domingo, 28 de agosto de 2016
HÉLIO PELLEGRINO
Mensagens a Fernando Sabino
Na juventude, já grande amigo do escritor Fernando Sabino, Hélio Pellegrino lhe escreveu a seguinte mensagem:
"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo em sua liberrérima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece seu nome."
Muitos anos depois, quando completava 60 anos, Hélio reformulou o que havia escrito para Sabino, com muito humor:
"Quando você faz 20 anos está de manhã olhando o sol do meio dia. Aos 60 são seis e meia da tarde e você olha a boca da noite. Mas a noite também tem seus direitos. Esses 60 anos valeram a pena. Investi na amizade, no capital erótico, e não me arrependo. A salvação está em você se dar, se aplicar aos outros. A única coisa não perdoável é não fazer. É preciso vencer esse encaramujamento narcísico, essa tendência à uteração, ao suicídio. Ser curioso. Você só se conhece conhecendo o mundo. Somos um fio nesse imenso tapete cósmico. Mas haja saco!"
Os textos acima foram extraídos do livro "Hélio Pellegrino - A paixão indignada", da coleção "Perfis do Rio", Relume-Dumará / Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1998, pág. 11 e seguintes.
FONTE: http://www.releituras.com/helpellegri_mensag.asp
Na juventude, já grande amigo do escritor Fernando Sabino, Hélio Pellegrino lhe escreveu a seguinte mensagem:
"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo em sua liberrérima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece seu nome."
Muitos anos depois, quando completava 60 anos, Hélio reformulou o que havia escrito para Sabino, com muito humor:
"Quando você faz 20 anos está de manhã olhando o sol do meio dia. Aos 60 são seis e meia da tarde e você olha a boca da noite. Mas a noite também tem seus direitos. Esses 60 anos valeram a pena. Investi na amizade, no capital erótico, e não me arrependo. A salvação está em você se dar, se aplicar aos outros. A única coisa não perdoável é não fazer. É preciso vencer esse encaramujamento narcísico, essa tendência à uteração, ao suicídio. Ser curioso. Você só se conhece conhecendo o mundo. Somos um fio nesse imenso tapete cósmico. Mas haja saco!"
Os textos acima foram extraídos do livro "Hélio Pellegrino - A paixão indignada", da coleção "Perfis do Rio", Relume-Dumará / Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1998, pág. 11 e seguintes.
sábado, 27 de agosto de 2016
MANOEL DE BARROS
O livro sobre nada
É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais visível do que um poste.
Sábio é o que adivinha.
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato principal.
Não saio de dentro de mim nem pra pescar.
Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore.
Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem honras nem horizontes.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.
Eu queria ser lido pelas pedras.
As palavras me escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.
O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por pudor sou impuro.
O branco me corrompe.
Não gosto de palavra acostumada.
A minha diferença é sempre menos.
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora.
sexta-feira, 26 de agosto de 2016
LEON ELIACHAR
A mulher exemplar
Antes de tudo, linda. Esbelta. Elegante. Um olhar inteligente. Lábios frescos, bem vermelhos. Pele rosada. Cabelos castanhos claros. Joias caríssimas. Não fumava. Não bebia. Não jogava. Centenas de pessoas paravam para admirá-la. Era discutida. Na maioria das vezes elogiada. Enaltecida. Permanecia impassível. Indiferente. Seus olhos azuis pareciam brilhar de orgulho. Incapaz de dar um sorriso para quem quer que a fitasse. Era um quadro.
FONTE:
quarta-feira, 24 de agosto de 2016
Fantomas, o Guerreiro da Justiça
黄金 バット (Ōgon Bat)
Fantomas, o Guerreiro da Justiça ou Fantaman (em japonês: 黄金 バット , Sistema Hepburn: Ōgon Batto literalmente "Morcego Dourado"), é um super-herói japonês criado por Takeo Nagamatsu. Originalmente criado na década de 1930 para um kamishibai (teatro de papel), ao lado de outro personagem surgido em kamishibai no mesmo período, o Príncipe Gamma (em japonês: ガンマ王子), é apontado como um dos precursores dos super-heróis, antecedendo personagens como Superman (lançado em 1938) e Batman (lançado em 1939). O herói já foi adaptado para diversos outros meios, como mangá, cinema e anime.
