terça-feira, 20 de setembro de 2016

O MANUSCRITO DE SARAGOÇA

por  Sérgio Alpendre

Em 1994, Quentin Tarantino impressionou meio mundo cinematográfico com a narrativa não linear de ''Pulp Fiction - Tempo de Violência''. Longe de ser uma novidade, o diretor tem seus méritos: soube conjugar um espírito pop delicioso com a narrativa intrincada, utilizou muito bem John Travolta, que andava esquecido na época, e aproveitou-se de um tipo de humor cool, bem típico dos anos 1990.

Mas esse filme súmula parece de uma caretice tremenda quando comparado a ''O Manuscrito de Saragoça'', a obra-prima realizada pelo diretor polonês Wojciech Has em 1965. Isso se não resolvermos comparar com o recente ''A Origem'', de Christopher Nolan. A surra seria indescritível.

Sua narrativa manda Tarantino para o jardim da infância do cinema: dois oficiais inimigos encontram-se num casebre espanhol durante as guerras napoleônicas. Lá eles encontram o manuscrito do título, que faz com que as inimizades sejam esquecidas em favor da leitura atenta das histórias ali presentes.

Vamos, assim, para a história-base do filme, que acompanha um militar belga vivido pelo grande astro polonês Zbigniew Cybulski (de ''Cinzas e Diamantes'', o clássico de Andrej Wajda). Em sua jornada, ele encontra outros personagens, incluindo dois enforcados que costumam ressuscitar, duas irmãs que se amam e amam os homens lançando-os feitiços.

Conforme ele vai encontrando as pessoas, novas histórias surgem, e em determinado momento temos dificuldade de acompanhar em que camada estão as histórias, pois cada personagem no filme narra a sua, e elas frequentemente se encontram, numa multiplicação original dos pontos de vista (e é aí que Tarantino perde feio na comparação).

''O Manuscrito de Saragoça'' era adorado pelo diretor espanhol Luis Buñuel (de ''A Bela da Tarde''), que em sua autobiografia revelou: ''filme que vi três vezes, o que é excepcional''. Podemos entender o porquê. Com seu clima onírico, e suas histórias que se encavalam, se confundem e se estilhaçam durante as três horas de duração, é prato cheio para quem sempre contribuiu com a arte surrealista.

Os méritos do filme, entretanto, não param aí. Com movimentos de câmera esplendorosos, dignos dos grandes momentos de Max Ophuls (''Lola Montès''), Andrei Tarkovski (''Solaris'') e Kenji Mizoguchi (''O Intendente Sansho''), e uma fotografia impecável em preto e branco, é plasticamente tão belo que por vezes sentimos vontade de dar pausa no DVD para ficar admirando as composições e os cenários.



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