FERNANDO PESSOA
do livro do desassossego
Criei-me eco e abismo, pensando. Multipliquei-me aprofundando-me. O mais pequeno episódio — uma alteração saindo da luz, a queda enrolada de uma folha seca, a pétala que se despega amarelecida, a voz do outro lado do muro ou os passos de quem a diz junta aos de quem a deve escutar, o portão entreaberto da quinta velha, o pátio abrindo com um arco das casas aglomeradas ao luar — todas estas coisas, que me não pertencem, prendem-me à meditação sensível com laços de ressonância e de saudade. Em cada uma dessas sensações sou outro, renovo-me dolorosamente em cada impressão indefinida. Vivo de impressões que me não pertencem, perdulário de renúncias, outro no modo como sou eu.
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