DEVO
Q: ARE WE NOT MEN? A: WE ARE DEVO! (1978)por TIAGO FERREIRA
A teoria de B. H. Shadduck norteou uma das melhores pilhérias sônicas dos anos 70.
01 Uncontrollable Urge
02 (I Can’t Get No) Satisfaction
03 Praying Hands
04 Space Junk
05 Mongoloid
06 Jocko Homo
07 Too Much Paranoias
08 Gut Feeling / Slap Your Mammy
09 Come Back Jonee
10 Sloppy (I Saw My Baby Gettin’)
11 Shrivel-Up
Gravadora: Warner Bros
Os integrantes do Devo não estavam errados quando disseram que os humanos estão devoluindo – ou seja, regredindo.
No final dos anos 1970 as teorias conspiratórias, de uma forma ou de outra, acabavam envolvendo o avanço da tecnologia. Para o Devo, estávamos nos tornando imbecis – um generalizado das castas inferiores que o escritor Aldous Huxley preconizou em Admirável Mundo Novo.
Todos nós ‘somos Devo’, diz a banda em “Jocko Hommo”, extraído do manifesto de B. H. Shadduck, dos anos 1920, que diz: “o pecado no Jardim do Éden foi o esforço de um macaco em se tornar humano. Deus fez o homem, mas usou o macaco para apanhar a sujeira”. O pecado é um álibi. “Eis a loucura de tudo”, grifa o manifesto, sob a imagem de um anjo apontando para a direita e um macaco segurando um homem que deseja avançar à esquerda.
E eis que do grifo surge a banda para colocar sentido nisso. Ou totalmente danificá-lo, como faz muito bem no álbum de estreia Q: Are We Not Men? A: We Are Devo!.
Uma banda torta e amalucada como o Devo assinar com uma major como a Warner Bros não era comum (como ainda não é hoje). Acontece que, além dos integrantes do Devo, haviam outros adeptos à teoria de Shadduck. Um deles era Chuck Statler, que ganhou a premiação no Ann Arbor Film Festival em 1976 pelo curta-metragem The Truth About De-Evolution. A trilha havia sido composta pelo Devo, que logo receberia convite de Neil Young para a trilha de Human Highway (1982).
Só que o grande salto ainda estava por vir. Foi pelo conselho da esposa que o guitarrista Michael Aylward, do Tin Huey (também de Ohio), mostrou o EP Be Stiff, gravado pelo Devo naquele 1978, aos amigos David Bowie e Iggy Pop.
O Camaleão mostrou interesse em produzir a banda na hora, com aval do guitarrista Robert Fripp. Sem tempo de seguir com o projeto por conta das filmagens de Apenas Um Gigolô (dirigido por David Hemmings), Bowie deixou o destino nas mãos de Fripp, que o encaminhou a Brian Eno (contextualizando: nessa época Fripp e Eno estavam por trás dos excelentes discos de David Bowie, hoje conhecidos como a ‘Trilogia de Berlim’: Low, Heroes e Lodger).
A pegada do Devo tinha tudo a ver com os experimentos de Eno: a transição punk/new-wave envolto a um conceito tão degenerado quanto criativo.
O Devo não queria teorizar Shadduck; queria ser a banda que já assimilara suas ideias de putrefação humana
As gravações tiveram início antes do contrato com a Warner, portanto, a banda teve que cruzar o Atlântico contanto com empréstimo do produtor.
Mas as coisas não desenrolaram como desejado. Dentro da proposta tresloucada da banda, Eno queria inserir mais teclados e sintetizadores, como posteriormente desenvolveria com o Talking Heads. A grande pegada do Devo, pelo menos naquele momento, era juntar um vigor de batalha com depravação sonora.
Quem ouve Q: Are We Not Men… provavelmente não associaria de cara a um pano de fundo tão pessimista quanto a teoria de Shadduck. Isso porque a banda não queria teorizar; queria ser a banda que já assimilara as ideias de putrefação humana.
Por isso, aqui “Mongoloid” soa como um hino ainda mais potente do que a banda mostraria anos depois em seus shows acachapantes. Por isso “Jocko Hommo” obteria o acompanhamento de séquitos dum sectarismo do ridículo (e os synths aqui souberam sonorizar o ridículo muito bem). Por isso este disco se tornaria uma das melhores pilhérias de toda a década.
“Jocko Hommo” é uma canção de alienados, feito por uma banda que aparenta ser alienada e que consegue deixar qualquer ouvinte alienado logo na primeira audição. É uma das grandes músicas dos anos 1970 e clássico irredutível do Devo.
“Uncontrollable Urge” mostra de cara a irracionalidade vontade de gritar, aloprar, ‘perder o controle‘. Em seguida entra o cover de “(I Can’t Get No) Satisfaction”, que muitos encaram como a grande contradição do disco. Ora bolas, dentro dessa teoria a grande graça é ser imprevisível – principalmente na execução, que a encara como uma música conformista. Se eu fosse integrante dos Rolling Stones, ficaria mais incomodado do que lisonjeado. Mas, musicalmente falando, ficou boa pra caramba.
Percebemos a influência sônica de Brian Eno em “Praying Hands”, que começa com loopings de sintetizadores. O Devo a coloca no seu terreno com típicos riffs crus e a música se desenvolve na convergência synths vs. guitarra, que provavelmente justificaria o termo new-wave.
Tudo bem que a new-wave entremeia-se ao som do Devo, mas outros dois elementos contribuíram para a iconoclastia da banda: as guitarras da no-wave com uma esquizofrenia vocal que prossegue o legado de Captain Beefheart – vide “Space Junk”, que poderia ser extraído de um Lick My Decals Off, Baby (1970).
Justificativas não faltariam para se somar à obrigatoriedade de ouvir Devo. Mas a mais convincente ainda é: Q: Are We Not Men… é recheado de clássicos!
De doideira em doideira, temos um álbum repleto de canções ótimas. Escolha a maluquice que melhor se encaixa ao seu lado doidivanas: seria “Too Much Paranoias”, com excepcionais linhas de guitarra de Bob Casale e Bob Mothersbaugh? A supostamente séria “Gut Feeling”, levada pelos teclados ágeis de Mark Mothersbaugh? “Shrivel-Up” e sua estrutura cósmica? Ou as já mencionadas acima?
Devoluir pode não ser a melhor das notícias. Mas, ao som do Devo, pelo menos é divertido, confortante e espiritualmente libertador.
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