CONFESSO, como Vinícius quanto ao casamento: fui, sou, sempre serei pobre. Ainda que tenha superado a condição no senso econômico-estatístico em alguns poucos salários-mínimos e no volume da cesta básica, sou pobre. Também pobre de espírito, no sentido bíblico, do vazio interior a ser preenchido por Deus; como não consigo, posso me dizer indigente, mendigo, um sem teto espiritual.
A pobreza está incorporada em minha alma, ainda que enalteça escola e a universidade públicas que me elevaram. Fosse hoje, estaria mais degraus abaixo, mesmo com o sistema de cotas para os excluídos. Tenho a pobreza nos ossos, refletida na quantidade de calças velhas e sapatos rengos, recalque da carência de infância e juventude com um par de cada um para enfrentar a vida e os elementos.
Ser pobre é sentimento agudo, dormente, surge quando não se espera. E dói, põe a vítima à margem, “a tropeçar no tapete das etiquetas”, como disse Fernando Pessoa. Produz a atitude negativa de manter distância dos (outros) pobres, que nos lembram quem fomos, o que somos, o que podemos voltar a ser. Recaí hoje nesse torvelinho de emoções ao deixar o cemitério, onde fui me despedir da amiga.
Cheguei lá de ônibus, passagem grátis da terceira idade. Na saída, generosidade dos ricos, um me oferece carona, carrão desses que valem o mesmo que apartamento de quatro quartos com suíte e garagem. No embarque olho a sola dos sapatos, pisei em cocô?; a cheirada discreta do sovaco, o desodorante não venceu?; a mão em concha na boca, mau hálito?. Menti um pretexto, tomei o ônibus da ida na volta.
Como fui reagir assim? A resposta veio em gestalt, sem raciocínio e arrazoado, da primeira fatia do inconsciente, encruzilhada do ego com o id: e se o gentil caronista não aguenta meu cheiro, põe os bofes para fora ao me entregar em casa? Não bastasse o recalque de pobre, adquiri o de fedido. De onde me surgiu isso?
A pobreza está incorporada em minha alma, ainda que enalteça escola e a universidade públicas que me elevaram. Fosse hoje, estaria mais degraus abaixo, mesmo com o sistema de cotas para os excluídos. Tenho a pobreza nos ossos, refletida na quantidade de calças velhas e sapatos rengos, recalque da carência de infância e juventude com um par de cada um para enfrentar a vida e os elementos.
Ser pobre é sentimento agudo, dormente, surge quando não se espera. E dói, põe a vítima à margem, “a tropeçar no tapete das etiquetas”, como disse Fernando Pessoa. Produz a atitude negativa de manter distância dos (outros) pobres, que nos lembram quem fomos, o que somos, o que podemos voltar a ser. Recaí hoje nesse torvelinho de emoções ao deixar o cemitério, onde fui me despedir da amiga.
Cheguei lá de ônibus, passagem grátis da terceira idade. Na saída, generosidade dos ricos, um me oferece carona, carrão desses que valem o mesmo que apartamento de quatro quartos com suíte e garagem. No embarque olho a sola dos sapatos, pisei em cocô?; a cheirada discreta do sovaco, o desodorante não venceu?; a mão em concha na boca, mau hálito?. Menti um pretexto, tomei o ônibus da ida na volta.
Como fui reagir assim? A resposta veio em gestalt, sem raciocínio e arrazoado, da primeira fatia do inconsciente, encruzilhada do ego com o id: e se o gentil caronista não aguenta meu cheiro, põe os bofes para fora ao me entregar em casa? Não bastasse o recalque de pobre, adquiri o de fedido. De onde me surgiu isso?
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