sexta-feira, 31 de julho de 2015

LUA

Última lua cheia do mês de julho de 2015.
















Fotografia de Ricardo Silva

CINEMA E ARQUITETURA

por Yuri Vasconcelos Silva

Tão importante quanto a estória que se desenrola na tela, a arquitetura imaginada pelos diretores de arte se beneficia de maior liberdade que a arquitetura concreta deste mundo real. Mas estas asas ainda têm envergadura limitada. Os cenários devem reforçar a intenção do diretor e sutilmente alinhavar uma das costuras que reforça a trama completa, assim como faz a trilha sonora. Em bons filmes, a arte sugere mensagens subliminares que sussurram na orelha do espectador segredos sobre o filme.

O Iluminado – num hotel de luxo vazio, imenso e labiríntico, é impossível compreender o espaço desdobrado em vários planos durante o filme. São cômodos, corredores, salões, banheiros em sequências que incitam a curiosidade do telespectador. Tal qual o garoto iluminado, a câmera vasculha o assustador e também atraente interior do hotel, numa curiosidade que aumenta na mesma medida da tensão do filme. A cuidadosa produção preenche a tela de elementos que sugerem algumas respostas possíveis ao que se passa com Jack.

Blade Runner – chove o tempo todo. O filme é opressivo. Escuras e nebulosas, as ruas estão sempre lotadas. Os edifícios são maciços e colossais, para abrigar uma população oriental que parece ter explodido e dominado o mundo, como gafanhotos. Outdoors em telões coloridos voam sobre a cidade. A estória é típica de um conto noir, com o detetive, o cara mal e um bom mistério. Percebe-se que alguém é poderoso ou rico quando o personagem usufrui de um espaço amplo para seu escritório ou casa. Neste futuro, espaço é para poucos. Apenas em um momento a perspectiva se abre, pára de chover e a tela fica mais colorida que os tons de preto e cinza que dominam o filme. Mas tal visão otimista não fazia parte dos planos do diretor. Ridley Scott desejava o noir do começo ao fim.

Grande Hotel Budapeste – colocando em pausa, qualquer que seja o momento, um segredo de composição espacial se revela. A simetria. Quase todos os planos apresentam uma simetria tão descarada que metade da tela parece estar diante de um espelho. Arquitetos e matemáticos sabem o quão belo é a simetria à percepção humana. Ainda é interessante perceber que o tom de cada cor, cada objeto é forçado um pouco, um passo em direção à fantasia. Não chega a ser uma animação ou alegoria, mas existe uma marca especial que diz à platéia que se trata de um filme de Wes Anderson. Os espaços apresentados cutucam a curiosidade também mas, ao contrário de O Iluminado, trata-se de uma busca positiva por novos ambientes, como crianças num parque de diversões buscando o próximo brinquedo. O hotel adquire sua importância quase como um personagem central e cria uma conexão de afeto com todos, dentro e fora da tela.

Batman, de Tim Burton – O diretor é o próprio criador de sua visão artística para a arte de seus filmes. Tim Burton esboça o cenário e figurinos como um artista plástico. De fato, seus trabalhos gráficos já ganharam até mostras em museus. Com o orçamento de Batman, pode mostrar sua estranha predileção pelo sombrio e bizarro. Estas características são as mesmas do herói deprimido. Gotham City aparece nas telas como uma cidade que se alonga para o céu negro numa arquitetura gótica adaptada à fantasia do diretor. A cidade é cheia de ruelas e fumaça de esgoto, estátuas esculpidas se confundem com os edifícios. Grandes janelas sempre mostram, de dentro, a silhueta da corrupta Gotham lá fora. Sombras estáticas ou móveis reforçam que ali é o habitat do morcego e seus fantasmas. A metrópole é apresentada como uma caverna cheia de estalactites, morcegos e sombras. Nenhuma outra Gotham foi tão bem desenhada.


JOE KING




FONTE: http://joekingart.com/

quarta-feira, 29 de julho de 2015

CABEÇA DE PEDRA


O espinho sou eu

Eu sou o espinho. Ninguém nunca deu bola pra mim. Só a quem furei - e ceguei um olho. Nunca me procuraram. Nem quando aconteceu (e faz tempo!), nem depois. Resisti a tudo e estou aqui, perdido na caatinga e com o mesmo gosto daquilo que vazei. Já sei que apareci em filme, mas ninguém sabe mesmo o que aconteceu. Filme é invenção em cima da invenção que vai sendo inventada de conversa em conversa. Quando entrei no olho dele, sem querer, o capitão não gritou. Só caiu para trás com a mão tapando onde havia o furo. Homem temperado, aquele. Amargo e doce. Anjo e demônio. Justiceiro. Amado e odiado. Caçado durante anos. E eu aqui me achando - porque furei ele. Quando soube que caiu em emboscada em Angicos, verti uma lágrima. Sim, porque o mandacaru onde nasci chora. Desgraceira aquela que fizeram cortando a cabeça de quase todos do bando. Maldade. Mas aí que a fama aumentou. E eu aqui, no oco do mundo. Várias secas e chuvas depois, ainda espero. Não sei o que. Não quero fama e, pensando bem, se pudesse teria evitado aquela desgraça. Aí, talvez, quem sabe, Virgulino Ferreira da Silva tivesse durado mais tempo. Lampião com os dois olhos seria mais difícil de matar. Mas ele não morreu. Nem eu.

