela Academia de Hollywood, que lhe concedeu quatro Oscar de filme estrangeiro, Fellini deixou sua marca inconfundível, a ponto de tornar-se um adjetivo: quando se fala que determinada produção tem um estilo felliniano, todo mundo já sabe que assistirá um filme com extremo cuidado visual e uma linguagem própria, que beira o surreal e o poético.
Apesar de muitas de suas mais famosas obras seguirem o viés onírico de trabalhos como "Oito e meio" e, talvez o mais representativo de seus filmes seja justamente um dos mais calcados na realidade de seu país natal. "A doce vida", com seu olhar amargo e quase cruel sobre a sociedade italiana do final dos anos 50/início dos 60 é, até hoje um dos mais memoráveis retratos da geração fútil e perdida pós-guerra - e , nem é preciso ter doutorado em sociologia para reconhecer, em seus personagens, um reflexo chocante de um mundo que ainda hoje não se curou da ressaca que assolou a todos após o conflito.
Marcelo Rubini, o protagonista - que o produtor Dino de Laurentiss queria que fosse vivido por Paul Newman, antes que pulasse fora do projeto - é um jornalista de celebridades que passa seus dias circulando na alta roda de Roma, acompanhando socialites, artistas e parasitas em geral. Ao mesmo tempo desiludido com sua carreira e atraído pelo luxo e glamour que circunda seus "amigos", ele trata com apatia sua namorada (Yvonne Furneaux) - que tenta chamar sua atenção com constantes tentativas de suicídio - vive distante do pai e tem como amigo mais próximo o fotógrafo Paparazzo (personagem que deu origem ao termo hoje amplamente conhecido). Sedutor, ele não hesita em ir para a cama com qualquer mulher atraente que lhe cruze o caminho ou passar as noites em festas excêntricas. Cansado do vazio de sua existência, ele passa a questionar suas prioridades, mas sente-se incapaz de abandonar um estilo de vida que não mais lhe agrada.
Contado de forma episódica, tendo apenas a presença de Marcelo como elo de ligação entre os personagens, "A doce vida" desenha um caminho repleto de símbolos religiosos, orgias, discursos vazios e um tédio que acompanha o protagonista onde quer que ele vá. Fotografada com precisão cirúrgica por Otello Martelli, a jornada de Marcelo rumo ao entendimento de sua vida - ou ao abandono de seus ideais, forçado pela desilusão - chocou a Igreja católica, que viu na decadência ilustrada por Fellini uma afronta à sua ideologia, o que hoje pode soar um exagero consumado. Talvez, porém, os membros do clero tenham visto no Cristo que sobrevoa a cidade de Roma na primeira cena do filme algo mais do que simplesmente uma bela sequência visual.
Em sua primeira colaboração com Fellini - de quem tornou-se uma espécie de alter-ego em várias produções posteriores - Marcello Mastroianni demonstra compreensão absoluta de seu personagem. Sua expressão de cansaço e tédio prescinde de muitas palavras, entregando ao espectador uma atuação consagradora que o acompanhou até seus últimos dias. É difícil esquecer a cena mais famosa do filme, em que a bela Anita Ekberg se banha na Fontana di Trevi, observada pelo apaixonado Marcelo, em um dos momentos ícônicos do cinema europeu. Mas, antes de mais nada, é a tradução, em imagens, da ideia central de Fellini: a beleza, assim como o prazer, é essencial, mas efêmera e muitas vezes trivial.
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