sexta-feira, 27 de novembro de 2015

PURPLE HAZE IN THE AIR

Por Roberto José da Silva

Todos beijamos o céu e fomos varados pelos rasantes e bombas de sua guitarra/corpo/mente. Woodstock sempre será porque não se afoga a última grande celebração humana em vômito de tragédia de drogas. Um deus veio à terra para apresentar o ilimitado potencial de uma guitarra. Foi embora tão ráido que entre vê-lo fardado com o uniforme do Exército dos Estados Unidos e incendiando e fazendo sexo com o instrumento no palco do festival de Monterrey, foi assim como uma piscar de olhos alongado como um acorde esticado nos pedais. James Marshall Hendrix, ou apenas Jimi, tímido que um dia apresentou a voz e desconcertou tanto quanto o que fez com o Hino Nacional de sua terra. Doce, veludo, Hey Joe, atormentado Voodoo Chile, viajante Purple Haze, tudo vindo da fonte negra do blues (aquele disco onde há, na capa, uma colagem com fotos dos mestres …) misturado com toda a carga dos anos 60, fruto também do rock preto, branco, amarelo, enfim, multicolorido como as roupas que usava. Foi preciso os ingleses, a origem da civilização da potência, dar o aval para ele decolar para dentro da própria terra e depois para o mundo. Entrou por aqui quando toda uma geração viajava com a erva do diabo e cavalgava os raios disparados pelos seus dedos longos e inquietantemente inquietos. Canhoteiro. O contrário que é o certo, se é que existe algo assim na vida. Tão fértil e alucinado na ânsia de criar que deixou material de sobra para discos e mais discos em seu estúdio de Nova York. Aquele que um dia um bruxo brasileiro do som, saído de Lagoa da Canoa, Alagoas, foi ver e ali se sentiu mal por conta das pinturas que viu nas paredes. Hermeto Pascoal imaginou apenas o lado ruim das alucinações, mas sabe que dali saia o som do passado, presente e futuro. Quem prestar atenção na apresentação integral em Woodstock vai notar a parte onde ele se transforma em guitarrista flamenco. Mais significativo foi o final, quando ele toca como se cada nota tivesse asas e pairassem sobre as cabeças daquelas quinhentas mil pessoas batizando-as para sempre com gotas de paz e amor. Ele foi embora e, no geral, tudo piorou. Mas aqueles que lá estavam e os outros milhões que o ouviram sabem que aqueles acordes que deixaram, ao final, o público mudo, e as palmas foram chegando só depois, numa onda, eles, nós, sabemos que também ali estava uma forma de beijar o céu, agradecer e passar tudo adiante. Também por ele, que nos deixou, mas ficou, como um deus negro da guitarra.

Fonte: http://jornale.com.br/zebeto/

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