É importante dizer, antes de mais nada, que o gênero Western não começou nos anos 40 ou 50, época de ouro dos faroestes americanos, com exemplos clássicos como “O Tesouro de Sierra Madre” (1948), “Johnny Guitar” (1954) ou o pai da linguagem western “No Tempo das Diligências” (1940), mas foi na verdade um dos primeiros gêneros cinematográficos de todos, isso devido ao marco “O Grande Roubo do Trem” (1903), filme mudo disponível no youtube aqui. Como Clint Eastwood – grande astro dos faroestes italianos e do movimento revisionista – certa vez disse, o western é, junto com o jazz, a única forma de arte genuinamente americana. O que acontece é que o filme de faroeste, para o expectador de primeira viagem, pode assustar por ter essa linguagem tão própria e característica, que hoje em dia, infelizmente, soa datada – mas não é. Experimente assistir de mente aberta para aproveitar mais. Apesar dos planos americanos (que mostram o ator do joelho para cima – um recurso criado para o expectador ver o ator e arma em um mesmo enquadramento -, muito usado hoje em dia em sitcoms como Two and a Half Man ou Friends), característicos dos anos 40, estarem sempre dando aquela sensação de incredibilidade, ou as atuações dá época, demasiadamente teatrais para um filme, desviando a atenção do foco, é possível sim se iniciar no mundo western sem necessariamente passar por uma sensação de estranheza. Experimente assistir “Bravura Indômita” (2010), refilmagem dos irmãos Coen para o clássico filme de 1969 estrelado por John Wayne, atualmente em cartaz nos cinemas nacionais.
“Onde Começa o Inferno” é o típico small town western, ou seja, não espere que os personagens saiam desbravando o interior americano com paisagens de tirar o fôlego, ou combates épicos contra os índios, isso porque o filme se passa todo dentro de uma cidade só (chamada Rio Bravo) e os cenários indoor são sempre os mesmos: A delegacia, a estalagem e o bar, com algumas variantes. Mas isso não impede o filme de persuadir o espectador à um estado de imersão, pelo contrário, nós nos sentimos iguais aos personagens, como se nós fôssemos também habitantes locais e amigos dos protagonistas.
Acompanhamos o xerife da cidade, John T, interpretado pelo Maior Ícone da história dos westerns, o mito, a lenda chamada John Wayne, que dessa vez faz a autoridade policial local, diferente da maioria de seus outros papéis onde ele faz o típico fora-da-lei machão mas de moral intocável, uma espécie de Robin Hood cowboy. A trama se desenvolve conforme John T. vai se encontrando gradativamente em uma difícil situação: Ele prende um sujeito que havia matado um homem à sangue frio no saloon da cidade, que por infeliz coincidência acaba por ser o irmão de um rico dono de terras, chamado Burdette. Burdette é famoso por ter em seu poder um pequeno exército de quase 40 homens armados, prontos para invadir a delegacia à qualquer momento, à qualquer custo. Mesmo com toda essa pressão, John T. não recua e responde à altura , diz que não deixará o homem sair de lá até ter pago sua dívida com a sociedade. Para tanto, ele conta com a ajuda de Stumpy (Walter Brennan, não perde o tom nunca), um velhinho que mal consegue andar, mas que não o impede de ficar sentado numa cadeira pronto para explodir os miolos de qualquer um que se aventure a adentrar a delegacia sem se identificar; Dude (Dean Martin, famoso artista americano, foi um premiado ator de cinema e televisão, além de músico), um alcoólatra que um dia já teve uma das pontarias mais rápidas do oeste – isso quando não está tremendo devido à abstinência alcoólica ou, propriamente dito, bêbado; O xerife ainda conta mais tarde com o grande apoio do jovem Colorado (Ricky Nelson, outro cantor que faz sua estréia no cinema nesse filme – ele inclusive solta a garganta junto com Dean Martin, em uma bela cena de confraternização na delegacia), um pistoleiro que, apesar de novo, prova ser muito valioso e muito talentoso também…
A história se desenvolve a partir deste conflito, com Burdette e John T trocando ameaças (e respondendo-as também), até que uma situação se apresenta para definir o fim da história. Howard Hawks filma como um mestre, faz aqui um de seus melhores trabalhos, ao lado de obras notáveis como El Dorado (1966, outro western), Os Homens Preferem as Loiras (1953, com a diva Marylin Monroe), Sargento York (1941) o primeiro Scarface (1932), e, por fim, sua obra-prima de um timing que faria Aaron Sorkin, roteirista de A Rede Social, colocar uma corda em seu pescoço e com um sorriso no rosto, pular da torre Eiffel – estou me referindo à comédia romântica Jejum de Amor (1940). Afinal, fazer John Wayne interpretar com romantismo (!) cenas de amor com Feathers, personagem de Angie Dickinson (linda, linda, linda nesse filme, viria a fazer anos mais tarde Vestida Para Matar, de Brian dePalma) é realmente obra de um diretor que realmente sabia o que estava fazendo.
Visualmente falando, o filme não inova, e nem se propõe a tal. Não há um único close-up em nenhum ator durante o filme, as cenas são sempre filmadas à certa distância, de modo que o espectador veja vários personagens em cena ao mesmo tempo que a ação acontece – nada como hoje em dia, que quando a célula de um personagem morre o diretor tem que cortar para mostrar tal evento, tão significativo para a trama. Há boatos também que a cidade cenográfica do filme foi construída em uma escala reduzida, o que faria com que os personagens se destacassem, além de mostrar a grandeza de cada um. O mais interessante aqui é o sublime trabalho subliminar do diretor, ou seja, a construção da tensão, não por cena, mas durante o filme inteiro. Isto é, as cenas trabalham juntas para chegar ao ápice de tensão concebido ao clímax do filme. No fim, a impressão que fica de Onde Começa o Inferno é que tudo não passa de apenas outro dia de trabalho no Oeste, para essas pessoas, tão corajosas, que têm de lidar com essa vida duríssima de privação de quase qualquer luxo possível na época, apesar de se tratar de uma história de superação, determinação e – o mais requisitado no Oeste Selvagem – os bons e velhos culhões. Como eu disse, para eles, John T e seus amigos, tudo não passa de mais uma aventura normal, advinda de se viver em um lugar tão inóspito e brutal com seus habitantes – The Wild West.
por Zippo
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