SOLDA

VÊ TV



SOLDA CÁUSTICO: http://cartunistasolda.com.br/

Vincent Willem van Gogh

Vincent Willem van Gogh (1853-1890) nasceu em Zundert, uma pequena aldeia holandesa. Filho de um pastor calvinista foi uma criança rebelde e insociável. Em 1869 ingressa num internato provinciano. Em 1869 vai para Haia trabalhar com o tio que abriu a sucursal da Galeria Goupil, uma importante empresa que comerciava obras e livros. Depois de três anos é mandado para Bruxelas, onde passa dois anos. Depois vai para Londres, sempre a serviço da galeria.

Em 1875, van Gogh consegue sua transferência para Paris, onde julgava poder libertar-se de todas as suas frustrações. Em abril de 1876, após indispor-se com os clientes, é demitido do grupo Goupil. Vai para Inglaterra onde aceita o cargo de professor em escolas primárias de pequenas cidades. Nesse mesmo ano, em dezembro, vai para Etten, onde encontra sua família, mas suas relações familiares continuam difíceis, só sente-se compreendido por Theo, seu irmão mais novo.
Van Gogh torna-se depressivo e sofre seguidas crises nervosas, passa longos períodos de solidão. Em 1877 consegue emprego em uma livraria em Dordrecht, até que decide seguir a carreira do pai. Ingressa no Seminário Teológico da Universidade de Amsterdã. Reprovado por falta de base ingressa na Escola Evangélica, em Bruxelas. Consegue o lugar de pregador missionário nas minas de carvão de Borinage, na Bélgica. Em 1879 é demitido, pois prega pouco e preocupa-se demasiadamente com os doentes e as crianças.

Em 1880 vai para Bruxelas, e com o dinheiro que o irmão lhe manda, estuda anatomia e perspectiva. Passa os dias desenhando. Em 1881 muda-se para Haia, onde é acolhido pelo pintor Mauve. Pinta aquarelas, onde aparecem marinheiros, pescadores, camponeses. Escreve para o irmão “Eu não quero pintar quadros, eu quero pintar a vida”. Em julho de 1882 pinta seu primeiro quadro a óleo. No ano seguinte volta para casa dos pais, onde passa os dias lendo e pintando.
Em 1985 seu pai morre repentinamente. Nesse mesmo ano pinta “Os Comedores de Batata”, em um ambiente sombrio e tons escuros. Em novembro viaja para Antuérpia, onde em janeiro de 1886 inicia estudos na Academia local. Em fevereiro é acolhido por Theo, em Paris, que dirige a Galeria Goupil. Nessa época pinta “Pai Tanguy” (1887). Encontra-se com Pissarro, Degas, Gauguin, Seurat. Em dois anos pinta 200 quadros, entre eles, o “Auto Retrato” (1887).

Van Gogh encontra-se com a saúde precária e segue os conselhos de Toulouse-Lautrec, vai para o campo, em fevereiro está em Arles, pintando ao ar livre. Pinta mais de 100 quadros, entre eles, “Os Girassóis” (1888) e “Armand” (1888). Convida Gauguin para trabalharem juntos, mas Van Gogh tem crises de humor. Há relator que sua amante teria se envolvido com Gauguin e ao descobrir discute e agride o amigo com uma navalha. Arrependido corta um pedaço de sua orelha e manda num envelope para a mulher que motivou a briga. É recolhido para o hospital. Vai para casa e pinta o “Auto Retrato com a Orelha Cortada” (1888).
Em maio de 1989 ele mesmo pede ao irmão que o interne. Vai para o Hospital de Saint-Rémy e transforma seu quarto em um ateliê. Fez mais de duzentos novos quadros, centenas de desenhos, e todos revela sua luta. Theo é chamado, mas não pode visitar o irmão, pois sua mulher espera o primeiro filho. Pede a Signac, um amigo pintor, que vá visitá-lo. Signac sai impressionado com a pintora de Van Gogh que leva alguns amigos à casa de Theo para ver alguns quadros. O jornal Mercúrio de França faz elogios ao pintor. Uma exposição na Galeria de Bruxelas é organizada, mas só vende um quadro “A Vinha Vermelha”, o único que seria vendido durante a vida do pintor.

Van Gogh deixa Sant-Rémy em maio de 1890. Vai para Auvers, sob os cuidados do Dr. Gachet que o examina e diz que a situação é grave. Pinta mais de 200 desenhos e mais de 40 quadros, entre eles, “Os Ciprestes”, “Trigal com Corvos” e “Retrato do Dr. Gachet”. No dia 27 de julho de 1890 Van Gogh sai para o campo de trigo com um revolver na mão e no meio do campo dá um tiro no peito e é socorrido.
Van Gogh morreu em Alvers, França, em 29 de julho de 1890. No dia de sua morte, no sótão da Galeria Goupil, em Paris, 700 quadros amontoavam-se sem comprador. A fama só veio após sua morte. Grande parte de sua historia está descrita nas 750 cartas que escreveu para seu irmão Theo, e que evidenciava a forte ligação entre os dois.

