por Yuri Vasconcelos Silva
Ela aguarda sua caça descer pelo chão negro brilhante que se transforma apenas sob os pés da vítima em um líquido viscoso atraente. Em uma cena vazia, de total escuridão, apenas os corpos nus de Scarlett Johansson e do homem que ela capturou são visíveis e parecem flutuar no breu do nada. O filme “Sob a Pele” (2013. dir.Jonathan Glazer), apresenta uma proposta de experiência estética rara no cinema atual. O filme elimina diálogos e, mesmo assim, conta uma história capaz de fixar a atenção. Mostra cenas de uma cidade melancólica, recantos solitários, casas abandonadas à própria sorte, como muitos dos personagens do filme. A função dos espaços percorridos neste filme, assim como imagens com significados perturbadores mas, por serem belas, amenizam o conteúdo e nos satisfaz pela agradável experiência visual, serve como um suporte extraordinário a reforçar algum aspecto da trama ou protagonista. Neste caso, os papéis dos diretores de arte, fotografia, cenografia e efeitos especiais são primordiais ao diretor.
Impossível ignorar o trabalho de Stanley Kubrick nessa busca. A semelhança artística de “Sob a Pele” com “O Iluminado” (1980) e “2001:uma odisséia …” (1968) mostra que o deleite estético de uma obra cinematográfica pode até suplantar o texto, por mais rico que ele seja, sem que o entendimento do que se passa na película seja prejudicado. Na verdade, a interpretação subjetiva de uma imagem sugere ainda maiores possibilidades e riqueza de significados. Por exemplo, a cena em que o garoto em seu triciclo dá voltas pelos corredores do Hotel Overlook, exibindo uma complexidade crescente dos espaços indecifráveis do hotel, à medida que a tensão igualmente sobe – culminando na perseguição num labirinto gelado de arbustos e neve, ao final do filme. A inundação vermelha-sangue em um dos corredores, tecnicamente impecável em sua execução, mostra que a organização do espaço e os efeitos plásticos têm uma função superior à simples explicação lógica de um pedaço da história. A cena existe para ser bonita e também significativa.
O vermelho também presente nos interiores da mansão onde quatro mulheres vivem aflitas, em volta da morte e do passado, em “Gritos e Sussurros” (1972. dir. Ingmar Bergman), presta um papel fundamental, junto com todos os demais cômodos em que passeamos com os personagens nesta elegante e incômoda casa. Da mesma forma, vários momentos de vazios nos diálogos ou ações dos personagens sussurram ao espectador o olhar para os detalhes em cena, a mobília, janelas e paisagem, detalhes do espaço que encerra aquelas mulheres em suas angústias. O espaço grita, nos pisos e paredes em vermelho.
Atentar para o fundo, o espaço e efeitos plásticos pode ser a chave para a entendimento pleno da história, mesmo que de forma pessoal. A compreensão que nos escapa em um filme pode estar escondida na paisagem que sobra quando retiramos os personagens.
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