sexta-feira, 31 de julho de 2015

LUA

Última lua cheia do mês de julho de 2015.
















Fotografia de Ricardo Silva

CINEMA E ARQUITETURA

por Yuri Vasconcelos Silva

Tão importante quanto a estória que se desenrola na tela, a arquitetura imaginada pelos diretores de arte se beneficia de maior liberdade que a arquitetura concreta deste mundo real. Mas estas asas ainda têm envergadura limitada. Os cenários devem reforçar a intenção do diretor e sutilmente alinhavar uma das costuras que reforça a trama completa, assim como faz a trilha sonora. Em bons filmes, a arte sugere mensagens subliminares que sussurram na orelha do espectador segredos sobre o filme.

O Iluminado – num hotel de luxo vazio, imenso e labiríntico, é impossível compreender o espaço desdobrado em vários planos durante o filme. São cômodos, corredores, salões, banheiros em sequências que incitam a curiosidade do telespectador. Tal qual o garoto iluminado, a câmera vasculha o assustador e também atraente interior do hotel, numa curiosidade que aumenta na mesma medida da tensão do filme. A cuidadosa produção preenche a tela de elementos que sugerem algumas respostas possíveis ao que se passa com Jack.

Blade Runner – chove o tempo todo. O filme é opressivo. Escuras e nebulosas, as ruas estão sempre lotadas. Os edifícios são maciços e colossais, para abrigar uma população oriental que parece ter explodido e dominado o mundo, como gafanhotos. Outdoors em telões coloridos voam sobre a cidade. A estória é típica de um conto noir, com o detetive, o cara mal e um bom mistério. Percebe-se que alguém é poderoso ou rico quando o personagem usufrui de um espaço amplo para seu escritório ou casa. Neste futuro, espaço é para poucos. Apenas em um momento a perspectiva se abre, pára de chover e a tela fica mais colorida que os tons de preto e cinza que dominam o filme. Mas tal visão otimista não fazia parte dos planos do diretor. Ridley Scott desejava o noir do começo ao fim.

Grande Hotel Budapeste – colocando em pausa, qualquer que seja o momento, um segredo de composição espacial se revela. A simetria. Quase todos os planos apresentam uma simetria tão descarada que metade da tela parece estar diante de um espelho. Arquitetos e matemáticos sabem o quão belo é a simetria à percepção humana. Ainda é interessante perceber que o tom de cada cor, cada objeto é forçado um pouco, um passo em direção à fantasia. Não chega a ser uma animação ou alegoria, mas existe uma marca especial que diz à platéia que se trata de um filme de Wes Anderson. Os espaços apresentados cutucam a curiosidade também mas, ao contrário de O Iluminado, trata-se de uma busca positiva por novos ambientes, como crianças num parque de diversões buscando o próximo brinquedo. O hotel adquire sua importância quase como um personagem central e cria uma conexão de afeto com todos, dentro e fora da tela.

Batman, de Tim Burton – O diretor é o próprio criador de sua visão artística para a arte de seus filmes. Tim Burton esboça o cenário e figurinos como um artista plástico. De fato, seus trabalhos gráficos já ganharam até mostras em museus. Com o orçamento de Batman, pode mostrar sua estranha predileção pelo sombrio e bizarro. Estas características são as mesmas do herói deprimido. Gotham City aparece nas telas como uma cidade que se alonga para o céu negro numa arquitetura gótica adaptada à fantasia do diretor. A cidade é cheia de ruelas e fumaça de esgoto, estátuas esculpidas se confundem com os edifícios. Grandes janelas sempre mostram, de dentro, a silhueta da corrupta Gotham lá fora. Sombras estáticas ou móveis reforçam que ali é o habitat do morcego e seus fantasmas. A metrópole é apresentada como uma caverna cheia de estalactites, morcegos e sombras. Nenhuma outra Gotham foi tão bem desenhada.