O personagem surgiu em 1930 em kamishibais, uma especie de teatro, cujas histórias são contadas através de ilustrações, criado por Ichigo Suziki (escritor) e Takeo Nagamatsu (ilustrador).
O personagem foi adaptado para os mangás, um por Osamu Tezuka chamado Kaitō Ōgon Bat (1947) e outro um pelo próprio Takeo Nagamatsu em 1948, em 1966, foi adaptado para os cinemas no filme Ogon Bat produzido pela Toei Company e estrelado por Sonny Chiba. Em 1967, ganhou uma versão em anime foi dirigida por Noburu Ishiguro, e exibida no Japão entre 1967 e 1968 e, no Brasil, entre 1973 e 1984 pela TV Record. Tendo duas dublagens, a primeira chamada Fantomas e a segunda Phantaman, exibida no final dos 70 e começo dos 80.
Em 2000, o estúdio Anime International Company anunciou que estava produzindo um novo anime baseado no herói, porém o projeto foi cancelado.
Dr. Miller, um famoso arqueólogo deseja encontrar o continente perdido de Atlântida, mas o robô mão gigante do Dr. Zero afunda seu navio, apenas sua filha, Marie, sobrevive ao naufrágio. Ela é socorrida pelo Dr. Steel e pelo filho Terry em seu super carro, uma espécie de disco voador. Durante a viagem o supercarro necessita de água potável para seus motores, O Dr. Steel e Marie pousam em uma ilha que descobrem tratar-se da lendária Atlântida, agora de volta à superfície devido a uma explosão vulcânica.
Ao desembarcarem são atacados pela mão gigante. Em sua fuga, encontram acidentalmente a tumba do imperador Ogon Bat. Após decifrarem os hieróglifos, que dizem que a cada 10 mil anos, um grande mal ameaçará a Terra, e somente o guerreiro que está no esquife pode vencê-lo, Marie derrama água por sobre o esqueleto do sarcófago trazendo Fantomas de volta a vida. Fantomas destrói a mão robo gigante e salva Still e Marie.
Marie e o Dr. Sill se tornam protegidos de Fantomas e, quando necessário, Marie invoca o morceguinho dourado que se torna uma tatuagem no braço de Fantomas.
Entre seus superpoderes, Fantomas é constituído de um metal indestrutível, possui super velocidade e super força. Além disso, pode controlar tempestades, criar terremotos, voar e até viajar por outras dimensões.
Nos episódios da série, Fantomas enfrenta: O Gato Preto, O Vampiro, as Crianças Newton, o Máscara Negra e o Dr. Morte entre outros. Seu inimigo, Dr. Zero, não tem pernas e usa uma plataforma flutuante para se mover, sempre está vestido de preto, possui uma garra no lugar da mão esquerda, e uma carapuça com quatro olhos de cores diferentes que disparam raios multicoloridos e fatais.
Marie e o Dr. Sill se tornam protegidos de Fantomas e, quando necessário, Marie invoca o morceguinho dourado que se torna uma tatuagem no braço de Fantomas.
Entre seus superpoderes, Fantomas é constituído de um metal indestrutível, possui super velocidade e super força. Além disso, pode controlar tempestades, criar terremotos, voar e até viajar por outras dimensões.
Nos episódios da série, Fantomas enfrenta: O Gato Preto, O Vampiro, as Crianças Newton, o Máscara Negra e o Dr. Morte entre outros. Seu inimigo, Dr. Zero, não tem pernas e usa uma plataforma flutuante para se mover, sempre está vestido de preto, possui uma garra no lugar da mão esquerda, e uma carapuça com quatro olhos de cores diferentes que disparam raios multicoloridos e fatais.
FONTE: WIKIPÉDIA
PAULO LEMINSKI
Bem no fundo
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
domingo, 21 de agosto de 2016
sábado, 20 de agosto de 2016
quinta-feira, 18 de agosto de 2016
MARILYN & GROUCHO
*Fotografia feita durante a filmagem de "Love Happy"(1949), 14º e último filme dos Irmãos Marx. O filme, produzido pela ex-estrela do cinema mudo Mary Pickford, é estrelado por Harpo, Chico, e, em um papel menor do que o habitual, Groucho; além de Ilona Massey, Vera-Ellen, Paul Valentine, Marion Hutton, Raymond Burr, Bruce Gordon (em sua estréia no cinema), e Eric Blore; com uma pequena participação de Marilyn Monroe.
