quarta-feira, 28 de outubro de 2015

ADEUS, ESTADO


por Yuri Vasconcelos Silva

Tenho um relacionamento complicado. Do tipo grande e inapropriado, como um hipopótamo num campo de golfe. Participa da minha vida desde que nasci – e estará presente mesmo depois que eu acinzentar em um forno crematório. Entre todas as inconveniências proporcionadas por esta relação, a mais desagradável é sua nada sutil interferência constante em minha vida pessoal. O Estado. Presente em todas as compras que eu faço, qualquer que seja o negócio, ele me observa e retira um naco. O Estado quer saber quanto eu ganho ou quanto eu perco. Devo provar minha capacidade em dirigir um veículo a cada cinco anos. Para cruzar linhas fronteiriças, ele exige um passaporte bisbilhotado a cada cinco anos também, o que significa, entre outras provas, apresentar até comprovantes de casamento e divórcio dos meus pais. Dizem, de forma rude, que é para averiguar meu sobrenome. Mas um homenzinho paranoico dentro de mim berra que isso é controle. O Estado cuida de minhas digitais, de minha identidade, da forma que dirijo meu carro e minha quitanda. Ele quer saber o que tenho em casa, qual o salário da minha mulher, onde passo minhas férias. Quando volto de uma viagem e retorno ao país, o Estado me olha como um delinquente, uma espécie de traidor. Ele arregaça minhas malas e pergunta de onde é meu relógio. Num guichê da Receita, sou culpado até que prove minha inocência. O Estado regula o preço da energia, num amplo espectro que vai do combustível à eletricidade do meu microondas. Esta relação tem sido sufocante.

Preciso de um tempo sozinho e até Marte me pareceu uma boa alternativa. Confesso, no entanto, que ainda não sei como começar esta conversa com ele.

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