JOE KING




FONTE: http://joekingart.com/

quarta-feira, 29 de julho de 2015

CABEÇA DE PEDRA


O espinho sou eu

Eu sou o espinho. Ninguém nunca deu bola pra mim. Só a quem furei - e ceguei um olho. Nunca me procuraram. Nem quando aconteceu (e faz tempo!), nem depois. Resisti a tudo e estou aqui, perdido na caatinga e com o mesmo gosto daquilo que vazei. Já sei que apareci em filme, mas ninguém sabe mesmo o que aconteceu. Filme é invenção em cima da invenção que vai sendo inventada de conversa em conversa. Quando entrei no olho dele, sem querer, o capitão não gritou. Só caiu para trás com a mão tapando onde havia o furo. Homem temperado, aquele. Amargo e doce. Anjo e demônio. Justiceiro. Amado e odiado. Caçado durante anos. E eu aqui me achando - porque furei ele. Quando soube que caiu em emboscada em Angicos, verti uma lágrima. Sim, porque o mandacaru onde nasci chora. Desgraceira aquela que fizeram cortando a cabeça de quase todos do bando. Maldade. Mas aí que a fama aumentou. E eu aqui, no oco do mundo. Várias secas e chuvas depois, ainda espero. Não sei o que. Não quero fama e, pensando bem, se pudesse teria evitado aquela desgraça. Aí, talvez, quem sabe, Virgulino Ferreira da Silva tivesse durado mais tempo. Lampião com os dois olhos seria mais difícil de matar. Mas ele não morreu. Nem eu.

SOLDA

VÊ TV



SOLDA CÁUSTICO: http://cartunistasolda.com.br/

Vincent Willem van Gogh

Vincent Willem van Gogh (1853-1890) nasceu em Zundert, uma pequena aldeia holandesa. Filho de um pastor calvinista foi uma criança rebelde e insociável. Em 1869 ingressa num internato provinciano. Em 1869 vai para Haia trabalhar com o tio que abriu a sucursal da Galeria Goupil, uma importante empresa que comerciava obras e livros. Depois de três anos é mandado para Bruxelas, onde passa dois anos. Depois vai para Londres, sempre a serviço da galeria.

Em 1875, van Gogh consegue sua transferência para Paris, onde julgava poder libertar-se de todas as suas frustrações. Em abril de 1876, após indispor-se com os clientes, é demitido do grupo Goupil. Vai para Inglaterra onde aceita o cargo de professor em escolas primárias de pequenas cidades. Nesse mesmo ano, em dezembro, vai para Etten, onde encontra sua família, mas suas relações familiares continuam difíceis, só sente-se compreendido por Theo, seu irmão mais novo.
Van Gogh torna-se depressivo e sofre seguidas crises nervosas, passa longos períodos de solidão. Em 1877 consegue emprego em uma livraria em Dordrecht, até que decide seguir a carreira do pai. Ingressa no Seminário Teológico da Universidade de Amsterdã. Reprovado por falta de base ingressa na Escola Evangélica, em Bruxelas. Consegue o lugar de pregador missionário nas minas de carvão de Borinage, na Bélgica. Em 1879 é demitido, pois prega pouco e preocupa-se demasiadamente com os doentes e as crianças.

Em 1880 vai para Bruxelas, e com o dinheiro que o irmão lhe manda, estuda anatomia e perspectiva. Passa os dias desenhando. Em 1881 muda-se para Haia, onde é acolhido pelo pintor Mauve. Pinta aquarelas, onde aparecem marinheiros, pescadores, camponeses. Escreve para o irmão “Eu não quero pintar quadros, eu quero pintar a vida”. Em julho de 1882 pinta seu primeiro quadro a óleo. No ano seguinte volta para casa dos pais, onde passa os dias lendo e pintando.
Em 1985 seu pai morre repentinamente. Nesse mesmo ano pinta “Os Comedores de Batata”, em um ambiente sombrio e tons escuros. Em novembro viaja para Antuérpia, onde em janeiro de 1886 inicia estudos na Academia local. Em fevereiro é acolhido por Theo, em Paris, que dirige a Galeria Goupil. Nessa época pinta “Pai Tanguy” (1887). Encontra-se com Pissarro, Degas, Gauguin, Seurat. Em dois anos pinta 200 quadros, entre eles, o “Auto Retrato” (1887).

Van Gogh encontra-se com a saúde precária e segue os conselhos de Toulouse-Lautrec, vai para o campo, em fevereiro está em Arles, pintando ao ar livre. Pinta mais de 100 quadros, entre eles, “Os Girassóis” (1888) e “Armand” (1888). Convida Gauguin para trabalharem juntos, mas Van Gogh tem crises de humor. Há relator que sua amante teria se envolvido com Gauguin e ao descobrir discute e agride o amigo com uma navalha. Arrependido corta um pedaço de sua orelha e manda num envelope para a mulher que motivou a briga. É recolhido para o hospital. Vai para casa e pinta o “Auto Retrato com a Orelha Cortada” (1888).
Em maio de 1989 ele mesmo pede ao irmão que o interne. Vai para o Hospital de Saint-Rémy e transforma seu quarto em um ateliê. Fez mais de duzentos novos quadros, centenas de desenhos, e todos revela sua luta. Theo é chamado, mas não pode visitar o irmão, pois sua mulher espera o primeiro filho. Pede a Signac, um amigo pintor, que vá visitá-lo. Signac sai impressionado com a pintora de Van Gogh que leva alguns amigos à casa de Theo para ver alguns quadros. O jornal Mercúrio de França faz elogios ao pintor. Uma exposição na Galeria de Bruxelas é organizada, mas só vende um quadro “A Vinha Vermelha”, o único que seria vendido durante a vida do pintor.

