Ela se atirou do décimo andar na noite escura. A mãe, velhinha, quase 90 anos, pressentiu, insistiu para que fosse dormir. O vôo para o desconhecido foi precedido da carta, que sempre há, que é lembrada pelo Vampiro como um disco furado. Achou que era sozinha, apesar dos filhos. Não venceu a guerra contra algo dominador, a doença que tira o brilho da vida, que torna tudo sem graça, que faz o ar pesar toneladas e a luz ferir os olhos. O médico alquimista não achou a fórmula para lhe dar aquilo que ganhou na concepção. Ela não achou o paliativo do álcool, das drogas, porque não tinha o DNA da dependência. Viveu o drama quase a seco. Suportou por décadas. Até que na noite quente ouviu o roncar da mãe, arrastou uma mesa até o parapeito e voou dez andares para o beijo final e fatal. O beijo no asfalto. Depois, alguém a chamou de egoísta porque não soube sentir o amor que as pessoas tinham por ela. Ela sabia, mas não sentia, e o pior é que não tinha como retribuir - e essa cortina de aço fechando o corpo, a alma, o coração, é que mais doía. Porque amava, mas não sabia como passar. Tinha medo. Até de ser feliz. Transformou tudo num drama tão absurdo, mas real, que caiu, sem pedir desculpas, porque nem isso aprendeu a fazer.
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