VINÍCIUS DE MORAES
Soneto da Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
quarta-feira, 17 de agosto de 2016
MOVIE STAR
NORMA SHEARER
Nascimento: 10/08/1902, Montreal, Canadá
Morte: 12/06/1983, Woodlad Hilld, Canadá
FERNANDO PESSOA
Cada palavra dita é a voz de um morto.
Aniquilou-se quem se não velou
Quem na voz, não em si, viveu absorto.
Se ser Homem é pouco, e grande só
Em dar voz ao valor das nossas penas
E ao que de sonho e nosso fica em nós
Do universo que por nós roçou
Se é maior ser um Deus, que diz apenas
Com a vida o que o Homem com a voz:
Maior ainda é ser como o Destino
Que tem o silêncio por seu hino
E cuja face nunca se mostrou.
terça-feira, 16 de agosto de 2016
CABEÇA DE PEDRA
Cova funda
Nunca tive medo da morte. Questão lógica. Nasceu, morreu. No meio tem um monte de atrapalhadas. Alguns momentos de extrema felicidade - e muitos de monotonia total. Desde que me entendo de gente, sempre falei sobre o vestir o paletó de madeira com a maior naturalidade, mesmo porque um avião poderia cair na minha cabeça a qualquer hora. Gostei de saber da moda no México onde uma funerária atende os pedidos do morto (quando vivo) e faz o velório nos lugares que ele mais gostou em vida. Tem um lindo, do sujeito sentado à mesa do bar e o resto em volta na maior naturalidade. Acho que ali, em vez de um gole ao santo, davam ao morto presente. Meu sonho nunca chegou a tanto. Primeiro porque velório não é uma palavra do meu dicionário. Acho tudo aquilo uma hipocrisia só. Por isso resolvi cavar minha cova desde que consegui sobreviver até os quarenta anos. Cavava devagar, num terreno à beira de um lago, silêncio quase total. Devagar, mas constantemente. O buraco passou - e muito! - dos tradicionais sete palmos. Mais parecia um poço. O tempo foi passando e eu me dedicando cada vez mais. Virou vício. Até que um dia me toquei e resolvi fazer outras coisas. Não deu. Morri atrofiado.
Nunca tive medo da morte. Questão lógica. Nasceu, morreu. No meio tem um monte de atrapalhadas. Alguns momentos de extrema felicidade - e muitos de monotonia total. Desde que me entendo de gente, sempre falei sobre o vestir o paletó de madeira com a maior naturalidade, mesmo porque um avião poderia cair na minha cabeça a qualquer hora. Gostei de saber da moda no México onde uma funerária atende os pedidos do morto (quando vivo) e faz o velório nos lugares que ele mais gostou em vida. Tem um lindo, do sujeito sentado à mesa do bar e o resto em volta na maior naturalidade. Acho que ali, em vez de um gole ao santo, davam ao morto presente. Meu sonho nunca chegou a tanto. Primeiro porque velório não é uma palavra do meu dicionário. Acho tudo aquilo uma hipocrisia só. Por isso resolvi cavar minha cova desde que consegui sobreviver até os quarenta anos. Cavava devagar, num terreno à beira de um lago, silêncio quase total. Devagar, mas constantemente. O buraco passou - e muito! - dos tradicionais sete palmos. Mais parecia um poço. O tempo foi passando e eu me dedicando cada vez mais. Virou vício. Até que um dia me toquei e resolvi fazer outras coisas. Não deu. Morri atrofiado.
CABEÇA DE PEDRA: http://cabecadepedra1.blogspot.com.br/
CHARLES BUKOWSKI
462-0614
agora recebo muitas chamadas de telefone
todas iguais
"é Charles Bukowski,
o escritor?"
"sim", eu lhes respondo.
e eles dizem que entendem minha
escrita,
alguns deles são escritores
ou querem ser escritores
e estão em empregos estúpidos e
horríveis
e não conseguem nem encarar a sala
o apartamento
as paredes
essa noite...
querem alguém com quem possam
conversar,
não podem acreditar
que não posso ajudá-los
que não conheço as palavras.
não podem acreditar
que agora mesmo
me dobro em meu quarto
segurando minhas entranhas
e dizendo
"Jesus Jesus Jesus,
de novo não!"
eles não podem acreditar
que as pessoas mal-amadas
as ruas
a solidão
as paredes
também são minhas.
e quando desligo o telefone
eles acham que escondi o
jogo.
não escrevo a partir da sabedoria.
quando o telefone toca
eu também gostaria de ouvir palavras
que pudessem aliviar um pouco alguma
dessas coisas.
