Um beco sem saída Encontro e despedida O ar e a exaustão O frio de um verão A esmola da ingratidão O sabor de um grão A viagem sem combustível A traição de um amigo O sorriso de um bandido O apego e o compromisso A vida e a ferida A veia e a teia O regozijo e o sacrifício O medo e o contratempo O nada do vazio O tudo e o impossível O velho e a saúde O novo e o ataúde O simples e o invisível O mito e o indizível O singelo e o corrigível A matemática e o indivisível O saber e a lógica A prova e a retórica O fim e o início O amargor e o suplicio A causa e o defeito A metade e o começo O cego e a paisagem O problema e a sabotagem Coesões e paradoxos Palavras e ortodoxos Contrários e convexos Sem fins e sem nexos.
Tem gente que conhece Ednardo apenas como o cantor de “Pavão Mysteriozo” (se escreve assim mesmo, com “y” e “z”). Para os mais antigos, essa música fez parte da trilha sonora da novela “Saramandaia”, da Rede Globo, em 1976.
Na verdade, o “Romance do Pavão Mysteriozo”, foi o disco gravado por Ednardo em 1974, e é a obra prima do cantor. O título do LP foi inspirado num Clássico do Cordel, talvez o maior clássico de todos os tempos, escrito por José Camelo de Melo Rezende no final dos anos 20. Mas o disco é muito mais do que uma referência ao famoso cordel.
Embora o trabalho tenha várias referências de sua terra natal, o Ceará (Como nas faixas “Carneiro” e “Aguagrande”), o disco tem um som universal e uma qualidade impressionante em todas as faixas. Pessoalmente, além de destacar a faixa título, o Disco possui grandes pérolas. Destaco, inicialmente, “Avião de Papel”, que retrata o diálogo de um pai que se despede de um filho que vai para a cidade, “Varal”, que é uma música visual (Como visual é “Alegria, Alegria”, de Caetano Velloso, só que “Varal” é melancólica, bela e melancólica).
Ednardo, no mesmo disco, canta um inspirado e cinematográfico bolero, em “Dorothy Lamour” (Petrúcio Maia/Fausto Nilo) , faz um belo frevo “Mais um frevinho danado” e canta uma versão (para mim a mais bonita), de “A palo seco”, de seu contemporâneo cearense Belchior. Tem também, a nostálgica “Ausência”. E, engraçado, como “Varal” me fez lembrar de “Alegria, Alegria”, a música “Alazão” me fez lembrar “Disparada”, de Geraldo Vandré.
No sítio virtual de Ednardo (www.ednardo.art.br), ele traz um depoimento do Cantor sobre o disco e o momento da carreira, numa reportagem à Revista Amiga - TV - Tudo, de 23 de Outubro de 1974 (Reportagem de Pedro Porfírio)
"Hoje a música é universal, e quem vive numa grande capital, como eu, acaba recebendo todo tipo de influência. Além disso, estou sempre procurando informações novas e, embora conserve as raízes, creio que tenho muito mais a ver com o espírito de liberdade e o romantismo da lenda do cordel do pavão. E o espírito de liberdade é uma coisa que envolve todos nós".
Talvez, com exceção de “Carneiro”, o disco tenha características líricas e melancólicas, muito visuais e com uma poética única. É nostálgico, e, ao mesmo tempo que demonstra que se trata de um cantor cearense, que mostra suas raízes, tem um universalismo e uma atualidade que encanta, mais de 35 anos depois....
*O disco Ednardo - O Romance do Pavão Mysteriozo, gravado originalmente em 1974 pela RCA, é relançado em CD em março de 2010 pela Sony Music.
