Shake For Me
sábado, 29 de abril de 2017
OTTO LARA RESENDE
Por que hei de agradar o rude sofrimento e mais rude torná-lo, na desesperança? Por que proclamar a tristeza inútil diante das coisas que secretamente e melhor compreendo? Não falarei do desamparo que finamente aperta os dedos na garganta. Não citarei o sentimento peculiar aos que têm propensão para o desengano e, mais do que nunca, ao crepúsculo, sentem-se traídos e ultrajados sem motivo. Não mais me referirei a estados de alma que nada contêm além de um vazio cinzento e interminável, um abismo de sombra e de abstrato, onde a tristeza rumina o seu cadáver.
Todos os gestos seriam inúteis. Nada salva e tudo nos perde e atraiçoa. O temor sustenta minhas interrogações e de repente me sinto só, perdidamente só e anterior a todos, como se ninguém mais houvesse. Tudo desaparece na refração das águas da memória. Vejo as imagens deformadas, mas que persistem, fantasmas íntimos. Rio e já não entendo; choro e me dilacero lentamente no tempo em que tudo está pesadamente mergulhado. Não grito porque o hábito se forma e o pudor defende. Conheço e entendo. Algumas vezes adivinho, mas não devasso. O que sabe deve calar-se para não ferir. Se digo, as palavras nada significam senão 0 prazer de proferi-las e achá-las bem achadas, não para que exprimam, mas simples jogo colorido que diverte. Não proporei normas, nem direi o que abomino. Deu-nos Deus a palavra para melhor silenciar. No inarticulado, me descubro um homem, com um nome, certos hábitos, fisionomia, alguns cacoetes e muitas possibilidades. Mas sobretudo vivendo por conta própria. Foi um ato irresponsável confiar-me a mim mesmo. Meu destino gira nos meus dedos. Não me pertenço e nem me encontro. O tormento da lembrança, como cãibra, paralisa os gestos e sobrepõe ao que é o que já foi. Calculadamente percorro o caminho da fatalidade, onde os abismos espreitam e aguardam a imagem quebrada, e cem vezes traída.
sexta-feira, 28 de abril de 2017
quinta-feira, 27 de abril de 2017
FERNANDO PESSOA
Do livro do desassossego
terça-feira, 25 de abril de 2017
FRANK ZAPPA
COSMIK DEBRIS
Frank Zappa & Mothers Of Invention
Stockholm, Sweden 8.21.73
Band:
Frank Zappa
Jean-Luc Ponty
George Duke
Tom Fowler
Ralph Humphrey
Ruth Underwood
Ian Underwood
Bruce Fowler
Frank Zappa & Mothers Of Invention
Stockholm, Sweden 8.21.73
Band:
Frank Zappa
Jean-Luc Ponty
George Duke
Tom Fowler
Ralph Humphrey
Ruth Underwood
Ian Underwood
Bruce Fowler
segunda-feira, 24 de abril de 2017
FARRAPO HUMANO
FARRAPO HUMANO (The lost weekend, 1945, Paramount Pictures, 101min) Direção: Billy Wilder. Roteiro: Charles Brackett, Billy Wilder, romance de Charles R. Jackson. Fotografia: John F. Seitz. Montagem: Doane Harrison. Música: Miklós Rósza. Figurino: Edith Head. Direção de arte/cenários: Hans Dreier, A. Earl Hedrick/Bertram Granger. Produção: Charles Brackett. Elenco: Ray Milland, Jane Wyman, Phillip Terry, Howard da Silva, Doris Dowling. Estreia: 16/11/45
7 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Billy Wilder), Ator (Ray Milland), Roteiro Adaptado, Fotografia em P&B, Montagem, Trilha Sonora Original
Vencedor de 4 Oscar: Melhor Filme, Diretor (Billy Wilder), Ator (Ray Milland), Roteiro Adaptado
Vencedor de 3 Golden Globes: Melhor Filme, Diretor (Billy Wilder), Ator (Ray Milland)
Vencedor de 2 prêmios no Festival de Cannes: Ator (Ray Milland), Grande Prêmio
Com medo das possíves consequências financeiramente desastrosas de um filme que abordasse sem meias-verdades o drama do alcoolismo, a indústria de bebidas dos EUA chegou até a Paramount Pictures em 1945 com uma proposta inusitada: comprar os negativos do novo filme de Billy Wilder por 5 milhões de dólares para impedir seu lançamento nos cinemas. É lógico que o estúdio declinou da oferta, e Wilder, irônico como sempre, declarou anos mais tarde que se tivesse sido ele o destinatário de tão generosa oferta a resposta teria sido positiva. Uma piada, é claro, já que sem “Farrapo humano” o cineasta austríaco não teria se firmado como um dos maiores diretores de Hollywood de todos os tempos – e de quebra, não teria ganho também seu primeiro Oscar (e o segundo, também, já que dividiu com seu parceiro habitual Charles Brackett a estatueta de roteiro). Incensado por crítica e pelo Festival de Cannes, “Farrapo humano” ainda saiu da cerimônia da Academia com dois outros importantes prêmios: melhor filme e ator (Ray Milland).