é por isso que meu nome está na
lista.
*O amor é um cão dos diabos, 2007. (pgs. 108-109)
todas iguais
"é Charles Bukowski,
o escritor?"
"sim", eu lhes respondo.
e eles dizem que entendem minha
escrita,
alguns deles são escritores
ou querem ser escritores
e estão em empregos estúpidos e
horríveis
e não conseguem nem encarar a sala
o apartamento
as paredes
essa noite...
querem alguém com quem possam
conversar,
não podem acreditar
que não posso ajudá-los
que não conheço as palavras.
não podem acreditar
que agora mesmo
me dobro em meu quarto
segurando minhas entranhas
e dizendo
"Jesus Jesus Jesus,
de novo não!"
eles não podem acreditar
que as pessoas mal-amadas
as ruas
a solidão
as paredes
também são minhas.
e quando desligo o telefone
eles acham que escondi o
jogo.
não escrevo a partir da sabedoria.
quando o telefone toca
eu também gostaria de ouvir palavras
que pudessem aliviar um pouco alguma
dessas coisas.
é por isso que meu nome está na
lista.
*O amor é um cão dos diabos, 2007. (pgs. 108-109)
quinta-feira, 11 de agosto de 2016
quarta-feira, 10 de agosto de 2016
DISCOTECA BÁSICA
Aretha Franklin
I Never Loved a Man the Way I Love You (1967)(Edição 83,Junho de 1992)
por José Augusto Lemos
O grande Otis Redding balança os braços e reclama com o vice-presidente da Atlantic Records, Jerry Wexler: "Acabo de perder a minha música. Essa garota a roubou de mim."
Essa "garota" de 24 anos chamava-se Aretha Franklin, e Otis tinha razão de se sentir mordido. Dois anos antes, "Respect", de sua autoria, chegara ao 35° posto do Hot 100 da Billboard. Agora, abril de 67, na voz de Aretha, a canção ocupava pela segunda semana o primeiro lugar. Mas não era a isso que ele se referia.
O original esparso e seco de Redding havia sido virado do avesso, como se não passasse de um simples rascunho. Uma levada venenosa de guitarra e metais atravessava toda a música, puxada por um delirante transe gospel de chamada-e-resposta. A letra - Otis reclamando de sua vida conjugal - ganhava uma nova ênfase com as vozes de Aretha e sua irmã Carolyn acrescentando todo tipo de imprecação furiosa, metralhando em staccato: "Re-re-re-respect! (just a little bit, just a little bit)", antes de explodir, soletrando no refrão: "R-E-S-P-E-C-T!... find out what it means to me!... R-E-S-P-E-C-T!... sock it to me, sock it to me, sock it to me!"
A garota que seria batizada de Lady Soul vinha mesmo da igreja e contava com mais de dez anos de estrada. Nascida em Memphis, mas criada em Detroit, tinha seis anos quando a mãe abandonou seu pai, o reverendo C.L. Franklin, pregador superstar no circuito gospel.
A garotinha cresceu no colo dos maiores cantores do gênero: Mahalia Jackson, James Cleveland, as Ward Singers e os Soul Stirrers - comandados por R.H. Harris e seu discípulo Sam Cooke. Foi Sam, ídolo e amigo, quem a encorajou a segui-lo na travessia do gospel para a música secular (ou "pop").
Aos 14 anos, Aretha já chamava a atenção no coral da New Bethel Baptist Church, a igreja de seu pai, com o qual chegou a gravar para o selo JVB. Aos 18 era levada para a Columbia, pelas mãos do produtor John Hammond, que tentou transformá-la numa espécie de diva-jazz com só uma pitada de R&B. Foram cinco anos gravando standards da Broadway e outras "pérolas do cancioneiro". Não podia mesmo dar certo.
"Eu queria devolvê-la à igreja", foi a explicação de Jerry Wexler, vice-presidente da Atlantic Records. O selo de Nova York comandava o mercado de R&B desde que lançara Ray Charles, e sua grande fonte de renda no momento era a distribuição dos selos independentes do Sul, como a Stax/Volt de Memphis e Fame de Muscle Shoals, Alabama.
Foi para este peculiar celeiro de hits que Wexler levou Aretha em janeiro de 67. Obtivera grandes resultados com Wilson Pickett e agora repetia a dose.