MÚSICAS Carneiro - Ednardo e Augusto Pontes Avião de Papel - Ednardo Mais um Frevinho Danado - Ednardo Ausência - Ednardo Varal - Ednardo e Tânia Cabral Dorothy L'Amour - Petrúcio Maia e Fausto Nilo Desembarque - Ednardo Trem do Interior - Ednardo e Fausto Nilo Alazão (Clarões) - Ednardo e Brandão A Palo Seco - Belchior Águagrande - Ednardo e Augusto Pontes Pavão Mysteriozo - Ednardo
FICHA TÉCNICA Supervisão Geral - Osmar Zandomenigui Coordenação Geral - Antonio de Lima Coordenação Artística e Direção de Estúdio - Walter Silva Técnicos de Som - Stelio Carlini / G. João Kibelkstis (Joãozinho) / Edgardo Alberto Rapetti Técnicos de Mixagem - Walter Lima / Edgardo Alberto Rapetti Fotos - Gerardo Barbosa Filho Direção de Arte das Capas - Tebaldo Desenhos - Ednardo Gravação e Mixagem - Estúdio A da RCA em São Paulo - 16 Canais
MÚSICOS Arranjos e Regências - Hareton Salvanini / Heraldo do Monte / Isidoro Longano Sobre idéias de arranjos musicais de Ednardo Violão e Percussões - Ednardo Viola e Guitarra - Heraldo do Monte Flauta e Sax Tenor - Isidoro Longano (Bolão) Banjo - Luiz de Andrade Contra Baixo (Acústico e Elétrico) - Gabriel J. Bahlis Bateria - Antonio de Almeida (Toniquinho) Tímpanos - Ernesto de Lucca Tumbadoras - Rubens de S. Soares Percussões - José Eduardo P. Nazário / Jorge H. Silva / Dirceu S. de Medeiros (Xuxu) Piano Cravo (elétrico) - José Hareton Salvanini Flauta / Pícolo - Demétrio S. de Lima Flauta / Sax Alto - Eduardo Pecci Clarinete - Franco Paioletti Oboé - Benito S. Sanchez Baixo Tuba - Drausio Chagas Pistons - Sebastião J. Gilberto (Botina) / Settimo Paioletti Trombones -Roberto J. Galhardo / Antônio Secato Violoncelos - Ezio Dal Pino / Flabio Antonio Russo Violinos - Jorge G. Izquierdo / Oswaldo J. Sbarro / Caetano D. Finelli / Dorisa Soares Antonio F. Ferrer / German Wajnrot / Alfredo P. Lataro / Joel Tavares Participação Especial - Amelinha no Vocal da faixa "Ausência" FONTES:http://musicaemprosa.musicblog.com.br/243612/Ednardo-O-Romance-do-Pavao-Mysteriozo/ http://zecazines.blogspot.com.br/2010/03/disco-ednardo-o-romance-do-pavao.html
Voar é com os pássaros é um filme curiosamente paradoxal: se é um dos exemplares mais evidentes do quanto o cinema de Robert Altman se deixou contagiar pelo clima de inovação narrativa próprio dos anos 70, com uma movimentação visual tomada pela vontade de voar que sua trama tematiza, este longa-metragem é também um diagnóstico severo sobre os limites dessa liberdade. Severo e bastante claro, a ponto de o filme intitulado originalmente com o nome de seu protagonista, Brewster McCloud, ter ganhado essa versão que explicita o tom de desilusão de seu enredo: Voar é com os pássaros. Aqui a ambição é livre, mas a quem está fora da sociedade e não dialoga com seus pares não resta caminho senão falhar. Ciente de ser uma versão hollywoodiana da lenda de Ícaro, Voar é com os pássaros é uma fábula que termina com autoconsciente amargura: no final das contas, nada resta senão seguir adiante com o espetáculo. Mas, ao mesmo tempo, esta fábula não constrói sua perspectiva a partir do ponto de vista conservador: ao contrário, Brewster McCloud, o filme, filia-se a seu protagonista, que por sua vez filia seu destino ao dos pássaros - a sempre pretender fazer mais do que pode. O filme sustenta esse sentimento presente na trama. No primeiro momento do filme, o caminho de Brewster começa