terça-feira, 28 de julho de 2015

DISCOTECA BÁSICA

Rita Lee & Tutti Frutti
Fruto proibido (1975)

(Edição 129,Abril de 1996)

Ela havia saído da melhor banda de rock da história do Brasil - os Mutantes -, com quem forjara cinco dos mais importantes álbuns pop brasileiros de todos os tempos. Ao final da viagem de humor e psicodelismo que empreendeu entre 66 e 72 com Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, a paulistana ruiva e magricela batizada com o sonoro nome de Rita Lee já não se contentava em cantar algumas músicas e tocar pandeiro. Ela participara do centro criativo dos Mutantes, fazendo letra e música, tocando, cantando,pensando.
Expulsa dos Mutantes, Rita Lee chegava à carreira de popstar com currículo ímpar: nenhuma mulher se destacara no rock brasileiro como ela. Rita foi a primeira cantora-compositora-roqueira-instrumentista e a primeira mulher na música a abusar da rebeldia, da irreverência, da ironia, da inteligência.
O fim traumáticos dos Mutantes deu à garota garra para se provar e se firmar no cenário, resultando na magnífica coleção de LPs que lançou nos anos 70, alçada - pela primeira vez - à posição de líder de uma banda, a Tutti Frutti. A qualidade de produção da Rita de então é uniforme, mas ainda assim um dos trabalhos se projeta: "Fruto Proibido", de 75, que inclui a famigerada balada "Ovelha Negra", até hoje sua marca registrada.
Musicalmente, "Fruto Proibido" mistura em doses equivalentes elétrico e acústico para constituir puro rock'n'roll - ou roque enrow, como Rita prefere. A voz de Rita mantém inflexões infanto-juvenis, agora não mais na vertente zombeteira e debochada dos Mutantes, mas transpirando rebeldia e - por que não? - sofrimento. Rita se estabelece como a ovelha negra da família brasileira, mulher chegada ao sexo, às drogas, ao rock, líder de uma banda masculina num cenário até há pouco hostil à criatividade feminina.
Não por acaso, Fruto Proibido é coalhado de referências candidamente feministas. Mas rock'n'roll era mesmo o que interessava. Se os exemplos que Rita tinha para seguir eram eminentemente masculinos, não fazia por menos ao selecionar os que iria utilizar: já no rescaldo da influência beatle dos Mutantes, voltava-se agora para outros bem mais rebeldes: David Bowie, Lou Reed, Mick Jagger - mais Celly e Wanderléa, que Rita nunca foi de negar suas origens.
Até quando tangência o já dinossáurico rock progressivo - em "O Toque"-, Rita consegue afastar a chatice, por absoluta falta de pretensão. É essa, aliás, a marca da fase Tutti Frutti, indispensável em sua totalidade. Toneladas de criatividade e nenhum resquício de pretensão, seja em "Atrás do Porto Tem Uma Cidade" (74), "Entradas e Bandeiras" (76, tão bom quanto "Fruto Proibido") ou "Babilônia" (78). Depois, viria Roberto de Carvalho. 

por Pedro Alexandre Sanches

sábado, 25 de julho de 2015

sexta-feira, 24 de julho de 2015

HORÓSCOPO

por Zé da Silva

Capricórnio

Cartier Bresson disse que não é necessário uma máquina para se fazer fotografia. Pensei nisso quando estava para sair do pequeno apartamento para ver a exposição que marcou os dez anos da morte do mestre. Deixei até o celular em cima da cama, andei meia quadra no final daquela tarde e entrei na escada rolante dentro do tubo transparente e exposto do museu Georges Pompidou. À medida que ia subindo em câmera lenta para o último andar, a visão da cidade com prédios antigos e baixos ganhou o toque deslumbrante de um enorme sol vermelho na linha do horizonte. Senti falta da Canon, do Motorola, qualquer coisa para registrar aquilo, ainda mais que na paisagem a torre Eifel sobressaía, querendo espetar o céu. Na escalada ao topo, no entanto, as palavras de Bresson se entranharam na alma – e fizeram sentido. A foto estava feita - aliás, várias, enquanto o sol se escondia. Eram minhas, só minhas. No máximo eu poderia descrevê-las, o que, de fato, é nada diante do presenciado. Entrei no museu. O que mais me encantou naquelas mais de quatrocentas peças, incluindo filmes a respeito do grande fotógrafo, foi um caderno espiral que ele transformou em seu primeiro livro, pois colou ali os registros que fez ainda adolescente. Fotos do momento mágico que antecede ao clique – e que eternizam o que a alma e o coração registraram.