O chamado hard soul de Muscle Shoals - R&B cru e áspero, meio country - merece um capítulo à parte na história do pop. Um bando de brancos de alma preta, "soul cowboys", num estúdio montado dentro de um barraco, criando/arranjando/produzindo clássicos em série, comandados pela dupla de compositores Dan Penn e Chips Moman e apoiados pelos monstruosos Spooner Oldham, nos teclados, e Roger Hawkins, na bateria.
Como produtor, Wexler optou por deixar Aretha gravar primeiro, sozinha ao piano, para só depois o staff da Fame trabalhar em cima. A gravação, tumultuada, só durou uma tarde. Aretha voltou para Nova York e Wexler a seguiu depois, levando a fita com apenas duas canções finalizadas.
Pode ser que você nunca tenha ouvido falar nesse disco (fora de catálogo no Brasil desde que se esgotou sua primeira edição). Mas se tiver em casa o incendiário Volume 6 da série Atlantic Rhythm&Blues, conhece estas duas obras-primas: lados A e B do primeiro compacto de Aretha pelo seu novo selo.
Mesmo antes de ela abrir a boca, "I Never Loved A Man (The Way I Love You)" já arrepia a espinha com o piano elétrico de Oldham e a guitarra de Moman. Depois, então... a América e o mundo caíram diante da verdadeira Aretha Franklin.
Já a balada "Do Right Woman - Do Right Man" (de Dan Penn e Chips Moman) é uma espécie de resposta a "ItÕs A ManÕs World" de James Brown.
Quem assistiu a O Cabo do Medo, de Scorsese, lembra como esta música - junto com o livro Sexus, de Henry Miller, e a planta conhecida em português oficial como cânhamo - é utilizada pelo psicopata vingativo para seduzir, com extrema maestria, a mocinha indecisa entre puberdade e adolescência. Não seria exagero dizer que o disco inteiro, e esta música em particular, está para o pop negro como O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, está para o mundo das letras.
Em um dia de trabalho, dois clássicos e um single entre os Dez Mais. Wexler não perdeu tempo: mandou o pessoal vir até Nova York para mais duas sessões. Resultado: o estouro de "Respect".
Mais cinco dias e o álbum estava pronto, mantendo a carga desenfreada de gospel e R&B de seus primeiros hits.
"Dr. Feelgood" explora o mesmo tema de "I Never Loved...": turbulenta dependência sexual, discutida com as cartas abertas em cima da mesa, refletindo a relação de Aretha com o co-autor da música, seu então marido e empresário, Ted White.
A outra co-composição de White, "DonÕt Let Me Lose This Dream", é uma balada soul com glacê meio bossa nova, meio baião à moda de Burt Bacharach.
Outras faixas, como "Save Me" e "Soul Serenade", escancaram a importância da irmã Carolyn e do saxofonista King Curtis, diretor musical das bandas que acompanharam Aretha até morrer esfaqueado numa briga de bar em 71. Pois é na tapeçaria dos metais com os backings vocals que Aretha rasga garganta e coração.
I Never Loved A Man... inclui ainda um tributo ao mestre Sam Cooke - as covers para "Good Times" e "A Change Is Gonna Come" - e foi apenas o primeiro de uma série de quatro LPs seguindo fielmente esta receita de "hard soul sulista", todos absolutamente "básicos".
terça-feira, 9 de agosto de 2016
CABEÇA DE PEDRA
Murrasco
Murrasco. A palavra veio no meio de uma conversa - mas só na minha cabeça. Não soube o motivo e não sabia o significado. Passei quase 24 horas encafifado. Claro que procurei no gugol e nos dicionários tradicionais. Nada. No meio da madrugada ouvi uma voz. Era da minha mãe: "Onde você esteve, peste, que está com esse cheiro de murrasco?" Seria o que o cheiro? Mais alguns dias com aquilo martelando e lá vem de novo minha mãe, que deus a tenha, falando em fogueira, em fumaça. Era isso! Aquele cheiro que fica impregnado até na alma se ficamos perto de uma fogueira ou mesmo churrasqueira fumacenta. Murrasco! Então pensei nas festas de fim de semana dos bacanas de Brasília, onde carnes nobres são servidas, etc. Os poderosos se entopem de comida - e os pobres empregados ficam com o murrasco. Assim é.