a se definir a partir da crise da situação estável inicial, quando Brewster mata seu patrão ricaço e sovina com a ajuda dos pássaros. Como numa variação do clássico Os Pássaros de Hitchcock, Brewster alia-se aos pássaros na sua revolta contra a civilização - e o faz a partir do momento em que se transforma em assassino; ou seja, para Brewster McCloud a possibilidade de voar é uma redenção para a morte. Ele mata sucessivamente para viver e quer voar para se sentir livre de uma sociedade que se apresenta como agressiva, autoritária e caótica, e é então que o envolvimento do desejo põe em jogo a sua vida. Este desejo de Brewster pela jovem Suzanne é definitivamente negativo para seus planos porque ele torna clara a sua distância dos pássaros: Brewster não é um deles, ele é apenas um rapaz esforçado. Assim, aquele rapaz que se sentiu do lado de fora de uma sociedade autoritária tem seu instante de vôo restrito ao espaço do circo; o sonho já nasce condenado a não poder escapar dos limites da tenda. Fábula pessimista, o filme se fecha como espetáculo circense, indicando que o sonho de alçar vôo pode ser destruído pela morte, mas o show não pára. Se as tecnologias modernas como o cinema e a aviação trouxeram ao homem a possibilidade de voar, somente a sua própria ambição poderá fazê-lo ultrapassar os limites que sua condição inicial impõe. Brewster McCloud, o filme, realiza uma metáfora desse engajamento pela superação como que para evidenciar que somente dando asas e espaços a uma nova força poética que a criação poderá livrar-se do seu aspecto de circo fugaz. É preciso, para o filme, acreditar vitalmente na capacidade de ser como os próprios pássaros, de ter músculos para voar. Que o poema se finda em morte já é certo, mas isso não nega a aventura de romper os limites por alguns instantes. É uma ambição notável que o filme não abre mão de cumprir com inventividade até seu fim.
*Texto publicado originalmente no catálogo da mostra As Muitas Vidas de Robert Altman, que se realizou em maio e junho de 2008 nos CCBBs de Rio de Janeiro, SP e Brasília.
Na cidade do sul do litoral baiano eu vi meu pai que não era meu pai. Há três dias que estava encostado naquela barraca que tinha um arco-iris desenhado e bebia feito uma criança nas grandes tetas maternas. Vodca. O mar era tão transparente que deu até vontade de cuspir nele para sujar um pouco tanta beleza. E havia cores fortes, uma luz de ferir os olhos. Foi quando meu pai que não era meu pai apareceu de repente e passou a uma distância de uns cinco metros. Descobri que era meu pai que não era meu pai porque nossos olhares se cruzaram e não desgrudaram. Quem desgrudou foi o tempo, que parou e nada mais existia fora daquele instante. Meu pai que não era meu pai tinha os olhos cristalinos feito bola de gude. Azuis bem claros, como meu pai que é meu pai. Meu coração disse que aquele era meu pai, mesmo eu vendo que não era meu pai. Então houve um sorriso da parte dele e aí todo o corpo se transformou e, agora sim, era meu pai em carne, osso e alma. Eu pedi a benção. Ele deu e disse fique com Deus. E quando terminou a frase voltou a ser meu pai que não era meu pai e foi embora. Eu bebi mais e dormi ali mesmo, ao lado do arco-iris. Quando acordei tive a certeza de que não morreria tão cedo. Meu pai que era meu pai morreu um tempo depois, mas demorou um pouco, e foi muito longe dali.