quinta-feira, 23 de julho de 2015

quarta-feira, 22 de julho de 2015

CABEÇA DE PEDRA

Sórdido

Aquele boteco sórdido tinha de existir. Não, ele não queria beber lá, porque já tinha passado o limite entre a vida e a morte e sobrevivido. Mas queria conhecer porque, quando bebia, desde a hora em que acordava até onde não lembrava mais, fazia sempre em botecos como aquele descrito pelo mestre da escrita. O bar era tão absurdamente sujo que os frequentadores puxavam para dentro os cachorros sarnentos que passavam na calçada em frente. O que mais interessava, contudo, era a imagem de Jesus Cristo com tapa-olho. Se a visse, achava que entraria numa nova dimensão da vida, agora regada a água e suco. Procurou em todo o Rio Grande do Sul, porque a indicação era de lá. Um dia, chegou lá. Entrou e logo se ajoelhou para a imagem. Fez então sinal da cruz e rezou um Pai Nosso. Depois, pediu ao dono do bar para chegar mais perto do que buscava - verificou então que, realmente, havia uma barata esmagada no olho esquerdo de Jesus. Chorou de emoção. Ia saindo quando lhe perguntaram se queria comer algo. Ele pensou duas vezes e ... por que não? Disse sim, afinal, não tinha morrido com todas as porcarias que mandou pra dentro nos tempos das bebedeiras. Olhou um prato sujo em cima do balcão e pediu o último quibe que estava ali. Lhe disseram que não era quibe. Alguém abanou a mão logo acima do quitute e todas as moscas voaram. Surgiu então um ovo cozido e descascado. Ele dispensou a iguaria - e saiu feliz agradecendo Luis Fernando Verísssimo.

COGUMELOS


NO QUINTAL DE DONA ZEFA





Fotografias de Ricardo Silva

terça-feira, 21 de julho de 2015

MÁRIO QUINTANA


Se eu fosse um padre


Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
— muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
...e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!


Texto extraído do livro "Nova Antologia Poética", Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 105.

SOLDA

CÁUSTICO


STALKER

Andrei Tarkovski, URSS, 1979


O que há de tão especial em Stalker, muito provavelmente o melhor filme de Tarkovski? Adianto desde já que não se trata do vasto leque de interpretações aberto a partir dele: ao contrário do que se pode pensar, Stalker não é um filme cerebróide, hermético, que segue a linha da "ficção-científica para iniciados" e faz disso seu objetivo. É antes um filme que pode ser visto abstraindo-se toda sua carga de significação mais complexa (que lá está de forma latente) e atendo-se tão-somente aos seus aspectos mais básicos. Melhor ainda: é um filme para se apreciar não pelo que ele sugere, mas pelo que ele mostra: as expressões faciais de Stalker devem ser vistas como movimentos do rosto. Se Tarkovski aqui insiste em filmar seus atores em primeiro plano – muitas vezes um rosto que surge inesperadamente do extra-campo – é porque essa expressão, que não é mais que uma expressão, contém uma substância importantíssima e de que o filme se alimentará a todo segundo. Cada vinco, cada cicatriz facial em Stalker aparece como um traço físico de raríssima força; uma concepção escultural da imagem cinematográfica, menos um acontecimento da luz do que um esgarçamento das trevas (como diria Artur Omar). Tarkovski não precisa construir através de falas (apesar delas existirem, e não em pequeno número) ou situações o que seu filme já expõe através de rostos, deslocamentos e paisagens. 

O filme gira em torno de uma idéia central perfeitamente bem acabada. Mas qual seria essa idéia? A busca da fé, a reconciliação com um imaginário fundador, a odisséia de cura dos medos e desinquietação das pulsões? (Nas grandes obras de arte, é comum perdermos de vista a idéia central, que, de tão coesa, atua até mesmo invisivelmente.) A atmosfera peculiar de Stalker emerge como resposta do meio-ambiente ao filme. Os corpos, os objetos, as paisagens, o vento, a neve, tudo no filme responde a essa idéia que não sabemos exatamente o que representa, que não mostra sua face definitiva (ainda que o final entregue algumas de suas coordenadas), mas que incrivelmente existe e é o que fornece solo firme para o filme ser o que é: um estudo cuidadoso sobre a movimentação de corpos e a topografia de uma superfície (da imagem, dos rostos, das paredes) para além de qualquer noção prévia de profundidade. Em Stalker, as aparências são o jogo atraente da vastidão de superfície, algo muito distinto da acepção pejorativa – e mais usual – que as toma em oposição a essência. A aparência é o que recobre todas as coisas, é a pele do filme, mas também sua medula (não custa lembrar que a origem embrionária do sistema nervoso central é ectodérmica). E por que ultrapassar a superfície, se quem olha (dentro do filme e para o filme) não acredita na profundidade? "Eles não têm fé!", reclama o Stalker, personagem que será descrito mais adiante. 

Mas o que há em Stalker?, a pergunta permanece. No excelente texto que Serge Daney escreveu na ocasião do lançamento do filme, ele começa com a definição de dicionário da palavra título. "To stalk" é um verbo inglês, que significa caminhar pé ante pé, dar passos longos, marchar titubeando. É o andar característico de quem invade um território desconhecido, e pode significar também caçar um animal ocultando-se atrás de outro. Uma forma bastante peculiar de aproximação e de perseguição – quase uma dança. Com Stalker Tarkovski consagra sua aptidão, já lindamente presente em O Espelho, para filmar deslocamentos e conformações corporais. Cada personagem tem sua marcha própria, sua envergadura física, sua "presença orgânica". Tudo é orgânico em Stalker, incluindo a água, a terra, o vento, o fogo, tudo. A recorrência dos quatro elementos na obra de Tarkovski, como bem sabemos, tem muito mais uma função física do que simbólica. A água possui uma aparição constante em Stalker, o filme mais úmido da história, e sua importância está justamente na sua natureza, ou seja, em ser uma matéria primitiva, um dos constituintes fundamentais e preponderantes de tudo que existe no mundo, a começar pelos homens. E não é só a imagem-miríade da água (lago, poça, chuva, goteira), é também seu som em diversas modalidades (ora um barulho de cachoeira, ora um gotejar que ocupa praticamente toda a banda sonora). Embora passe por entre os dedos, a água tem um peso. Embora passem perante nossos olhos e não voltem, as imagens de Tarkovski têm um peso: a densidade não só do tempo que elas materializam, mas também do estranhamento que, mesmo terminado o filme, não se esgota em nenhuma interpretação. 

