( trecho de "O Reacionário" )
Sou, como sempre digo, um pobre nato, um pobre vocacional. Tudo me ofende e me humilha no palácio do Alto da Boa Vista, desde a casaca do mordomo ao galo de Picasso. Passei o dia todo pensando com um pavor sagrado da inteligência de salão. Às sete da noite decidi: — “Não vou”. Mas houve uma coincidência diabólica: — mal tomei a decisão, bate o telefone, Era a grã-fina: — “Nelson, vou te falar sério, hein? Se você não vier, corto relações contigo. Está avisado”. Tive que ir.
Não fui dos primeiros a chegar. Assim que me viu, inclina-se o mordomo de filme policial inglês e sussurra: — “O nosso time está bom”. E eu: — “Vamos ver, vamos ver”. A anfitriã vinha radiante: — “Ah, Nelson, Nelson! Gosto de você pra (seguiu-se o palavrão)”. Imediatamente, verifiquei que aquela reunião era um viveiro de palavrões. A grã-fina levou-me pela mão: — “Vou te apresentar a minha amiga”. A comunista era uma dessas figuras que dariam muito bem no uniforme do Exército da Salvação. A dona da casa fez a apresentação: — “Aqui, Nelson Rodrigues, o maior reacionário do país”. A comunista olha-me de alto a baixo, com uma boquinha de nojo: — “Ah, o senhor?”.
In Rodrigues, Nelson. O reacionário: memórias e confissões. São Paulo: Cia das Letras, 1995, p. 208 .
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