quarta-feira, 30 de novembro de 2016

FERNANDO PESSOA


" Cada qual tem o seu álcool. Tenho álcool bastante em existir. Bêbado de me sentir, vagueio e ando certo. Se são horas, recolho ao escritório como qualquer outro. Se não são horas, vou até ao rio fitar o rio, como qualquer outro. Sou igual. E por trás disso, céu meu, constelo-me às escondidas e tenho o meu infinito."

THE JIMI HENDRIX EXPERIENCE

Jimi Hendrix Experience at The Lulu Show


sábado, 26 de novembro de 2016

FOTOGRAFANDO

Em Alagoas






Fotografias de Ricardo Silva

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

DISCOTECA BÁSICA

Dave Brubeck Quartet
Time Out (1959)


Por  Ricardo Seelig / Collector´s Room


Além de ser um dos álbuns mais populares da história do jazz, Time Out é também um trabalho fundamental para o estilo. Gravado pelo pianista Dave Brubeck ao lado dos excepcionais Paul Desmond e Joe Morello, o quarteto era completado pelo seguro Eugene Wright no baixo.

O trabalho tem sete faixas, sendo que duas delas são peças fundamentais para o desenvolvimento do cool jazz. "Blue Rondo A La Turk" contém um arranjo matemático, com Brubeck desenvolvendo variações dentro do arranjo. O estilo de Dave, que toca o seu piano de uma forma quase percussiva, funciona como o coração da canção, criando uma base sólida para os demais integrantes alçarem vôos sem limites.


Paul Desmond, instrumentista brilhante e criativo, é, ao lado de Brubeck, o personagem principal de Time Out. A liberdade e a sensibilidade que saem de cada nota de seu sax são tão grandes que, mesmo ouvindo o álbum inúmeras vezes, a cada nova audição somos surpreendidos por novas sensações.

O brilho de Desmond fica escancarado em "Take Five", composição de sua autoria e uma das mais conhecidas do jazz. Brilhante e única, "Take Five" por si só justificaria a inclusão de Time Out entre os grandes álbuns do século XX. Uma faixa perfeita, com solos antológicos de Paul Desmond e Joe Morello.

O piano de Dave Brubeck, preciso e repleto de malícia e feeling em diversos momentos do álbum, conduz Time Out ao posto de álbum funcamental da história da música. Além disso, o disco tem a rara qualidade de ser um trabalho que cativa e agrada até o ouvinte não habituado ao estilo que contém, e, por essa razão, é indicado por muitos como porta de entrada para o jazz.

Clássico e fundamental.



FERNANDO PESSOA


"A vida, para mim, é uma sonolência que não chega ao cérebro. Esse conservo eu livre para que nele possa ser triste."


quinta-feira, 24 de novembro de 2016

sábado, 19 de novembro de 2016

ZÉ DA SILVA

MEDO E PAVOR

Caubói. Dose tripla do “Velho Jack”. O balcão, pra mim, parecia mais uma obra de Dali. Era o quinto bar que passava. Não lembrava quais os outros e nem o que tinha bebido. Há muito tempo estava com este pequeno problema que chamam de “apagamento”. O meu era no ato, não daqueles que, no dia seguinte, ressaca fenomenal, a gente tenta lembrar como conseguiu chegar em casa – e blicas. Não sei se paguei. Saí. Meu carro? Eu tinha carro? Fui andando encostado às paredes para não desabar. Sem prumo. Sem Rumo. Caí porque uma parede acabou. Olhei do chão. Era um beco. Tão escuro como minha vida. Levantei. O porre federal pareceu ter ido embora. Algo me incentivava a ir em frente. Senti medo. Foi aí que vi, ou achei que vi. Eram cabeças apenas. Alguma luz iluminava-as de forma tênue. Delirium? Não, estava sóbrio naquela hora, tanto que senti o xixi quente escorrendo perna abaixo. Os olhos que me fitavam eram cor de sangue. Bocarras escancaradas mostravam dentes podres. Não parei de andar. Achei que meu fim chegara dessa forma. No beco escuro. Então, uma luz forte iluminou meu rosto. Tive uma cegueira momentânea. Por isso gritei. Não sei o quê. A luz apagou e eu vi, juro!, eu vi todas aquelas cabeças se virando e sumindo em alta velocidade. Eles sentiram pavor. Eu fui o motivo.