As locações são fábricas desativadas, cemitérios de tanques de guerra, ruínas as mais diversas – um fosso no centro de um mundo pós-apocalíptico onde a fabulação tem um papel tão relativizado quanto reprimido. Os personagens principais são três homens – o Escritor, o Professor e o Stalker – que partem para uma jornada ao local proibido, à terra de ninguém, a uma região assombrosa, lama em que borbulham estranhos objetos de fantasia: a Zona. Um misterioso acidente que deixou boa parte do planeta inabitável deu origem à Zona, em cujo centro há uma espécie de caverna que, conforme dizem, preenche os desejos mais recônditos de quem ali penetra (sim, Solaris era apenas um aquecimento para este filme). Talvez por isso, por temerem o potencial dessa realização tão profunda (por temerem o inconsciente?), as autoridades proíbam a entrada de qualquer pessoa, o que justifica aquela cena de ação do início, quando o Stalker conduz de forma até familiar o Escritor e o Professor para dentro da Zona, desviando dos tiros de alguma força militar oficial. O Stalker faz um trabalho de guia turístico conduzindo os outros dois ao longo da Zona. Turismo macabro, sem dúvida. Mas a verdadeira motivação de sua ida constante àquele lugar se explica numa cena das mais bonitas: logo que eles chegam nas imediações da Zona, o Stalker se atira ao chão e chafurda o rosto no capim, como a absorver o vapor da terra, se alimentar do húmus. Nesse momento, vem à mente uma parábola contada no filme seguinte de Andrei Tarkovski, Nostalgia. A parábola consiste num homem que vê outro se afogando num lamaçal e vai a seu resgate. Quando chegam à margem e o herói pergunta ao outro homem se está tudo bem, este último responde injuriado: "Seu tolo, é lá que eu moro". Do mesmo modo, a mulher do Stalker dá um ataque histérico no começo do filme, tentando impedi-lo de ir à Zona, mas o que ela não percebe (na verdade, finge não perceber) é que ele pertence àquele limbo. O Stalker é o tecido de transição entre o Escritor (com sua garrafa de vodka embrulhada numa sacolinha plástica) e o Professor (com sua mochila de suprimentos e artefatos secretos). 

Não é nenhum absurdo comparar Stalker a Conta Comigo(Stand by Me), de Rob Reiner. Filmes de tonalidades e objetivos absolutamente diferentes, ambos mostram uma viagem que guarda semelhanças: seguir a linha do trem, fugir da repressão, buscar o desconhecido, flertar com o proibido, deparar-se com um cadáver (cena igualmente marcante nos dois filmes), construir um imaginário que permeia a viagem (o personagem narrador de Conta Comigo é um escritor). Enquanto o filme de Reiner narra a jornada iniciática de um grupo de adolescentes, a perda da inocência, sem abrir mão da mais sincera nostalgia,Stalker apanha um grupo de adultos totalmente desiludidos indo em busca de uma tentativa de redescoberta (da criatividade, do mistério, da paz de espírito, da fé). Um é o reverso do outro: de um lado o processo transformador na sua estrutura mais clássica e romantizada, do outro o passeio misterioso e hesitante; de um lado crianças que discutem e brigam para depois fazer as pazes e reforçar a amizade, do outro homens que discutem e brigam como se fossem bêbados decadentes em fim de noite; de um lado o tempo efêmero da adolescência, do outro a duração dilatada pela angústia adulta. O silêncio da volta em Conta Comigo, quando os quatro meninos estão por demais submersos num misto de plenitude e vazio de pensamento para conseguir conversar entre si, espelha-se na supressão radical do caminho de volta em Stalker, que catapulta seus personagens diretamente ao bar onde se encontraram no início do filme. Apesar da clássica seqüência do campeonato de tortas com o Bola de Sebo não possuir paralelo possível em Tarkovski, Stalker não abdica de um certo humor diretamente relacionado ao patético e ao inusitado, como na cena, dentro da Zona, em que um telefone antigo inesperadamente toca, mostrando que ainda funciona, e o Professor atende e conversa com a pessoa que ligou – um ingrediente à Buñuel, cineasta que Tarkovski muito admirava.
O que dizer então de Stalker? O óbvio: que a beleza de suas imagens é estonteante, que seus atores principais (Anatoli Solonitsin, Nikolai Grimko e Alexander Kaidanovski) estão brilhantes, que a mise-en-scène é um espetáculo tanto do binômio revelação/ocultação (como quando a câmera sai de um personagem apenas para reencontrá-lo mais adiante, após ele se deslocar fora-de-quadro) quanto da prestidigitação (o que é aquele plano-seqüência em que a câmera se distancia dos três, atravessa uma passagem retangular e depois uma enorme poça, estaciona do outro lado, enquadrando-os numa "moldura dentro da moldura", assiste ao início e ao término da chuva, muda a iluminação, enfim, o que é aquilo tudo?). E o que dizer do plano final, quando a filha do Stalker move os copos que estão em cima de uma mesa apenas com o olhar, depois deita o rosto na madeira que estremece ao som do trem que passa tocando a 9aSinfonia de Beethoven, um dos planos mais bonitos da história do cinema? Não há nada o que dizer, no fundo é tudo uma questão de ver e ouvir, tanto para nós quanto para eles dentro do filme.