Até então um ator popular mas pouco levado a sério, Milland hesitou em aceitar dar a virada que sua carreira tanto precisava. O mundo estava saindo da II Guerra e um filme sério e pesado sobre o vício em álcool e seus efeitos não parecia algo que o público fosse adotar para fins de entretenimento. Essa não era, no entanto, a opinião de Billy Wilder, que, depois de ler o romance “The lost weekend”, de Charles R. Jackson, em uma viagem de trem, decidiu que sua adaptação seria seu filme seguinte ao noir “Pacto de sangue”, baseado no livro de Raymond Chandler. Ainda impressionado com as dificuldades que passou com Chandler durante a feitura do roteiro do filme – o escritor sofria de alcoolismo – Wilder imediatamente convenceu seu amigo Charles Brackett a acompanhá-lo no desafio de fazer do anti-heroi criado por Jackson um protagonista simpático o suficiente para não afugentar as plateias das salas de exibição. Depois que Cary Grant e José Ferrer recusaram estrelar a produção – talvez por medo que ela pudesse fracassar e matar suas carreiras – o estúdio acabou convencendo Ray Milland de que o papel poderia ser um divisor de águas em sua trajetória de ator. Mergulhado com dedicação na busca por uma atuação convincente, Milland acabou por passar por dificuldades inusitadas – internado espontaneamente na ala para dependentes de álcool em um hospital nova-iorquino, ele tentou fugir apavorado com o que viu e demorou a convencer os funcionários de que era apenas laboratório – e se viu, no fim do processo, não só com o Oscar de melhor ator, mas também com o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes e o Golden Globe.
Não é para menos: na pele de Don Birman, um escritor em meio a uma enorme crise criativa que tanto foi o catalisador de seu vício quanto sua consequência, Milland entrega uma performance de intensidade rara. Era a primeira vez que o cinema americano mostrava uma vítima de alcoolismo sem apoiar-se no humor ou como parte do elenco de coadjuvantes. Mais do que isso, o roteiro de Wilder e Brackett tampouco caía na tentação de fazer de seu protagonista um bêbado engraçadinho ou simpático, vítima das circunstâncias. Birman não hesita em mentir e roubar para sustentar seu vício, chegando a ser humilhado e sofrer na pele desde o desespero da abstinência até as temidas alucinações - que lhe chegam durante sua internação em um hospital que o faz tomar contato com outro lado de sua doença: a partir dali ela não é mais parte de um universo de bares e conversas inconsequentes ou subterfúgios que o fazem disfarçar o problema e minimizá-lo. Enfatizadas pela angustiante trilha sonora de Miklós Rozsa - também indicada à estatueta da Academia - as cenas em que Birman anda pelas ruas de Nova York tentando empenhar sua máquina de escrever para arrumar dinheiro para a bebida e quando rouba a bolsa de uma cliente de um bar são de uma força ainda hoje admiráveis e fascinantes. O "fim-de-semana perdido" do título original - que se refere aos dias em que Birnam aproveita uma viagem do irmão para entregar-se sem medo a seu vício - se escora na trêmula fotografia de John F. Seitz para carregar consigo uma plateia até então desacostumada a viagens tão realistas.
E justamente por causa do realismo de tais cenas, dirigidas com a firmeza e a inteligência características de Billy Wilder, não deixa de ser irônico que, à época de seu lançamento, o filme tenha sofrido tantos ataques. Não bastasse a reação totalmente negativa do público na primeira exibição do filme - segundo o diretor houve risadas do início ao fim da projeção - e o medo da Paramount a respeito de uma história tão pesada, entidades de combate ao vício do álcool se posicionaram contra "Farrapo humano" por acreditar que ele poderia incentivar o consumo da bebida. Quase engavetado pelo estúdio, a produção só chegou às telas devido ao respeito e ao prestígio de Wilder - e para surpresa de todos, o que parecia mais um projeto destinado ao fracasso acabou caindo nas graças da crítica e da Academia. De algo arriscado e corajoso, o filme marcou época, ganhou quatro dos sete Oscar a que foi indicado, levou 3 Golden Globes, dois prêmios no Festival de Cannes e se fixou na memória do público como a mais importante e relevante produção a respeito do tema. Graças ao roteiro conciso (que substituiu a homossexualidade do protagonista por um simples bloqueio criativo sem perder a força da trama), a direção criativa e à atuação milagrosa de Ray Milland, "Farrapo humano" é, ainda hoje, um filme irretocável e moderno.
