Brewster McCloud (1970)
No primeiro momento do filme, o caminho de Brewster começa a se definir a partir da crise da situação estável inicial, quando Brewster mata seu patrão ricaço e sovina com a ajuda dos pássaros. Como numa variação do clássico Os Pássaros de Hitchcock, Brewster alia-se aos pássaros na sua revolta contra a civilização - e o faz a partir do momento em que se transforma em assassino; ou seja, para Brewster McCloud a possibilidade de voar é uma redenção para a morte. Ele mata sucessivamente para viver e quer voar para se sentir livre de uma sociedade que se apresenta como agressiva, autoritária e caótica, e é então que o envolvimento do desejo põe em jogo a sua vida. Este desejo de Brewster pela jovem Suzanne é definitivamente negativo para seus planos porque ele torna clara a sua distância dos pássaros: Brewster não é um deles, ele é apenas um rapaz esforçado. Assim, aquele rapaz que se sentiu do lado de fora de uma sociedade autoritária tem seu instante de vôo restrito ao espaço do circo; o sonho já nasce condenado a não poder escapar dos limites da tenda. Fábula pessimista, o filme se fecha como espetáculo circense, indicando que o sonho de alçar vôo pode ser destruído pela morte, mas o show não pára.
Se as tecnologias modernas como o cinema e a aviação trouxeram ao homem a possibilidade de voar, somente a sua própria ambição poderá fazê-lo ultrapassar os limites que sua condição inicial impõe. Brewster McCloud, o filme, realiza uma metáfora desse engajamento pela superação como que para evidenciar que somente dando asas e espaços a uma nova força poética que a criação poderá livrar-se do seu aspecto de circo fugaz. É preciso, para o filme, acreditar vitalmente na capacidade de ser como os próprios pássaros, de ter músculos para voar. Que o poema se finda em morte já é certo, mas isso não nega a aventura de romper os limites por alguns instantes. É uma ambição notável que o filme não abre mão de cumprir com inventividade até seu fim.
*Texto publicado originalmente no catálogo da mostra As Muitas Vidas de Robert Altman, que se realizou em maio e junho de 2008 nos CCBBs de Rio de Janeiro, SP e Brasília.
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