AMARGO PESADELO (Deliverance, 1972, Warner Bros, 110min) Direção: John Boorman. Roteiro: James Dickey, baseado em seu romance homônimo. Fotografia: Vilmos Zsigmond. Montagem: Tom Priestly. Casting: Lynn Stalmaster. Produção: John Boorman. Elenco: Burt Reynolds, Jon Voight, Ned Beatty, Ronny Cox, Bill McKinney, Herbert "Cowboy" Coward. Estreia: 30/7/72
3 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (John Boorman), Montagem
Existe uma corrente de pensamento que afirma que a natureza, quando desafiada, é capaz de punições devastadoras. Exemplos de terremotos, maremotos e afins não faltam para, de certa forma, confirmar a teoria. No entanto, o castigo da natureza pode vir de forma menos escandalosa, como mostra "Amargo pesadelo", adaptação do romance de James Dickey que chegou aos cinemas em 1972 dirigido pelo inglês John Boorman. Ao confrontar quatro homens urbanos e auto-suficientes com um caudaloso rio repleto de corredeiras, uma mata pouco amistosa e montanheses sádicos, Dickey e Boorman criaram um dos filmes mais ousados do início da década de 70, repleto de uma violência física e psicológica quase impensável mesmo para os dias de hoje, com a plateia já anestesiada com a dieta sanguinária dos filmes de ação pós-Schwarzenegger. Mais do que simplesmente um filme violento, "Amargo pesadelo" é assustadoramente real e é isso que o torna tão especial a ponto de receber indicações ao Oscar de Melhor Filme e Diretor (para seu azar, justamente no mesmo ano de "O poderoso chefão" e "Cabaret"). Talvez o maior mérito do roteiro de "Amargo..." seja ter conseguido criar personagens verossímeis envolvidos em uma trama quase surreal: quatro amigos da cidade grande resolvem tirar um fim-de-semana longe das famílias e do agito da metrópole para contemplar a natureza. Seu objetivo, na verdade, é desafiar as violentas corredeiras de um rio que está em vias de ser transformado em lago devido à construção de uma represa. Liderados por Lewis (Burt Reynolds em papel recusado por Charlton Heston e Henry Fonda), eles desejam usufruir da bucólica paisagem antes de voltar às suas corridas rotinas. As coisas começam a sair do normal quando dois integrantes do grupo, Ed (Jon Voight) e Bobby (Ned Beatty) são atacados por dois truculentos montanheses. Amarrado em uma árvore, Ed presencia Bobby sendo estuprado por um dos criminosos, mas escapa de ser também abusado quando Lewis mata um dos agressores com uma flechada. É o início de uma angustiante jornada em direção ao desespero. Depois que a tragédia começa, a natureza, que antes servia como paisagem e um perfeito exemplo de tranquilidade e paz, transforma-se, também ela, em uma vilã. Presos em um lugar que não conhecem, os amigos precisam decidir como agir com o cadáver de um homem em suas mãos e a ameaça de outro a suas costas. Dissonante do resto do grupo, que prefere esconder o corpo da vítima de Lewis, o último viajante, Drew (Ronny Cox) entra em conflito com eles, complicando ainda mais as coisas. John Boorman não poupa ninguém em seu filme mais famoso e que quase lhe deu um Oscar. Apesar de ter pego mais leve do que no livro, ele explicita cenas que são chocantes e desagradáveis sem ter medo de afastar seu público. Quando, no terço final do filme, o desajeitado Ed assume a liderança da travessia, Boorman leva a plateia junto em sua desesperada luta pela sobrevivência e sanidade física, e para isso, conta com um elenco exemplar. Apesar de Lee Marvin e Marlon Brando terem sido cotados para os papéis centrais, Burt Reynolds e Jon Voight apropriam-se das personagens com desenvoltura e inteligência. Logo em seguida Reynolds transformaria-se em êxito de bilheteria com filmes mais leves de aventura, enquanto Voight seguiria firme rumo à credibilidade artística que culminaria com um Oscar seis anos depois, por "Amargo regresso". Lembrado por sua famosa cena onde Drew participa de um duelo de banjos com um caipira com problemas mentais, "Amargo pesadelo" tem um título nacional bastante apropriado. Se Kafka fosse escrever um romance passado junto à natureza, certamente seria como este.
A nudez é a mais bela expressão de uma alma sem correntes
Ela, muda, fala e cala tudo O corpo cru não reivindica a sua natureza O corpo nu revela a mais elevada beleza Nu e cru são antônimos em um corpo Um tem que ser lapidado O outro deve ser contemplado O que se vê apenas se revela ao que olha Ser nu ou cru é mais uma questão de ponto de vista Do que de cobiça.