por Luiz Carlos Oliveira Jr.



quarta-feira, 15 de julho de 2015

FERNANDO PESSOA


Não quero rosas, desde que haja rosas.
Quero-as só quando não as possa haver.
Que hei-de fazer das coisas
Que qualquer mão pode colher?

Não quero a noite senão quando a aurora
A fez em ouro e azul se diluir.
O que a minha alma ignora
É isso que quero possuir.

Para quê?... Se o soubesse, não faria
Versos para dizer que inda o não sei.
Tenho a alma pobre e fria...
Ah, com que esmola a aquecerei?...

terça-feira, 14 de julho de 2015

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Todo Dia é Dia de Rock

Jimi Hendrix
Voodoo Child, Live '69

HOJE É O DIA DO ROCK


Iggy Pop & The Stooges 
TV Eye 
1970 (Cininnati Pop Festival)

NO DIA DO ROCK


Jerry Lee Lewis 
Medley 50's 60's

sexta-feira, 10 de julho de 2015

FOTOS

Igaci, Alagoas, hoje 





Fotografias de Ricardo Silva


CABEÇA DE PEDRA

Choro e fortuna

Olhou algo e começou a choramingar. A mãe não entendeu. Ele não parou. E apontou o dedo. Para a tv. Era um pudim. A mãe não sabia como reverter a situação. Tentou de tudo. Colocou-o no colo, fez cafuné, andou pela casa. Nada. Ele não berrava. Choramingava. Por algum motivo ela lhe deu dinheiro. Cédula dourada. Ele parou com o choro na hora. Pegou o papel e ficou olhando. Só largou quando dormiu de braços e mãos abertas no berço. Sem querer descobriu a fórmula. Tanto que a mãe guardava as notas mais novas para ele. E guardava depois numa caixinha que deixou perto do berço, depois no criado mudo ao lado da cabeceira da cama. Quando cresceu, antes de dormir, ele olhava a quantidade de dinheiro que tinha acumulado. Não gastava nada. Aperfeiçoou o choramingo. Desenvolveu uma técnica. Às vezes bastava fazer um olhar desconsolado para ganhar algo. Expandiu o universo de doadores. Adolescente já tinha mais dinheiro que o pai. Virou empresário. Arrancava tudo dos donos do poder. Milionário, não se divertia, não comprava nada que não revertesse em mais dinheiro. Não casou para não ter herdeiros. Tratava os empregados a pontapés. Achava que todos choravam pitangas para conseguir mais salário e benefícios. Morreu assim. Ninguém derramou uma única lágrima em sua lápide, de mármore cinza, cor que ele mais gostava - a cor de seu cofre.


CABEÇA DE PEDRA: http://cabecadepedra1.blogspot.com.br/2015/07/choro-e-fortuna.html

quinta-feira, 9 de julho de 2015

quarta-feira, 8 de julho de 2015

ALPHONSE MUCHA


ANTONIO CICERO

Guardar

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que um pássaro sem vôos.

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.



*Antonio Cicero nasceu no Rio de Janeiro, em 1945. Formou-se em filosofia na Universidade de Londres.

domingo, 5 de julho de 2015

TEMPOS MODERNOS

(MODERN TIMES -1936)
TEMPOS MODERNOS (Modern times, 1936, Charles Chaplin Productions/United Artists, 87min) Direção e roteiro: Charles Chaplin. Fotografia: Ira Morgan, Roland Totheroh. Montagem: Charles Chaplin, Willard Nico. Música: Charles Chaplin. Direção de arte/cenários: Charles D. Hall/J. Russell Spencer. Produção: Charles Chaplin. Elenco: Charles Chaplin, Paulette Goddard, Henry Bergman, Stanley Sandford. Estreia: 05/02/36

Convencido de que o cinema sonoro havia realmente chegado para ficar e não era apenas uma fase transitória - como havia pensado logo que a novidade aportou em Hollywood - Charles Chaplin finalmente decidiu que já era hora de ceder em sua firme decisão de manter-se mudo. Escreveu um roteiro inteiro com diálogos, tendo seu Carlitos como protagonista, mas, para surpresa de muitos (e como esperado por outros tantos) mudou de ideia na última hora. Afinal de contas, sendo coerente com toda a sua filmografia anterior, o vagabundo que lhe deu fama, prestígio e dinheiro não poderia encerrar sua carreira nas telas falando, como se fosse um personagem qualquer. Sendo assim, "Tempos modernos", o último filme mudo do grande Chaplin também foi a despedida de Carlitos. E ele não poderia ter ido embora - na clássica cena final - em melhor estilo: ao mesmo tempo uma feroz crítica à frieza da era industrial e uma deliciosa comédia física repleta de sequências sensacionais, o filme encerrou, por ser também o último filme mudo realizado em Hollywood (sem contar paródias e posteriores homenagens), uma era do cinema americano com chave de ouro.

