domingo, 24 de setembro de 2017

ALUCARDA



Original:Alucarda, la hija de las tinieblas
Ano:1977•País:MÉXICO
Direção:Juan López Moctezuma
Roteiro:Sheridan Le Fanu, Alexis Arroyo, Tita Arroyo, Juan López Moctezuma, Yolanda López Moctezuma
Produção:Max Guefen, Juan López Moctezuma, Eduardo Moreno
Elenco:Claudio Brook, David Silva, Tina Romero, Susana Kamini, Lili Garza, Tina French, Birgitta Segerskog, Martin LaSalle


O cinema de horror produzido na América Latina ainda não obteve o merecido reconhecimento das novas gerações de críticos e cinéfilos. Existem obras muito interessantes vindas da Argentina, do Chile e principalmente do México. Não é por acaso que um dos principais autores do moderno cinema fantástico – Guillermo Del Toro – seja mexicano. O país tem uma cultura muito rica e toda uma tradição de culto aos mortos, muitas cores, uma mistura das antigas civilizações com a cultura imposta pelos espanhóis, entre diversos elementos que fizeram do México uma fonte de grandes escritores, pintores, diretores e fotógrafos. Um dos mais importantes autores, ligado diretamente ao cinema fantástico produzido no México, é Juan Lopez Moctezuma, criador de um emblemático filme de horror de imagens perturbadoras: Alucarda.

Moctezuma foi amigo e colaborador de dois grandes nomes da vanguarda do séc XX: o dramaturgo e diretor Fernando Arrabal e o cineasta Alejandro Jodorovski. Com os dois amigos, Moctezuma fundou o Teatro Le Panique, um movimento estético e inovador de encenação onde o transe, a força e a histeria dos atores eram privilegiados. Com Arrabal e Jodorovski, Moctezuma colaborou com o polêmico filme Fando e Lis, que causou a expulsão de Jodorovski de um festival de cinema no México. Somente com Jodorovski, ele colaborou com o primeiro cult movie da história do cinema: El Topo. Após esses primeiros experimentos com os dois famosos amigos, Moctezuma resolveu dirigir seu primeiro projeto: The Mansion of Madness, livremente inspirado na obra de Edgar Allan Poe. Logo em seguida ele lança seu filme mais popular: Alucarda – La Hija de las Tinieblas, 1972.

Alucarda é mais uma adaptação livre da história sobre a vampira Carmilla, que teve muitas adaptações famosas, principalmente as da produtora inglesa Hammer. A leitura de Moctezuma reúne uma série de subgêneros do horror cinematográfico. Em cena vemos, já na abertura, a vinda ao mundo de uma criança amaldiçoada, uma filha das trevas, numa referência ao sub-título em espanhol do filme. A atriz que faz o papel da mãe é Tina Moreno, a mesma que irá interpretar a sombria protagonista do filme: Alucarda, uma jovem interna de uma escola religiosa mantida por freiras que parecem saídas de um quadro de Brughel, com seus corpos cobertos, tendo apenas o rosto de fora, quase como múmias. O ator David Silva interpreta o Padre Lázaro, o inquisidor chefe espiritual do convento que enxerga a presença do demônio em todos os lugares. Nesse clima medieval, em pleno séc XIX, surge em cena Justine, a jovem inocente que ao chegar no convento descobre que será colega de quarto de Alucarda. A aparição inicial de Alucarda em cena é muito impactante: ela surge como que saída das trevas do quarto, num artesanal, porém, eficiente truque de iluminação do diretor de fotografia Xavier Cruz.

Alucarda e Justine ficam amigas na hora e em um passeio no campo conhecem um cigano corcunda que as introduz no mundo sobrenatural de maneira definitiva. Moctezuma constrói, a partir do encontro das duas jovens com o cigano corcunda, uma série de sequências oníricas com fortes doses de erotismo e violência. Vemos as duas jovens nuas em um ritual de vampirismo lésbico, guiadas pelo cigano corcunda onde Justine experimenta o sangue de Alucarda. Os cenários simplórios ganham dimensões dramáticas fortes com o uso criativo da iluminação. Em determinado momento vemos a recriação com atores de uma famosa tela de Goya: “O Sabbath das Feiticeiras”, onde uma figura que remete ao demônio é rodeado de mulheres, conduzindo tudo ao transe e a orgia.

Após o encontro homoerótico de Alucarda e Justine, somos conduzidos ao mundo dos inquisidores quando o Padre Lázaro relata fatos macabros de possessões coletivas em mosteiros e conventos na Europa da Idade Média. Ao acusar as duas jovens de satanismo, inicia uma tortura violenta contra Justine, em uma angustiante sequência onde ela é perfurada por um enorme alfinete. Surge então o Dr Oszek, interpretado por Cláudio Brook, que também interpreta o cigano corcunda. Ele surge como a “voz da razão”, da Ciência, em contraponto com a figura autoritária do inquisidor Padre Lázaro. Esse confronto ganha contornos sobrenaturais quando ambos presenciam uma freira morta, após ser mutilada, voltando à vida. Temos em cena além de elementos de satanismo, vampirismo lésbico, torturas inquisitórias, o elemento dos zumbis, nesse filme que mescla muitos subgêneros, sem contar o nunexploitation na figura das freiras do convento e seu transe coletivo histérico.

As sequências mais importantes ficam para a parte final. Em uma delas vemos Moctezuma citando os clássicos da Hammer quando o corpo de Justine é encontrado em uma cripta. Seu corpo está em um caixão repleto de sangue. Nua e ensanguentada ela ataca uma das freiras com uma violenta mordida no pescoço, fazendo o sangue jorrar como nos melhores filmes de zumbis que seriam feitos posteriormente. O delírio de fogo mostra Alucarda em um duelo sobrenatural no convento. A montagem que intercala o olhar de Alucarda com as chamas é sensacional, culminando nas perturbadoras imagens dos crucifixos em chamas. Moctezuma fecha sua obra com grande força cênica em um filme de muitos momentos raros, resumidos nesta análise.

A melhor edição em DVD de Alucarda saiu pela distribuidora Mondo Macabro, com excelentes extras que incluem além de um documentário, uma entrevista justamente com um dos famosos admiradores desse filme: o já citado Guillermo Del Toro. Alucarda é um filme realmente inesquecível…


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