quarta-feira, 24 de maio de 2017

FERNANDO PESSOA


Do Livro do Desassossego 



Já vi tudo, ainda o que nunca vi, nem o que nunca verei. No meu sangue corre até a menor das paisagens futuras, e a angústia do que terei que ver de novo é uma monotonia antecipada para mim.

E debruçado ao parapeito, gozando do dia, sobre o volume vário da cidade inteira, só um pensamento me enche a alma — a vontade íntima de morrer, de acabar, de não ver mais luz sobre cidade alguma, de não pensar, de não sentir, de deixar atrás, como um papel de embrulho, o curso do sol e dos dias, de despir, como um traje pesado, à beira do grande leito, o esforço involuntário de ser.


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