sexta-feira, 18 de novembro de 2016

MORTE EM VENEZA


Morte a Venezia, 1971, Alfa Cinematografica, 130min.
Direção: Luchino Visconti. Roteiro: Luchino Visconti, Nicola Baudalucco, romance de Thomas Mann. Fotografia: Pasquale Di Santis. Montagem: Ruggero Mastroianni. Figurino: Piero Tosi. Direção de arte/cenários: Ferdinando Scarfiotti. Produção executiva: Mario Gallo. Produção: Luchino Visconti. Elenco: Dirk Bogarde, Bjorn Andresen, Silvana Mangano, Marisa Berenson, Romolo Valli. 
Estreia: 01/03/1971

*Indicado ao Oscar de Figurino


A sequência inicial, ao som de Gustav Mahler, já dá o tom melancólico do que virá pela frente. "Morte em Veneza", adaptação do clássico romance de Thomas Mann, encontrou em Luchino Visconti o diretor ideal. Esteta por natureza e provavelmente o cineasta europeu que melhor soube retratar a decadência da aristocracia - sempre de forma sutil e elegante - o autor de obras-primas como "O leopardo" e "Rocco e seus irmãos" (quando ainda flertava com o neorrealismo italiano) fez da história criada por Mann um estudo visual e sensorial sobre a beleza, a arte e a juventude que, se requer do espectador uma paciência rara nos dias que seguem, oferece em troca um espetáculo de sensibilidade e delicadeza.

Provavelmente a maior e mais significativa alteração do filme em relação ao livro é a mudança da profissão de seu protagonista, Gustav von Aschenbach, de escritor para compositor, o que de certa forma traduz com mais consistência sua busca pelo esteticamente perfeito, pela arte suprema, pela beleza primal. Ao passar um período de férias em Veneza - depois da trágica morte da filha, da falência de seu relacionamento e da incompreensão em relação à sua última obra - Aschenbach encontra em Tadzio (Bjorn Andresen) a encarnação absoluta de tudo em que acredita: o adolescente, que está na cidade acompanhado da numerosa família, representa para o compositor, com seus traços andróginos e placidez serena, todo o frescor da juventude que ele vê aos poucos esvaindo de si mesmo. Obcecado pelo rapaz, a quem persegue de longe, ele mal se dá conta de uma epidemia de cólera que vai tomando conta da cidade onde está hospedado.

Contando sua intimista história com um mínimo de diálogos - quase todos em flashbacks que mostram ao público os caminhos que levaram o protagonista à sua situação de desilusão pela vida - Visconti prefere, acertadamente, deixar que suas poderosas imagens falem mais do que as palavras. Ao som da belíssima trilha sonora que faz uso exemplar de Mahler, Aschenbach desfila sua pungente tristeza pelas ruas fotografadas com perfeição pelo mestre Pasquali De Santis, perseguindo não apenas Tadzio, mas o ideal de pureza que ele transmite. Atraído cada vez mais pelo jovem - que simultaneamente o encoraja com olhares dúbios e o afasta com sua frieza - o músico acaba deixando-se levar pela obsessão, mesmo vendo sua saúde debilitar-se a cada dia.

"Morte em Veneza" pode ser compreendido de várias maneiras, e provavelmente todas elas estarão corretas - o que certamente eleva um produto à categoria de arte. Tanto pode ser visto como a história de um artista frente à frente com a beleza extrema - e sua incapacidade de lidar com maturidade diante dela - quanto como a obsessão de um homem mais velho por um adolescente - o que é mais polêmico, mais desconcertante e impactante, principalmente porque tanto Mann quanto Visconti tratam seu protagonista com respeito e sinceridade. Retratar Aschenbach no cinema politicamente correto de hoje seria detonar uma bomba de consequências imprevisíveis - o que não deixa de deixar a todos curiosos com a possibilidade de um remake sob as mãos de Peter Greenaway. O desejo de Aschenbach por Tadzio tem diversas camadas, tanto sexuais quanto estéticas, tanto amorosas quanto ideológicas e é justamente essa complexidade de seu tratamento que o faz, ainda nesses tempos cínicos, uma obra provocadora e instigante.