Lançado em plena Depressão americana - pós-quebra da bolsa de Nova York em 1929 - "Tempos modernos" mostra, em forma do típico humor aparentemente ingênuo de Chaplin, a opinião do cineasta em relação à automatização do mundo, em detrimento dos seres humanos, frequentemente oprimidos em fábricas que os tratam como animais (como fica evidente em várias sequências) ou empregados descartáveis. Tais pensamentos políticos acabaram se revelando, alguns anos depois, nocivos ao próprio diretor, quando, investigado pelo Comitê de Atividades Anti-americanas e taxado como comunista, viu-se impedido de voltar aos EUA por mais de vinte anos. Talvez os americanos devessem também ter ficado contrariados com Mahatma Gandhi: foi em uma conversa com o líder indiano sobre a dominação das máquinas sobre as pessoas que Chaplin teve a ideia para seu roteiro.

Utilizando apenas efeitos sonoros - até mesmo como forma de ilustrar suas ideias a respeito do progresso e da modernidade na sociedade - Chaplin conta a história de um homem comum (seu conhecido vagabundo) que começa o filme enlouquecendo com o trabalho mecânico em uma fábrica, que, além de obrigá-lo a um trabalho repetitivo, ainda o usa como cobaia em um teste de uma máquina de dar comida na boca dos funcionários (!!). Depois de sair do hospital, ele tenta voltar ao mercado de trabalho, principalmente por estar apaixonado pela filha de um grevista morto em combate (Paulette Goddard). Logicamente as coisas não saem como o esperado e, enquanto tenta encontrar um lugar ao sol em uma sociedade cada vez menos afeita ao indivíduo, ele brinda o espectador com momentos da mais pura poesia visual equilibrados com um brilhante timing cômico. Chaplin chega inclusive a deixar com que a plateia finalmente ouça sua voz, cantando uma música cuja letra (em um idioma incompreensível) não faz o menor sentido a não ser que se acompanhe os gestos que ele faz.

Mais um enorme sucesso na carreira de Chaplin, "Tempos modernos" encerrou um ciclo em sua filmografia, melancolicamente ilustrado pela belíssima canção "Smile", composta por ele mesmo. Seu filme seguinte, "O grande ditador" faria uma sátira ao nazismo em geral e Adolf Hitler em pessoa e a partir de então, o som estaria definitivamente incorporado à sua dinâmica como cineasta. Seu capítulo final na fase mais brilhante de sua carreira é mais uma prova inconteste de sua genialidade e da perenidade de suas ideias - por mais avançadas que elas pudessem ser. Impossível não se deixar encantar.



sábado, 4 de julho de 2015

MERDA

A palavra mais rica da língua portuguesa
é a palavra Merda.
Esta versátil palavra pode mesmo ser considerada um coringa
da língua portuguesa.

Vejam os exemplos a seguir:

1) Como indicação geográfica 1:
Onde fica essa MERDA?
2) Como indicação geográfica 2:
Vá a MERDA!
3) Como indicação geográfica 3:
17:00h – vou embora dessa MERDA.
4) Como substantivo qualificativo:
Você é um MERDA!
5) Como auxiliar quantitativo:
Trabalho pra caramba e não ganho
MERDA nenhuma!
6) Como indicador de especialização
profissional:Ele só faz MERDA.
7) Como indicativo de MBA:
Ele faz muita MERDA.
8) Como sinônimo de covarde:
Seu MERDA!
9) Como questionamento dirigido:
Fez MERDA, né?
10) Como indicador visual:
Não se enxerga MERDA nenhuma!
11) Como elemento de indicação
do caminho a ser percorrido:
Por que você não vai a MERDA?
12) Como especulação de conhecimento
e surpresa: Que MERDA é essa?
13) Como constatação da situação
financeira de um indivíduo:
Ele está na MERDA…
14) Como indicador de ressentimento
natalino: Não ganhei MERDA
nenhuma de presente!
15) Como indicador de admiração:
Puta MERDA!
16) Como indicador de rejeição:
Puta MERDA!
17) Como indicador de espécie:
O que esse MERDA pensa que é?
18) Como indicador de continuidade:
Tô na mesma MERDA de sempre.
19) Como indicador de desordem:
Tá tudo uma MERDA!
20) Como constatação científica dos
resultados da alquimia:
Tudo o que ele toca vira MERDA!
21) Como resultado aplicativo:
Deu MERDA.
22) Como indicador de performance
esportiva: O SANTA CRUZ e o NAÚTICO
não estão jogando
MERDA nenhuma!!!
23) Como constatação negativa:
Que MERDA!
24) Como classificação literária:
Êita textinho de MERDA!!!
25) Como qualificação de governo:
O governo Lula só faz MERDA!
26) Como situação de ‘orgulho/metidez’ :
Ela se acha e não tem ‘MERDA
NENHUMA!’
27) Como indicativo de ocupação:
Para você ter lido até aqui, é sinal que
não está
fazendo MERDA nenhuma!

