(Trecho final de São Bernardo)
A agitação diminui.
- Estraguei a minha vida estupidamente.
Penso em Madalena com insistência. Se fosse possível recomeçarmos ... Para que enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu.
Não consigo modificar-me, é ò que me aflige.
A molecoreba de Mestre Caetano arrasta-se por aí, lambuzada, faminta. A Rosa, com a barriga quebrada de tanto parir, trabalha em casa, trabalha no campo e trabalha na cama. O marido é cada vez mais molambo. E os moradores que me restam são uns cambembes como ele.
Para ser franco, declaro que esses infelizes não me inspiram simpatia. Lastimo a situação em que se acham, reconheço ter contribuído para isso, mas não vou além.
Estamos tão separados! A princípio estávamos juntos, mas esta desgraçada profissão nos distanciou. Madalena entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. Os sentimentos e os propósitos esbarraram com a minha brutalidade e o meu egoísmo.
Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão é que me deu qualidades tão ruins.
E a desconfiança terrível que me aponta inimigos em toda a parte!
A desconfiança é também consequência da profissão.
Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes.
Se Madalena me via assim, com certeza me achava extraordinariamente feio.
Fecho os olhos, agito a cabeça para repelir a visão que me exibe essas deformidades monstruosas.
Fecho os olhos, agito a cabeça para repelir a visão que me exibe essas deformidades monstruosas.
A vela está quase a extinguir-se. Julgo que delirei e sonhei com cheios e uma figura de lobisomem. Lá fora há uma treva dos diabos, um grande silêncio.
Entretanto o luar entra por uma janela fechada e o nordeste furioso espalha folhas secas no chão.
É horrível! Se aparecesse alguém ... Estão todos dormindo. Se ao menos a criança chorasse ...
Nem sequer tenho amizade a meu filho. Que miséria! Casimiro Lopes está dormindo.
Marciano está dormindo. Patifes! E eu vou ficar aqui, às escuras, até não sei que hora, até que, morto de fadiga, encoste a cabeça à mesa e descanse uns minutos.
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