Interpretado com coragem por Dick Borgarde, Gustav von Aschenbach encontra no filme de Visconti uma encarnação excepcional. Com seu olhar tímido e seus modos acanhados, que vão transformando-se aos poucos em coragem e enlevo absoluto, Bogarde exprime, quase sem falar, uma infinidade de sentimentos. A metamorfose de seu personagem - que vai do quase recluso e discreto hóspede a um pouco sutil e apaixonado homem de meia-idade mergulhado na obsessão - é tratado com delicadeza e as lentes de Visconti apenas acompanham a transformação, assim como ele acompanha Tadzio pelas ruas de Veneza em longas sequências de beleza ímpar. E, se para o público atual a beleza quase feminina de Tadzio não justifica tanta paixão por parte de Aschenbach, é inegável que a beleza do filme mantém-se inacta mesmo depois de quatro décadas.

"Morte em Veneza" é cinema-arte. É um ensaio sobre a beleza, sobre a juventude, sobre a obsessão, sobre a velhice, sobre o amor. Mas é, sobretudo, uma obra-prima inquestionável.


domingo, 13 de novembro de 2016

DAFT PUNK

Technologic


FERNANDO PESSOA


O cego e a guitarra

O ruído vário da rua
Passa alto por mim que sigo.
Vejo: cada coisa é sua
Oiço: cada som é consigo.

Sou como a praia a que invade
Um mar que torna a descer.
Ah, nisto tudo a verdade
É só eu ter que morrer.

Depois de eu cessar, o ruído.
Não, não ajusto nada
Ao meu conceito perdido
Como uma flor na estrada.

Cheguei à janela
Porque ouvi cantar.
É um cego e a guitarra
Que estão a chorar.

Ambos fazem pena,
São uma coisa só
Que anda pelo mundo
A fazer ter dó.

Eu também sou um cego
Cantando na estrada,
A estrada é maior
E não peço nada.


SOLDA

CÁUSTICO
SOLDA CÁUSTICOhttp://cartunistasolda.com.br/

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

DANÇA MORTAL


A morte me chamou pra dançar. 
Não era valsa, salsa ou mambo
Era uma melodia divina
Nunca dantes ouvida.
Dancei!

LEONARD COHEN

Cantor e compositor Leonard Cohen morre aos 82 anos



Um dos mais influentes artistas do século 20, o canadense Leonard Cohen morreu na quinta-feira (10), aos 82 anos.

A informação foi confirmada por sua gravadora em uma publicação em sua página no Facebook. “É com profundo pesar que informamos que o legendário poeta, compositor e artista Leonard Cohen morreu. Perdemos um dos mais prolíficos e visionários músicos”, afirma a nota.

O comunicado ainda diz que um funeral deve acontecer em Los Angeles “nos próximos dias”: “A família pede privacidade em seu luto”.

A causa da morte de Cohen não foi divulgada. Sabia-se, porém, que sua saúde estava debilitada. Em outubro, lançou seu último álbum, “You Want it Darker”, espécie de carta de despedida do artista.

Conhecido por suas canções melancólicas em letras poéticas, que o colocam em um mesmo patamar que Bob Dylan e Joni Mitchell, o canadense foi mais fundo em sua última obra. Algumas faixas falavam claramente na morte: “Estou pronto, meu Senhor”.

Cohen nasceu numa família de classe média judaica –mais velho, se tornaria budista. Ainda jovem, começou a estudar música e poesia. Em 1956, publicou seu primeiro livro: “Let Us Compare Mythologies”, pioneiro entre os 13 livros de poesia que publicaria.

Na música, suas composições ficaram conhecidas, por vezes, na voz de outros intérpretes. Ele entrou na indústria fonográfica em 1967, quando Judy Collins gravou “Suzanne” e transformou sua canção em um sucesso.

Mesmo o hino “Hallelujah”, que escreveu nos anos 1980 e foi gravado mais de duzentas vezes, é mais lembrado na versão de Jeff Buckley, que a gravou em 1994.

Seu timbre –uma voz tenebrosa, quase sussurrada– embalou ao longo de toda a carreira canções sobre amor, espiritualidade, sexo, guerras e depressão.