Van Gogh deixa Sant-Rémy em maio de 1890. Vai para Auvers, sob os cuidados do Dr. Gachet que o examina e diz que a situação é grave. Pinta mais de 200 desenhos e mais de 40 quadros, entre eles, “Os Ciprestes”, “Trigal com Corvos” e “Retrato do Dr. Gachet”. No dia 27 de julho de 1890 Van Gogh sai para o campo de trigo com um revolver na mão e no meio do campo dá um tiro no peito e é socorrido.
Van Gogh morreu em Alvers, França, em 29 de julho de 1890. No dia de sua morte, no sótão da Galeria Goupil, em Paris, 700 quadros amontoavam-se sem comprador. A fama só veio após sua morte. Grande parte de sua historia está descrita nas 750 cartas que escreveu para seu irmão Theo, e que evidenciava a forte ligação entre os dois.

terça-feira, 28 de julho de 2015

DISCOTECA BÁSICA

Rita Lee & Tutti Frutti
Fruto proibido (1975)

(Edição 129,Abril de 1996)

Ela havia saído da melhor banda de rock da história do Brasil - os Mutantes -, com quem forjara cinco dos mais importantes álbuns pop brasileiros de todos os tempos. Ao final da viagem de humor e psicodelismo que empreendeu entre 66 e 72 com Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, a paulistana ruiva e magricela batizada com o sonoro nome de Rita Lee já não se contentava em cantar algumas músicas e tocar pandeiro. Ela participara do centro criativo dos Mutantes, fazendo letra e música, tocando, cantando,pensando.
Expulsa dos Mutantes, Rita Lee chegava à carreira de popstar com currículo ímpar: nenhuma mulher se destacara no rock brasileiro como ela. Rita foi a primeira cantora-compositora-roqueira-instrumentista e a primeira mulher na música a abusar da rebeldia, da irreverência, da ironia, da inteligência.
O fim traumáticos dos Mutantes deu à garota garra para se provar e se firmar no cenário, resultando na magnífica coleção de LPs que lançou nos anos 70, alçada - pela primeira vez - à posição de líder de uma banda, a Tutti Frutti. A qualidade de produção da Rita de então é uniforme, mas ainda assim um dos trabalhos se projeta: "Fruto Proibido", de 75, que inclui a famigerada balada "Ovelha Negra", até hoje sua marca registrada.
Musicalmente, "Fruto Proibido" mistura em doses equivalentes elétrico e acústico para constituir puro rock'n'roll - ou roque enrow, como Rita prefere. A voz de Rita mantém inflexões infanto-juvenis, agora não mais na vertente zombeteira e debochada dos Mutantes, mas transpirando rebeldia e - por que não? - sofrimento. Rita se estabelece como a ovelha negra da família brasileira, mulher chegada ao sexo, às drogas, ao rock, líder de uma banda masculina num cenário até há pouco hostil à criatividade feminina.
Não por acaso, Fruto Proibido é coalhado de referências candidamente feministas. Mas rock'n'roll era mesmo o que interessava. Se os exemplos que Rita tinha para seguir eram eminentemente masculinos, não fazia por menos ao selecionar os que iria utilizar: já no rescaldo da influência beatle dos Mutantes, voltava-se agora para outros bem mais rebeldes: David Bowie, Lou Reed, Mick Jagger - mais Celly e Wanderléa, que Rita nunca foi de negar suas origens.
Até quando tangência o já dinossáurico rock progressivo - em "O Toque"-, Rita consegue afastar a chatice, por absoluta falta de pretensão. É essa, aliás, a marca da fase Tutti Frutti, indispensável em sua totalidade. Toneladas de criatividade e nenhum resquício de pretensão, seja em "Atrás do Porto Tem Uma Cidade" (74), "Entradas e Bandeiras" (76, tão bom quanto "Fruto Proibido") ou "Babilônia" (78). Depois, viria Roberto de Carvalho. 

por Pedro Alexandre Sanches