domingo, 10 de maio de 2015

MEUS CAROS AMIGOS

 Amici Miei (1975)

 por Gerson Steves


Se cruzar a fronteira dos cinqüenta já é complicado nos dias de hoje, em que eles são os novos 40, imagine na década de 70. Era sinônimo de absoluta falta de perspectivas profissionais, financeiras e até sentimentais. E é justamente sobre um grupo de amigos, nessa faixa etária tão significativa, que trata o filme Meus Caros Amigos (Amici Miei), de Mario Monicelli, rodado em 1975. Lembro que o vi na época e me diverti muito com as trapalhadas e pequenas travessuras de um grupo de senhorzinhos de meia idade. Hoje, distante mais de 30 anos no tempo, e também vivendo a curva dos 50, o filme me pareceu mais melancólico e (pasme) até filosófico do que na época.
Recheado de situações hilárias, é narrado em primeira pessoa pelo jornalista Perozzi, vivido por Philippe Noiret, num encadeado de flash-backs não lineares em que são contadas as aventuras e estripulias de cinco amigos inseparáveis– os outros são interpretados por Ugo Tognazzi, Duilio Del Prete, Gastone Moschin e Adolfo Celi. No filme, cada um tem seu grande momento, mas ficam a cargo de Noiret e Tognazzi as cenas mais antológicas. Graças ao grande talento cômico e dramático de ambos, seus personagens ganham em profundidade e dimensão – por vezes trágica.

Logo na primeira cena, vemos um jornalista que dorme mal, freqüenta a noite entre bêbados e prostitutas, e fuma sistematicamente – quase a crônica de uma morte anunciada. É Noiret – imortalizado no personagem Alfredo de Cinema Paradiso – que vai apresentar os outros personagens e contar como todos se conheceram e se envolveram na “ciganagem”, forma com que chamavam a prática de sair sem destino por algumas horas ou até dias, envolvidos em pegadinhas. A voz do jornalista conduzirá as desventuras amorosas e sexuais dos amigos e irá revelar até os pequenos atos de nobreza cotidiana que poderiam escapar aos olhares menos sensíveis.
Tognazzi – conhecido do público brasileiro pela trilogia Gaiola das Loucas – interpreta um conde falido que se divide entre uma vida miserável com a mulher e a filha e um ardente romance com uma jovem 30 anos mais nova, de quem se torna praticamente escravo sexual. No estilo inconfundível do malandro romano que fora playboy nos anos 50, ele possui uma técnica toda especial de enrolar as pessoas misturando frases e palavras absolutamente sem sentido num contexto inesperado e ditas com tamanha verossimilhança que ninguém é capaz de contrariá-lo.

Mario Monicelli, como diretor, não cede à tentação de fazer uma comédia fácil tipicamente italiana daquele período. Sua luz é dramática, os enquadramentos são uma brincadeira com vários gêneros cinematográficos (do neo-realismo aos filmes de gângsters americanos) e a narrativa não é nem um pouco linear. Além disso, a trilha sonora constitui um espetáculo à parte, apresentando sonoridades que lembram toda uma cinematografia italiana, com direito a ecos de Nino Rota.
É um filme que não poupa a crítica às instituições mais caras à Itália conservadora da época e tampouco às transformações que aquela sociedade via acontecerem ao seu redor. Não escapam a Igreja, o casamento, a família, a propriedade, o trabalho, a polícia, a máfia, a liberação sexual feminina, as drogas, a velhice e a morte. Tudo vira motivo de piada. Tudo é pretexto para um olhar cínico e malandramente rejuvenescedor.
O filme foi um sucesso tão grande que gerou duas continuações não previstas quando da feitura de seu original; as três foram rodadas entre 75 e 85, todas com direção de Monicelli, mas na última sem a presença de Noiret (por questões de roteiro da primeira versão). Ainda assim, todas valem muito a pena. Aproveite, ainda, para se deleitar com a participação de Adolfo Celi – que foi casado com Tônia Carrero e exerceu forte influência sobre o teatro brasileiro dos anos 40 e 50 por sua atuação no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia). Pegue os três e veja em estilo maratona!

CLAUDIO CURI ACRESCENTA:

Mário Monicelli é considerado por muitos o rei da comédia, ou seja o mais engraçado dos realizadores italianos, mas sua visão é mais engajada do que parece ser. Em suas comédias retrata seus personagens de uma forma muito humana, sempre com grande sensibilidade. Iniciou sua carreira em 1935, quando já era crítico de cinema e, mais tarde (a partir de 1949), formou com Steno, outro diretor, uma grande dupla de roteiristas e, depois, diretores, especializados em comédias. Trabalharam muito com o grande ator italiano Totó, em uma série de filmes hilariantes.
A partir de 1954, Monicelli, separando-se de Steno, continuou sua carreira sozinho, sendo o realizador de filmes memoráveis, tais como Pais e Filhos, Os Eternos Desconhecidos. Os Companheiros, Casanova 70, O Incrível Exército de Brancaleone(talvez o seu maior sucesso), além deste delicioso Meus Caros Amigos, de 1975, que teve uma sequência em 1982, chamada Quinteto Irreverente (Amici Miei Atto II).
Além de Totó, Monicelli trabalhou com os maiores atores italianos de todos os tempos, tais como Anna Magnani, Vittorio Gassman, Marcello Manstroianni, Silvana Mangano, Gina Lollobrigida e tantos outros.
Em 1992 foi o autor de outra comédia deliciosa, sobre a família, chamada Parente é Serpente (Parenti Serpenti), em que mostra filhos que tentam se livrar de seus pais para não terem que cuidar dos mesmos na velhice. Um enorme sucesso.
Monicelli inspirou diretores de gerações seguintes, como Ettore Scola, cujo O Bailejá teve aqui a sua resenha. Teve, também, vários filmes indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro, tendo ganhado o Leão de Ouro em Veneza, pela carreira e pelo filme A Grande Guerra, em 1991. Faleceu em 2010, em Roma, aos 95 anos.

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