O sucesso com a própria voz, porém, não veio em sua juventude na década de 1960, caso de outros artistas de sua geração, mas quando ele já passava dos 70 anos.

DESPEDIDA

Em outubro, Cohen falou com clareza sobre a morte em entrevista à revista americana “The New Yorker”. Disse que estava pronto para morrer. “Espero que não seja tão desconfortável. Para mim, é sobre isso que se trata.”

À publicação o músico, que se disse uma pessoa obcecada com organização, falou sobre os vários poemas e composições inacabadas e inéditos que gostaria de concluir, mas não se mostrava muito esperançoso, indicando a morte como o grande desafio para a conclusão de seus projetos.

“Não acho que conseguirei acabar essas músicas. Talvez, quem sabe? Talvez eu tenha uma segunda chance, não sei, não me atrevo a me atrelar a uma estratégia espiritual. Tenho trabalho a fazer. Estou pronto para morrer.”

Na entrevista, Cohen celebrou estar menos distraído do que em outros momentos de sua vida, quando tinha preocupações como o sustento, a vida conjugal e os deveres paternos, o que em consequência permitia que ele se concentrasse mais no seu trabalho.

Entre as diversas honrarias que recebeu, estão um Grammy honorário em 2010, por sua trajetória, e a menção no Rock and Roll Hall of Fame, em 2008.

Cohen deixa dois filhos, Lorca e Adam Cohen, do casamento com Suzanne Elrod.



Folha de São Paulo



SOLDA CÁUSTICO: http://cartunistasolda.com.br/

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

FOTOGRAFANDO

DE TUDO UM POUCO






Fotografias de Ricardo Silva

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

GRACILIANO RAMOS

(Trecho final de São Bernardo)


A agitação diminui. 
- Estraguei a minha vida estupidamente. 
Penso em Madalena com insistência. Se fosse possível recomeçarmos ... Para que enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu. 
Não consigo modificar-me, é ò que me aflige. 
A molecoreba de Mestre Caetano arrasta-se por aí, lambuzada, faminta. A Rosa, com a barriga quebrada de tanto parir, trabalha em casa, trabalha no campo e trabalha na cama. O marido é cada vez mais molambo. E os moradores que me restam são uns cambembes como ele. 
Para ser franco, declaro que esses infelizes não me inspiram simpatia. Lastimo a situação em que se acham, reconheço ter contribuído para isso, mas não vou além. 
Estamos tão separados! A princípio estávamos juntos, mas esta desgraçada profissão nos distanciou. Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. Os sentimentos e os propósitos esbarraram com a minha brutalidade e o meu egoísmo. 
Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão ruins. 
E a desconfiança terrível que me aponta inimigos em toda a parte! 
A desconfiança é também consequência da profissão. 
Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes.
Se Madalena me via assim, com certeza me achava extraordinariamente feio.

Fecho os olhos, agito a cabeça para repelir a visão que me exibe essas deformidades monstruosas. 
A vela está quase a extinguir-se. Julgo que delirei e sonhei com cheios e uma figura de lobisomem. Lá fora há uma treva dos diabos, um grande silêncio. 
Entretanto o luar entra por uma janela fechada e o nordeste furioso espalha folhas secas no chão. 
É horrível! Se aparecesse alguém ... Estão todos dormindo. Se ao menos a criança chorasse ... 
Nem sequer tenho amizade a meu filho. Que miséria! Casimiro Lopes está dormindo. 
Marciano está dormindo. Patifes! E eu vou ficar aqui, às escuras, até não sei que hora, até que, morto de fadiga, encoste a cabeça à mesa e descanse uns minutos.

O CORCUNDA DE NOTRE DAME


The hunchback of Notre Dame, 1939
RKO Radio Pictures, 117min.
Direção: William Dieterle. Roteiro: Sonya Levien, adaptação de Bruno Frank, romance de Victor Hugo. Fotografia: Joseph H. August. Montagem: William Hamilton, Robert Wise. Música: Alfred Newman. Figurino: Walter Plunkett. Direção de arte/cenários: Van Nest Polglase/Darrell Silvera. Produção: Pandro S. Berman. Elenco: Charles Laughton, Maureen O'Hara, Cedric Hardwicke, Thomas Mitchell, Edmond O'Brien, Alan Marshal. Estreia: 29/12/39
2 indicações ao Oscar: Trilha Sonora Original e Som.


