Alexander entra deslizando seus dedinhos pelos tijolos expostos e justapostos que formam as paredes externas, uma casca que protege em seu interior devaneios em telas. Invólucro feito da mesma terra onde nascem as casas, os alimentos e os homens. De cor vermelho alaranjado, esfarelento ao contato com a pele. Quente mesmo quando o dia é chumbo frio, e bruto à vista. Alexander me pergunta por que o prédio não está terminado. Parece ser velho. Apenas aceno com a cabeça enquanto dou tapas em suas palmas para retirar os farelos do velho edifício. Alexander tem 7 anos.
Mais interessado na lanchonete do que nas galerias, ele admira empanadas e tortas na vitrine da cafeteria. Explico que o prédio é de fato um senhor com mais de 100 anos, projetado por um arquiteto bastante popular na época, o Ramos de Azevedo. Mas passou por uma intervenção em 1990, sob o traço de um outro conhecido arquiteto contemporâneo. Paulo Mendes da Rocha. Alexander vira o azul de seus olhos para mim e afirma que não tem nada de novo ali, que o prédio parece velho. Explico que a reforma teve o respeito de ser sutil, respeitando o que o outro arquiteto, naquele outro tempo, havia projetado para o edifício. Mas, reforço ao guri erguendo um pão de queijo aos céus, não só por isso o arquiteto do nosso tempo deixou de imprimir sua marca. Então caminhamos até o pátio no miolo da construção. Apontei a cobertura para o Alexander. Veja como é leve, como a teia de uma aranha. É quase invisível, repousada e esticada pelas sólidas paredes em tijolo aparente, mas se mostra ao balanço da luz e do vento. Perceba como a luz transpassa pela cobertura e se esparrama aqui dentro. Siga a sombra da estrutura da cobertura caminhar lentamente, impressa, sobre paredes e piso. Alexander mira o alto e até parece entender o que eu quero dizer. Mas entendo que palavras são insuficientes para descrever experiências espaciais de lugares como este. Então aponto para as passarelas que cruzam um lado ao outro, irrompendo das aberturas originais. Elas são também metálicas, como a cobertura zenital. O arquiteto escolheu material leve e também diferente de tudo que existia no princípio, para criar uma dualidade clara do que é original e o que é contemporâneo. Este arquiteto gosta do básico e do simples, como acontecia na arquitetura modernista. É preto no branco. São depurações extremas do significado de uma escada, um corrimão, uma parede ou um teto. Já te mostrei isso em outras exemplos, Alexander. Lembra daquela casa de campo nos Estados Unidos, toda branca e transparente. Ou em Curitiba, aquelas casas elegantes do Artigas? Os paulistas sempre gostaram muito dos materiais como eles saem da fábrica. Casas sem maquiagens ou adornos, e isso foi, em boa parte, revelado pelo Artigas. De fato, ele influenciou muitos arquitetos daqui, inclusive o Paulo Mendes. O concreto, especialmente o aparente, o tijolo, o metal e a crueza destes materiais sem qualquer pudor, em tom bruto e desnudo, definem boa parte da arquitetura desta cidade. Paulo Mendes da Rocha não apenas revitalizou esta Pinacoteca, ajudou a criar a identidade de São Paulo. São casas, museus, galerias de arte, edifícios públicos. Ele ganhou o Pritzker há um tempo e agora mesmo acaba de receber um importante reconhecimento da arquitetura mundial em Veneza, pelo conjunto de seu trabalho. O Leão de Ouro. Aliás, este evento tem a direção do arquiteto Aravena, que ganhou o Pritzker este ano e é nosso vizinho, do Chile. Perceba, Alexander, como tudo se conecta, da mesma forma que esta cobertura e suas linhas. Paulo Mendes da Rocha, Vilanova Artigas, Aravena, a arquitetura de São Paulo, da América Latina. Tudo converge para um ponto comum: a busca do espaço inclusivo, o lugar que é para todos.
Dei-me conta que Alexander não está mais comigo. Voltou para a cafeteria. Talvez o mais importante na arquitetura seja a cozinha. É onde está a comida e o fogo. Não existe lugar mais inclusivo e confortável em qualquer casa, edifício ou cidade.