Murrasco. A palavra veio no meio de uma conversa - mas só na minha cabeça. Não soube o motivo e não sabia o significado. Passei quase 24 horas encafifado. Claro que procurei no gugol e nos dicionários tradicionais. Nada. No meio da madrugada ouvi uma voz. Era da minha mãe: "Onde você esteve, peste, que está com esse cheiro de murrasco?" Seria o que o cheiro? Mais alguns dias com aquilo martelando e lá vem de novo minha mãe, que deus a tenha, falando em fogueira, em fumaça. Era isso! Aquele cheiro que fica impregnado até na alma se ficamos perto de uma fogueira ou mesmo churrasqueira fumacenta. Murrasco! Então pensei nas festas de fim de semana dos bacanas de Brasília, onde carnes nobres são servidas, etc. Os poderosos se entopem de comida - e os pobres empregados ficam com o murrasco. Assim é.
CABEÇA DE PEDRA: http://cabecadepedra1.blogspot.com.br/
domingo, 7 de agosto de 2016
PABLO NERUDA
O teu riso
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
sábado, 6 de agosto de 2016
MATA HARI
Margaretha Geertruida Zelle nasceu em 7 de agosto de 1876 e faleceu em 15 de outubro de 1917. Foi uma famosa bailarina de strip-tease, que foi condenada à morte por espionagem e executada durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Em 1917, sete meses antes do final da "Grande Guerra", foi submetida a julgamento na França acusada de espionagem, de ser uma agente dupla para a Alemanha e de ter sido a causa da morte de milhares de soldados. Foi declarada culpada sem provas conclusivas e baseadas em hipóteses não provadas, o que hoje em dia (princípios do século XXI), não se repetiria em um julgamento moderno. Foi executada pelo pelotão de fuzilamento. A lenda sustenta que a esquadra teve que ser vendada para não sucumbir a seus encantos, no entanto, é fato provado que lançou um beijo de despedida a seus executores e que, dos 12 soldados que constituíram o pelotão de fuzilamento, curiosamente só 4 disparos a acertaram, um deles no coração que foi o que lhe causou a morte instantânea. O oficial encarregado, como assim se dispunha nestes casos, concluiu o ato desnecessariamente com um disparo na cabeça. A notícia percorreu o mundo. Houve inclusive um relato jornalístico que detalhou este dramático momento descrevendo a expressão de seu rosto, o jeito como caiu e a posição final do corpo no solo. Seu corpo, que não foi enterrado, foi usado para estudos de anatomia dos estudantes de medicina, como se fazia com os condenados naquela época, mas sua cabeça permaneceu no Museu dos Criminosos da França até 1958, ano no qual foi roubada, com certeza, por um admirador.
CECÍLIA MEIRELES
Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
sexta-feira, 5 de agosto de 2016
CABEÇA DE PEDRA
Hora da cobrança
A fatura do corpo um dia aparece. É a cobrança. Ela veio com a idade, exatamente quando ele achava que estava numa fase esplendorosa. Tinha passado por tudo na época em que se achava imortal. E não é que era mesmo! Experimentou todas as drogas lícitas e ilícitas e o máximo que ficou marcado no corpo foi uma cicatriz no meio da testa - porque acertou um poste durante uma apagamento de bebedeira. Sobrevivente, espantou a todos por virar um careta que só tomava água. Até que um dia... Acordou estranho, corpo ardendo em febre. O primeiro espirro foi tão forte que quase uma ponte-móvel voou boca afora. No segundo, escorreu aquela nata do nariz. Ele chamou a mulher e pediu um papel para escrever o testamento. Ela disse para se acalmar, afinal, aquilo era apenas uma gripe. Ele não ouviu. Pediu que telefonasse para um amigo dono de hospital. Queria reservar uma UTI.
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quinta-feira, 4 de agosto de 2016
JOÃO CABRAL DE MELO NETO
O Relógio
Ao redor da vida do homem
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.
Se são jaulas não é certo;
mais perto estão das gaiolas
ao menos, pelo tamanho
e quadradiço de forma.
Umas vezes, tais gaiolas
vão penduradas nos muros;
outras vezes, mais privadas,
vão num bolso, num dos pulsos.
Mas onde esteja: a gaiola
será de pássaro ou pássara:
é alada a palpitação,
a saltação que ela guarda;
e de pássaro cantor,
não pássaro de plumagem:
pois delas se emite um canto
de uma tal continuidade.