Em 1831, quando o escritor francês Victor Hugo lançou aquele que se tornaria mais uma de suas obras-primas, "O corcunda de Notre Dame", seu livro lidava, entre outras coisas tais como intolerância e a hipocrisia religiosa. Quando Hollywood resolveu transpor sua história para as telas pela primeira vez, em 1923, ainda na época do cinema mudo e com Lon Chaney no papel principal, sua trama central já estava, graças aos severos códigos de censura que ditavam os rumos das produções, bem menos desafiadora e crítica. Algumas alterações na história central suavizaram o tom iconoclasta do romancista e o filme estreou sem maiores problemas. Por isso, não é de surpreender que a mais bem considerada versão do livro para o cinema, lançada no final de 1939, siga as mesmas diretrizes pouco ofensivas à moral e aos bons costumes do público que assistia, à mesma época, filmes como "... E o vento levou". Realizado sob os olhares rígidos do Código Hays, "O corcunda de Notre Dame", de William Dieterle, aceita as modificações de seu antecessor, mas não deixa de ser um espetáculo de primeira grandeza, comandado por uma atuação impecável do britânico Charles Laughton.

Um dos filmes mais caros produzidos até então pela RKO - sob um custo estimado de 1,8 milhão de dólares - e precedido por uma campanha de marketing agressiva e que escondia da plateia um de seus maiores trunfos (a pesada maquiagem que levava duas horas e meia por dia para ser aplicada em Laughton), "O corcunda de Notre Dame" tinha como principal meta suplantar na memória do público a versão realizada doze anos antes. Da estreia do filme com Chaney até 1939, diversas outras versões da mesma história chegaram perto de se tornarem realidade - em especial uma produção da Universal, em 1932, dirigida por John Huston e estrelada por Boris Karloff como parte de sua série de monstros; e uma outra, em 1937, na MGM, que teria Peter Lorre no papel-título. Para sorte do produtor Irving Thalberg, no entanto, nenhum dos projetos passou da fase de especulações, e o que parecia apenas um sonho em 1934 (quando ele apresentou a ideia ao ator inglês), finalmente tornou-se realidade. Deixando para trás nomes como Bela Lugosi, Claude Rains, Lon Chaneu Jr. e até mesmo Orson Welles - todos considerados para a hipótese de o Setor de Imigração impedí-lo de atuar nos EUA - Charles Laughton criou a mais brilhante representação, nas telas, do anti-heroi de Victor Hugo, impressionante até mesmo nos cínicos dias de hoje.

A trama engendrada por Victor Hugo - e roteirizada por Sonya Levien a partir de uma adaptação de Bruno Frank - se passa na França do século XV, sob os domínios do Rei Louis XI (Harry Davenport). Em Paris, existe um preconceito generalizado contra ciganos e é nesse ambiente em que a bela Esmeralda (Maureen O'Hara) chega com seu grupo e desperta o fascínio de Frollo (Cedric Hardware), o irmão do Arcebispo (Walter Hampden). Incapaz de lidar com o desejo por alguém que considera inferior, Frollo incrimina Esmeralda por um assassinato que ela não cometeu. Respeitado por sua posição social e homem das leis, ele acaba por condenar a cigana à morte. Na hora de sua execução, porém, ela é salva por Quasímodo (Charles Laughton), o sineiro da catedral de Notre Dame, que, deformado e mantido escondido pelo Arcebispo devido a suas deformidades físicas, é frequentemente exposto a humilhações e zombarias por parte do povo. Protegendo Esmeralda - que um dia havia sido a única a oferecer-lhe água depois de uma sessão de chicotadas a qual ele fora condenado injustamente - nos domínios da catedral, considerado lugar neutro, Quasímodo mostra à ela que seu aspecto monstruoso difere muito de sua alma e seu coração puro.