* Paulo Mendes da Rocha e Oscar Niemeyer são os únicos arquitetos brasileiros ganhadores do Pritzker, reconhecimento máximo da arquitetura internacional; Vilanova Artigas foi um dos fundadores da escola paulista e brutalista da arquitetura nacional. Nasceu em Curitiba;
Mais interessado na lanchonete do que nas galerias, ele admira empanadas e tortas na vitrine da cafeteria. Explico que o prédio é de fato um senhor com mais de 100 anos, projetado por um arquiteto bastante popular na época, o Ramos de Azevedo. Mas passou por uma intervenção em 1990, sob o traço de um outro conhecido arquiteto contemporâneo. Paulo Mendes da Rocha. Alexander vira o azul de seus olhos para mim e afirma que não tem nada de novo ali, que o prédio parece velho. Explico que a reforma teve o respeito de ser sutil, respeitando o que o outro arquiteto, naquele outro tempo, havia projetado para o edifício. Mas, reforço ao guri erguendo um pão de queijo aos céus, não só por isso o arquiteto do nosso tempo deixou de imprimir sua marca. Então caminhamos até o pátio no miolo da construção. Apontei a cobertura para o Alexander. Veja como é leve, como a teia de uma aranha. É quase invisível, repousada e esticada pelas sólidas paredes em tijolo aparente, mas se mostra ao balanço da luz e do vento. Perceba como a luz transpassa pela cobertura e se esparrama aqui dentro. Siga a sombra da estrutura da cobertura caminhar lentamente, impressa, sobre paredes e piso. Alexander mira o alto e até parece entender o que eu quero dizer. Mas entendo que palavras são insuficientes para descrever experiências espaciais de lugares como este. Então aponto para as passarelas que cruzam um lado ao outro, irrompendo das aberturas originais. Elas são também metálicas, como a cobertura zenital. O arquiteto escolheu material leve e também diferente de tudo que existia no princípio, para criar uma dualidade clara do que é original e o que é contemporâneo. Este arquiteto gosta do básico e do simples, como acontecia na arquitetura modernista. É preto no branco. São depurações extremas do significado de uma escada, um corrimão, uma parede ou um teto. Já te mostrei isso em outras exemplos, Alexander. Lembra daquela casa de campo nos Estados Unidos, toda branca e transparente. Ou em Curitiba, aquelas casas elegantes do Artigas? Os paulistas sempre gostaram muito dos materiais como eles saem da fábrica. Casas sem maquiagens ou adornos, e isso foi, em boa parte, revelado pelo Artigas. De fato, ele influenciou muitos arquitetos daqui, inclusive o Paulo Mendes. O concreto, especialmente o aparente, o tijolo, o metal e a crueza destes materiais sem qualquer pudor, em tom bruto e desnudo, definem boa parte da arquitetura desta cidade. Paulo Mendes da Rocha não apenas revitalizou esta Pinacoteca, ajudou a criar a identidade de São Paulo. São casas, museus, galerias de arte, edifícios públicos. Ele ganhou o Pritzker há um tempo e agora mesmo acaba de receber um importante reconhecimento da arquitetura mundial em Veneza, pelo conjunto de seu trabalho. O Leão de Ouro. Aliás, este evento tem a direção do arquiteto Aravena, que ganhou o Pritzker este ano e é nosso vizinho, do Chile. Perceba, Alexander, como tudo se conecta, da mesma forma que esta cobertura e suas linhas. Paulo Mendes da Rocha, Vilanova Artigas, Aravena, a arquitetura de São Paulo, da América Latina. Tudo converge para um ponto comum: a busca do espaço inclusivo, o lugar que é para todos.
Dei-me conta que Alexander não está mais comigo. Voltou para a cafeteria. Talvez o mais importante na arquitetura seja a cozinha. É onde está a comida e o fogo. Não existe lugar mais inclusivo e confortável em qualquer casa, edifício ou cidade.
* Paulo Mendes da Rocha e Oscar Niemeyer são os únicos arquitetos brasileiros ganhadores do Pritzker, reconhecimento máximo da arquitetura internacional; Vilanova Artigas foi um dos fundadores da escola paulista e brutalista da arquitetura nacional. Nasceu em Curitiba;
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