terça-feira, 17 de maio de 2016

A Casa com Janelas Sorridentes (1976)

 por  MARCOS BROLIA 


La casa dalle finestre che ridono / The House With Laughing Windows

1976 / Itália / 110 min / Direção: Pupi Avati / Roteiro: Pupi Avati, Antonio Avati, Gianni Cavina, Maurizio Costanzo / Produção: Antonio Avati, Gianni Minervini / Elenco: Lino Capolicchio, Francesca Marciano, Gianni Cavina, Giulio Pizzirani, Bob Tonelli, Vana Busoni

O filme completamente atmosférico de Pupi Avati infelizmente não tem o mesmo status que outras obras como Mario Bava e Dario Argento atingiram, e nem como as grosserias gráficas de Lucio Fulci. Mas na minha humilde opinião esta fita está entre os cinco melhores filmes de terror italianos de todos os tempos. Não é nem um giallo, nem um splatter, nem um filme sobrenatural. É uma mistura de elementos precisos que convergem em um final realmente impactante (e até estrambólico deixando a emoção um pouco de lado).

Os créditos do longa já são de meter medo em muito marmanjo e fazer o caboclo grudar no sofá. Uma figura masculina está sendo brutalmente torturada e esfaqueada em tom sépia, enquanto uma narração medonha e completamente esquizofrênica falando sobre sangue, cores, morte, pecado, sífilis, ecoa junto a excelente trilha sonora. Após isso, somos apresentados a Stefano (excelente atuação de Lino Capolicchio), um restaurador que vai até um inóspito, bucólico e distante vilarejo italiano, contratado para restaurar uma pintura destruída feita na parede de uma igreja, que parece ser o Martírio de São Sebastião, de um controverso pintor local chamado Buono Legnani, conhecido como “pintor da agonia”.
Reza a lenda local que Legnani era um cara completamente perturbado, que pintava tão bem seus quadros de mártires pelo simples fato de usar vítimas vivas, capturadas por suas duas irmãs tão desequilibradas quanto, que esfolavam o sujeito enquanto ele captava toda a dor com seu pincel e tintas. Como se não bastasse, ainda havia uma teoria de que os três costumavam praticar incesto e adoravam fazer um threesomeente irmãos. Legnani foi perseguido pelos aldeões e incendiado vivo, porém seu corpo nunca fora encontrado.

Tudo que gira em torno de Legnani é tratado com mistério e desconfiança pelos incautos moradores, que parecem ocultar algo sinistro em uma engendrada conspiração silenciosa. Antonio Mazza (Giulio Pizzirani), antigo amigo de Stefano que o indicou ao trabalho, começa a descobrir algumas pistas sobre o trabalho e paradeiro do “pintor da agonia” e suas irmãs e o que está por trás daquele terrível quadro. Porém, ele acaba assassinado para ser silenciado, como vem acontecendo frequentemente com todos aqueles que resolvem se meter neste assunto (isso nos faz remeter aos gialli), e o que vai acontecer também futuramente com Copolla (Gianni Cavina), taxista bêbado que tentará ajudar Stefano das investigações.

Todos os moradores daquela cidade são suspeitos e parecem ter algo a esconder, desde o prefeito anão Solmi (Bob Tonelli – que parece uma versão Al Capone de Tatu, de A Ilha da Fantasia), passando pelo pároco local e seu esquisito e arrepiante assistente, de Lidio (Pietro Brambilla) a uma decrépita velha paralítica (Pina Borione) que fica confinada na cama na casa onde Stefano está se hospedando. O herói ainda irá se envolver romanticamente com a bela Francesca (Francesca Marciano), professora da escola infantil do vilarejo. O problema todo para os dois começa quando Stefano fica obcecado por Legnani e toda a aura macabra que ronda sua história, tentado juntar pistas sobre seu paradeiro, sobre o que aconteceu com seu amigo, quem destruiu novamente a pintura com ácido após seu trabalho ter terminado, e escutando a tenebrosa fita que tem a narração do começo do filme.
Avati abusa da estética barroca para contar sua história, passeando por ambientes desoladores de uma cidade parada no tempo após a Segunda Guerra Mundial, com seus moradores esquisitos e construções desgastadas e destruídas, além dos pântanos encharcados por causa de uma cheia que praticamente acabou com o local. Fora isso, ao invés de violência extrema e sexo, tão costumeiros nos filmes italianos do período, o diretor prefere fixar-se no terror psicológico, no suspense crescente que vai se arrastando até seu final sem revelar nada, deixando o espectador literalmente angustiado até beirar o insuportável, jogando tragédias no caminho de Stefano até o final acachapante, que misturará sadismo, violência e necrofilia.

Mas claro, que escolados que somos no cinema de horror vindo da Itália, podemos esperar uma centena de buracos no roteiro que fará parecer um queijo suíço e uma sequência final, que por mais bizarra que seja, é completamente estrambólica e sem sentido, mas que acaba impactando por sua estranheza. ALERTA DE SPOILER. Pule para o próximo parágrafo ou leia por sua conta e risco. Após Francesca ser brutalmente assassinada por Lídio, Stefano finalmente se depara com o mistério por trás da história toda: ao subir no sótão da casa onde está hospedado, ele encontra o corpo do excêntrico ajudante da igreja pendurado exatamente como no começo do filme ou na pintura, sendo esfaqueado por duas senhoras, que são na verdade as nefastas irmãs Legnani. Uma inclusive sendo a paralítica que vivia confinada na cama (que já sacamos alguns frames antes do filme, ao vê-la cantando uma música em português, sendo que em determinado momento do longa, descobre-se que Buono e suas irmãs viveram um período no Rio de Janeiro na década de 30). As duas mantém o corpo do irmão morto dentro de um tanque de formol guardado dentro do armário, e segundo elas, ainda praticava sexo com o mesmo. Stefano é violentamente esfaqueado e toda a cidade recusa-se a prestar socorro, até ele adentrar a igreja pedindo auxílio ao padre. Até aí tudo bem, quando descobrimos que o padre é na verdade a outra irmã. Ele é uma travesti/transexual que se disfarça de padre, e até mostra o peitinho de fora para comprovar. Imediatamente a imagem da Luiza Erundina me veio à cabeça ao encarar aquele padre como mulher. Enfim, é de deixar qualquer um boquiaberto com a bizarrice.

Agora você me pergunta: “Marcos, mas o porquê do título, A Casa com Janelas Sorridentes?”. E eu lhe respondo, caro fã do horror: porque a casa no meio do charco onde Buono e suas irmãs perversas moravam tem na parte de trás estranhos sorrisos pintados em tornos das janelas (essa da foto aí embaixo). Fato é, assista a este filme. Um dos melhores exemplares do cinema de terror italiano em todos os seus quesitos, até nos mais absurdos.

Era uma casa muito engraçada…


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