Mesmo se distanciando do romance original, a versão dirigida por William Dieterle - cineasta de origem alemã que também assinou os oscarizados "A história de Louis Pasteur" (35) e "Emile Zola" (36) - é um filme brilhante, equilibrando com perfeição uma contundente crítica social com uma fascinante história de amor platônico. A atuação inesquecível de Charles Laughton, que transmite toda a dor da rejeição pela diferença reflete o belo trabalho de John Hurt em "O homem elefante", realizado 41 anos mais tarde, e sua relação com Esmeralda foge com inteligência do grotesco ou do simplesmente pueril, graças principalmente à bela química do ator com Maureen O'Hara - não à toa, escolhida pessoalmente por ele para integrar o elenco. Sem um galã romântico tradicional forte o bastante para fazer frente ao carisma de Quasímodo, o corcunda acaba por tornar-se o anti-herói, em mais uma subversão dramática que engrandece o filme e o transforma em uma experiência única.


segunda-feira, 7 de novembro de 2016

EUMIR DEODATO

Also Sprach Zarathustra
Euro Groove Department Live


domingo, 6 de novembro de 2016

ROBERT CRUMB

WOMEN






MILLÔR

ZILLÔR, UM NOME A MELAR

Millôr se impõe uma forma fixa, a identidade nominal, e, dentro da prisão de si mesmo, expõe a liberdade.
A história é velha e verdadeira. Aos 17 anos, Milton Fernandes viu a sua certidão de nascimento. A caligrafia do escrivão estava desenhada em excesso, era uma profusa confusão de arabescos. Apesar da opulência das linhas e traços, o documento tinha um sentido só, que apontava para um erro de origem: o prenome dele não era Milton, era Millôr. O rapaz gostou da novidade. Trocou o mero Milton pelo nome melhor. Millôr é dos poucos, pois, que rejeitaram a vontade dos pais. Livrou-se do nome imposto, se autonomeou (atenção, bancada vienense: o jovem em questão era órfão de pai e mãe) batizou a si mesmo. Assim virou Millôr, primeiro e único.
O que há num simples nome?, pergunta Julieta a Romeu, no balcão, e ela mesma responde, perguntando: Aquilo que chamamos rosa com outro nome não teria igual perfume?
Se Millôr tivesse continuado Milton, teria sido igualmente rosa, continuaria com o mesmo perfume? Há algo de impróprio em se reapropriar continuamente do próprio nome próprio? O cara tem um baita problema de identidade, né não? É um egocêntrico megalômano?
Nem tanto. É longa a tradição, nas artes plásticas, do auto-retrato. Pintar a si mesmo serve tanto de espelho como de disfarce. A série de auto-retratos de Rembrandt pertence à categoria do espelho. Ela registra a passagem do tempo e o artista que muda. O retratista retratado é primeiro guapo mancebo, aí amadurece, depois envelhece e por fim envilece, vira rosto vil. Já Caravaggio, que pintou a sim mesmo na cabeça decapitada de Golias, usou o auto-retrato para perder a cabeça, se auto-amputar.
Millôr não se espelha nem disfarça nem se amputa. Ele se propaga e se reitera. Seus auto-retratos não têm rosto. Eles escancaram um nome e escondem um homem. Ao contrário dos de Rembrandt, os seus auto-retratos não seguem uma seqüência. Não descrevem uma progressão. Vivem mais no espaço do que no tempo: se espalham em todas as direções, incorporando ao sujeito, ao ego, aquilo que está nos arredores do seu nome. Á diferença do Caravaggio-Golias (que separa a cabeça do corpo, a mente do espírito, o retratado do retratista), Millôr mostra que cérebro, testa, tronco, membros, pensamento, traços, cores e coração podem formar um todo, desmembrado, que aponta para o infinito. Aqueles nomes todos são ele, Millôr. O que há neles de agudo, de colorido, de curvo e gracioso, tudo que há neles é Millôr.
Convém olhar esses nomes com vagar. Salvo engano, não há nada semelhante na história da arte. O artista se auto-impõe em espaço exíguo, uma forma fixa, os limites estritos de sua identidade nominal. E, dentro da prisão de si mesmo, expõe a liberdade individual. A liberdade tem graça porque transcende o indivíduo.
Outro dia, no seu estúdio, em Ipanema, ao escutar que seus nomes são geniais, Millôr sorriu. Disse que eles não são produto de genialidade, e sim da sua obsessão em se divertir. Ele começou a brincar com a palavra Millôr em 1938, na revista O cruzeiro. Não parou mais. Perdeu a conta de quantos Millôres fez. Sua arte é a de brincar , de criar, de se recriar.


