domingo, 6 de maio de 2012
HORÓSCOPO
por Zé da Silva
Capricórnio
Catou as pedrinhas na rua de terra do bairro distante. Pintou as
pedrinhas com tinta guache, aquela que comprou para o trabalho da aula
de desenho. Guardou-as com o carinho e a proteção de quem olhou e as viu
desprotegidas ao relento. As cores eram vivas. Quando o cinza tomava
conta de tudo e uma dor forte travava o peito e o coração, ele abria a
caixa de madeira e as olhava. Tudo voltava a ter cor, cheiro, e ele
voltava a amar a vida. Deu nome a elas, as pedrinhas coloridas. Criou-os
no ajuntamento de letras. Escreveu-os com a Parker 51 que herdou. Tinta
azul lavável. Colocou o papel em cima delas, como se fosse uma proteção
contra todos os males do mundo. Nunca pronunciou o impronunciável.
Olhava os nomes e a pedra correspondente. Carregou-as por anos e anos.
Queria passar para os filhos. Teve-os. Descobriu mais tarde que eles
eram elas. Nasceram pintados de amor, desprotegidos na vida. Para
sempre. As pedrinhas sumiram. Os filhos ficaram. Elas ficaram na
lembrança. Eles são eternos.
quinta-feira, 3 de maio de 2012
RESSONANTE
Por Ticiana Vasconcelos Silva
Espero o seu quadrante
Se encontrar com minha lua minguante
Vaso de mágoa
Luz do amante
E nesse desejo retumbante
Como um voo cortante
Espero a última lágrima de amor
Se desfazer em raios de diamante
quarta-feira, 2 de maio de 2012
MANOEL DE BARROS
Parrrede!
Eu fazia pecado solitário.
Um padre me pegou fazendo.
- Corrumbá, no parrrede!
Meu castigo era ficar em pé defronte a uma parede e
decorar 50 linhas de um livro.
O padre me deu pra decorar o Sermão da Sexagésima
de Vieira.
- Decorrrar 50 linhas, o padre repetiu.
O que eu lera por antes naquele colégio eram romances
de aventura, mal traduzidos e que me davam tédio.
Ao ler e decorar 50 linhas da Sexagésima fiquei
embevecido.
E li o Sermão inteiro.
Meu Deus, agora eu precisava fazer mais pecado solitário!
E fiz de montão.
- Corumbá, no parrrede!
Era a glória.
Eu ia fascinado pra parede.
Desta vez o padre me deu o Sermão do Mandato.
Decorei e li o livro alcandorado.
Aprendi a gostar do equilíbrio sonoro das frases.
Gostar quase até do cheiro das letras.
Fiquei fraco de tanto cometer pecado solitário.
Ficar no parrrede era uma glória.
Tomei um vidro de fortificante e fiquei bom.
A esse tempo também eu aprendi a escutar o silêncio
das paredes.
Manoel de Barros
(No livro Memórias Inventadas, As infância de Manoel de Barros)
FOTOS
Fotos que foram expostas na "1ª MOSTRA DE ARTE LIVRE PALMEIRENSE", ocorrida no dia 28/04/2012 na Casa Museu Graciliano Ramos em Palmeira dos Índios, Alagoas.
Fotos de Ricardo Silva