PS: Esta é uma adaptação tosca, cópia de um texto de Roberto Fontanarrosa,
humorista e cartunista argentino – Solda



SOLDA

CÁUSTICO

SOLDA CÁUSTICO: http://cartunistasolda.com.br/

quinta-feira, 2 de julho de 2015

W.C. FIELDS

Frases


* Certa vez fiquei tantos minutos sem beber que me senti como se alguém tivesse pisado em minha língua com o pé sujo de barro.

* Um homem que detesta crianças e cachorros não pode ser mau de todo.

* Meu peixe favorito? Uma piranha na banheira de minha ex-mulher.

* Sou livre de qualquer preconceito. Odeio todo mundo, indistintamente.

* Não me importo de ser levado a beber. O que me preocupa é ser levado para casa.

* Os ricos não passam de pobres com dinheiro.

* (Ao ser perguntado por que nunca bebia água): Peixes fodem nela.

* Está para nascer o homem que nunca teve o secreto desejo de dar um chute na bunda de um guri.

* Dê a seu bebê uma alimentação à base de cebola. Assim poderá achá-lo mais facilmente no escuro.

* Sorria assim que acordar. Livre-se logo dessa obrigação.



*W. C. Fields (William Claude Dukinfield), foi um dos maiores humoristas americanos, tendo vivido no período de 1879 a 1946. Era conhecido por seu mau humor. Do livro "O melhor do mau humor", Companhia das Letras - São Paulo, 1990, organizado e traduzido por Ruy Castro, págs. diversas, extraímos as frases acima.

FOTOS




Fotografias de Ricardo Silva

FERNANDO PESSOA

Presságio

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...



LU CONG




quarta-feira, 1 de julho de 2015

DISCOTECA BÁSICA

PAULINHO DA VIOLA 
DANÇA DA SOLIDÃO (1972)

por TIAGO FERREIRA

Álbum, que exibe primor em produção e musicalidade, navega pelos mais densos sentimentalismos do músico.

Paulinho da Viola já foi um botequeiro de primeira linhagem. E isso contribuiu bastante para a poeticidade de um dos mais prolíficos sambistas que o Brasil já teve. Com Cartola e Zé Keti, Paulo César Faria obteve o impulso necessário para abraçar de vez a condição de sambista nos anos 70, em um período em que a música popular brasileira sofria com as censuras da Ditadura Militar.

Paulinho da Viola herdou do mestre Cartola um intimismo com suas canções que as tornam sinceras, tocantes

O sambista já estava envolvido no cenário musical desde os anos 1960, gravando duetos com Elton Medeiros e colaborando com Cartola na profusão de letras densas, sentimentais. Hoje, Paulinho da Viola já abandonou as bebidas, mas permanece com a importante alcunha de ser o maior sambista vivo.

E não é exagero nenhum ovacionar a impecável produção de um dos seus discos mais importantes,Dança da Solidão. Lançado em 1972, a obra navega pelos mais densos sentimentalismos do músico. Paulinho herdou de Cartola um intimismo com suas canções que as tornam sinceras, tocantes. Só que, ao contrário do mestre que se deixava ofuscar pela morbidez, Paulinho transpunha para a viola suas desilusões, como mostra a faixa-título do álbum.

Em relação à produção, Milton Miranda e Maestro Gaya deixaram o som limpo para a viola fluir naturalmente em meio às percussões, os violinos e cavaquinhos. “Coração Imprudente” cai mais para o gingado da canção ao invés de adotar um tom deprimente pelo ‘coração machucado’. É como se o samba confortasse o músico assim como uma família ajuda a superar as maiores misérias amorosas.

Mas engana-se quem pensa que a faceta triste é o grande marco desse disco. “Guardei Minha Viola” começa com uma alegria jovial para afastar as desilusões de sua viola. Paulinho tem o instrumento como uma lembrança vivaz de um ‘alguém que só me fez ingratidão’, aceitando a condição de sensível enquanto músico.

Na faixa seguinte, o sambista já volta ao seu lado terno. ‘Eu sou assim/quem quiser gostar de mim/eu sou assim’, canta Paulinho em “Meu Mundo e Hoje (Eu Sou Assim)”. Ele se mostra como um homem feliz com suas condições sociais: as grandes reviravoltas na sua vida ocorrem com os amores. ‘Não levarei arrependimento/nem o peso da hipocrisia/tenho pena daqueles/que se agacham até o chão/por dinheiro ou posição’. Pois, ‘além de flores/nada mais vai no caixão’.

Paulinho também faz algumas releituras, como a sólida “Duas Horas da Manhã”, de Nelson Cavaquinho, e “Acontece”, de Cartola – dois dos mais tristes sambistas que serviram como inspiração para o músico. Além delas, Paulinho dá um tom orquestral para a belíssima “Falso Moralista”, de Nelson Sargento.

O jornalista Arley Pereira resumiu bem a obra desse álbum: “Um dos melhores discos da carreira de Paulinho da Viola, que fornece repertório para regravações de novas gerações que encontram nele a matéria-prima sempre perfeita para ouvidos de bom gosto”.

Não precisa dizer mais nada.