MILLÔR FERNANDES OFICIAL:

sábado, 5 de novembro de 2016

MOUNTAIN

Southbound Train
Live at Woodstock


DISCOGRAFIA BÁSICA

IVINHO, AO VIVO (1978)
Montreux International Jazz Festival

por  José Teles

O guitarrista Ivinho era um músico conhecido apenas de um pequeno círculo de admiradores, artistas e colegas de profissão, em 1978, quando embarcou para a Suíça, como uma das atrações da primeira noite brasileira no então seleto Festival Internacional de Jazz de Montreux. Levava 50 dólares na carteira, e uma case com uma viola de doze cordas, com o bojo furado. Além dele, viajaram o grupo A Cor do Som, e Gilberto Gil, com uma banda à qual foi incorporado o conterrâneo Pepeu.

Naquele tempo não era comum participações de brasileiros em eventos internacionais de tal porte, com exceção de um punhado de nomes que conseguiu chegar à gravadoras gringas, casos de Milton Nascimento, Egberto Gismonti, percussionistas que viviam nos EUA, Naná Vasconcelos ou Airto Moreira e, claro, a turma da bossa nova. Como o recifense Ivson Wanderley chegou a tal patamar, inalcançável para a maiorias dos músicos brasileiros?

Claude Nobs (1936/2013), o criador e principal curador do festival de jazz de Montreux, encontrava-se no Rio para acertar a participação dos músicos brasileiros no festival. Acompanhado por André Midani, que assumira o cargo de presidente da recém-chegada ao Brasil Warner Music, e o produtor Marco Mazzola, assistiu a um show em que o guitarrista tocava. Entusiasmou-se com a performance do pernambucano, e sugeriu que ele fosse incorporado à comitiva do Brasil em Montreux, com os dois contratados da Warner, A Cor do Som (então a banda mais bem sucedida do pop nacional), e Gilberto Gil, aposta internacional da filial brasileira da multinacional.

Com ingressos rapidamente esgotados, Claude Nobs decidiu realizar uma sessão extra da noite brasileira em Montreux, oficialmente intitulada Viva Brasil, com as participações do percussionista mineiro Djalma Correa, e do tecladista suíço Patrick Moraz (que substituíra Rick Wakeman no Yes). Às 17h, e Ivinho foi incumbido de abrir a primeira edição do Viva Brasil.

O jornalista carioca Tárik de Souza cobriu o festival, e escreveu minuciosamente, para o Jornal do Brasil, o show de Ivinho: “De saída, subiu ao palco o enigmático Ivinho, Magro e miúdo, de calça Lee surrada, camiseta e tênis, além de um chapéu de feltro interiorano, que dividia em duas cascatas, sua longa cabeleira. Ivson Wanderley Pessoa, recifense de apenas 25 anos, não se mostrava nem um pouco assustado, mesmo alguns minutos antes, ainda no ensaio, quando fui entrevista-lo. Um estreia solo, mesmo num festival internacional, era para ele apenas uma questão de curriculum, e seus planos para o show resumiam-se a “me deixar desligar durante 25 minutos, deixar fluir algumas sequencias harmônicas, harmonizando minha vida para dias melhores”.

Ele não sabia que sua carreira chegaria ao auge naquela tarde do verão suíço. Seu concerto, um único e longo improviso, a partir de um tema ad lib, que batizou de Noturno número zero, mistura de escalas oriental com nordestina, recebeu palmas e pedidos de bis. Ivinho não concedeu o bis, porém se apresentou novamente na segunda sessão do Viva Brasil (que recebeu um público bem menor do que o esperado). Mais uma vez transcrevemos um trecho da matéria de Tárik de Souza:

“Ivinho entrou sem muitos aplausos, tocou números mais curtos e foi assessorado pela percussão de Djalma (Correa), que duelou com sua viola utilizando um banjilógrafo, mistura de banjo e máquina de escrever”. Novamente Ivinho saiu do palco debaixo de aplausos e pedidos de bis. Um feito, já que a plateia, “cabeça”, não perdoou o som pop de A Cor do Som, pedia “jazz e não rock”. As vaias tomaram conta do salão, a ponto de ser necessário, segundo o relato de Tárik, o próprio Claude Nobs vir ao palco para acalmar o público, que aceitou com ressalvas o pop brasileiro da Cor do Som. O show final, de Gilberto Gil, foi apoteótico e o público só voltou a vaiar quando o baiano avisou que estava encerrando o concerto, que acabou madrugada adentro.

A Warner lançaria, poucos meses depois, com ampla divulgação, enfatizando ser uma participação no festival de jazz de Montreux ainda, discos das apresentações dos brasileiros. Tanto o de Gilberto Gil (originalmente um álbum duplo), quanto o da Cor do Som tiveram reedições em CD. Mas o álbum de Ivinho (Warner/Nonesuch) continua, inexplicavelmente, fora de catálogo. O que não é de se estranhar. Chega a ser um enigma o fato de ele ter sido lançado. O LP de Ivinho não tinha o menor potencial comercial. Muito menos para uma gravadora cujo recém-chegada ao Brasil e em busca do sucesso. A música foi criada ad lib, ou seja, na hora, no improviso. Só receberam títulos quando precisaram ser registradas para o disco: Os temas do álbum: Teimosia, Clarão vermelho, Meditação, Frevo único e Partida dos lobos.



FONTE: http://jc.ne10.uol.com.br/blogs/toques/2015/06/15/ivinho-na-primeira-noite-brasileira-no-festival-de-jazz-de-montreux/


quinta-feira, 3 de novembro de 2016

FOTOGRAFIA

JEAN MORAL




SOBERANIA


por  Manoel de Barros


Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que
tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo
do vento escorregava muito e eu não consegui
pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso
carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos
deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado
e disse que eu tivera um vareio da imaginação.
Mas que esses vareios acabariam com os estudos.
E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li
alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio.
E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria
das idéias e da razão pura. Especulei filósofos
e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande
saber. Achei que os eruditos nas suas altas
abstrações se esqueciam das coisas simples da
terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo
— o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase:
A imaginação é mais importante do que o saber.
Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei
um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu
olho começou a ver de novo as pobres coisas do
chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E
meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam
o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no
corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas
podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as
próprias asas. E vi que o homem não tem soberania
nem pra ser um bentevi.


MOVIE STAR

Chiara Caselli


quarta-feira, 2 de novembro de 2016

CARTA AOS MORTOS

de  Affonso Romano de Sant’ana

Amigos, nada mudou em essência.
Os salários mal dão para os gastos,
as guerras não terminaram
e há vírus novos e terríveis,
embora o avanço da medicina.
Volta e meia um vizinho
tomba morto por questão de amor.
Há filmes interessantes, é verdade,
e como sempre, mulheres portentosas
nos seduzem com suas bocas e pernas,
mas em matéria de amor
não inventamos nenhuma posição nova.
Alguns cosmonautas ficam no espaço
seis meses ou mais, testando a engrenagem
e a solidão.
Em cada olimpíada há recordes previstos
e nos países, avanços e recuos sociais.
Mas nenhum pássaro mudou seu canto
com a modernidade.
Reencenamos as mesmas tragédias gregas,
relemos o Quixote, e a primavera
chega pontualmente cada ano.
Alguns hábitos, rios e florestas
se perderam.
Ninguém mais coloca cadeiras na calçada
ou toma a fresca da tarde,
mas temos máquinas velocíssimas
que nos dispensam de pensar.
Sobre o desaparecimento dos dinossauros
e a formação das galáxias
não avançamos nada.
Roupas vão e voltam com as modas.
Governos fortes caem, outros se levantam,
países se dividem
e as formigas e abelhas continuam
fiéis ao seu trabalho.
Nada mudou em essência.
Cantamos parabéns nas festas,
discutimos futebol na esquina
morremos em estúpidos desastres
e volta e meia
um de nós olha o céu quando estrelado
com o mesmo pasmo das cavernas.
E cada geração , insolente,
continua a achar
que vive no ápice da história.



terça-feira, 1 de novembro de 2016