7 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Billy Wilder), Ator (Ray Milland), Roteiro Adaptado, Fotografia em P&B, Montagem, Trilha Sonora Original
Vencedor de 4 Oscar: Melhor Filme, Diretor (Billy Wilder), Ator (Ray Milland), Roteiro Adaptado
Vencedor de 3 Golden Globes: Melhor Filme, Diretor (Billy Wilder), Ator (Ray Milland)
Vencedor de 2 prêmios no Festival de Cannes: Ator (Ray Milland), Grande Prêmio
Com medo das possíves consequências financeiramente desastrosas de um filme que abordasse sem meias-verdades o drama do alcoolismo, a indústria de bebidas dos EUA chegou até a Paramount Pictures em 1945 com uma proposta inusitada: comprar os negativos do novo filme de Billy Wilder por 5 milhões de dólares para impedir seu lançamento nos cinemas. É lógico que o estúdio declinou da oferta, e Wilder, irônico como sempre, declarou anos mais tarde que se tivesse sido ele o destinatário de tão generosa oferta a resposta teria sido positiva. Uma piada, é claro, já que sem “Farrapo humano” o cineasta austríaco não teria se firmado como um dos maiores diretores de Hollywood de todos os tempos – e de quebra, não teria ganho também seu primeiro Oscar (e o segundo, também, já que dividiu com seu parceiro habitual Charles Brackett a estatueta de roteiro). Incensado por crítica e pelo Festival de Cannes, “Farrapo humano” ainda saiu da cerimônia da Academia com dois outros importantes prêmios: melhor filme e ator (Ray Milland).
Até então um ator popular mas pouco levado a sério, Milland hesitou em aceitar dar a virada que sua carreira tanto precisava. O mundo estava saindo da II Guerra e um filme sério e pesado sobre o vício em álcool e seus efeitos não parecia algo que o público fosse adotar para fins de entretenimento. Essa não era, no entanto, a opinião de Billy Wilder, que, depois de ler o romance “The lost weekend”, de Charles R. Jackson, em uma viagem de trem, decidiu que sua adaptação seria seu filme seguinte ao noir “Pacto de sangue”, baseado no livro de Raymond Chandler. Ainda impressionado com as dificuldades que passou com Chandler durante a feitura do roteiro do filme – o escritor sofria de alcoolismo – Wilder imediatamente convenceu seu amigo Charles Brackett a acompanhá-lo no desafio de fazer do anti-heroi criado por Jackson um protagonista simpático o suficiente para não afugentar as plateias das salas de exibição. Depois que Cary Grant e José Ferrer recusaram estrelar a produção – talvez por medo que ela pudesse fracassar e matar suas carreiras – o estúdio acabou convencendo Ray Milland de que o papel poderia ser um divisor de águas em sua trajetória de ator. Mergulhado com dedicação na busca por uma atuação convincente, Milland acabou por passar por dificuldades inusitadas – internado espontaneamente na ala para dependentes de álcool em um hospital nova-iorquino, ele tentou fugir apavorado com o que viu e demorou a convencer os funcionários de que era apenas laboratório – e se viu, no fim do processo, não só com o Oscar de melhor ator, mas também com o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes e o Golden Globe.
Não é para menos: na pele de Don Birman, um escritor em meio a uma enorme crise criativa que tanto foi o catalisador de seu vício quanto sua consequência, Milland entrega uma performance de intensidade rara. Era a primeira vez que o cinema americano mostrava uma vítima de alcoolismo sem apoiar-se no humor ou como parte do elenco de coadjuvantes. Mais do que isso, o roteiro de Wilder e Brackett tampouco caía na tentação de fazer de seu protagonista um bêbado engraçadinho ou simpático, vítima das circunstâncias. Birman não hesita em mentir e roubar para sustentar seu vício, chegando a ser humilhado e sofrer na pele desde o desespero da abstinência até as temidas alucinações - que lhe chegam durante sua internação em um hospital que o faz tomar contato com outro lado de sua doença: a partir dali ela não é mais parte de um universo de bares e conversas inconsequentes ou subterfúgios que o fazem disfarçar o problema e minimizá-lo. Enfatizadas pela angustiante trilha sonora de Miklós Rozsa - também indicada à estatueta da Academia - as cenas em que Birman anda pelas ruas de Nova York tentando empenhar sua máquina de escrever para arrumar dinheiro para a bebida e quando rouba a bolsa de uma cliente de um bar são de uma força ainda hoje admiráveis e fascinantes. O "fim-de-semana perdido" do título original - que se refere aos dias em que Birnam aproveita uma viagem do irmão para entregar-se sem medo a seu vício - se escora na trêmula fotografia de John F. Seitz para carregar consigo uma plateia até então desacostumada a viagens tão realistas.
E justamente por causa do realismo de tais cenas, dirigidas com a firmeza e a inteligência características de Billy Wilder, não deixa de ser irônico que, à época de seu lançamento, o filme tenha sofrido tantos ataques. Não bastasse a reação totalmente negativa do público na primeira exibição do filme - segundo o diretor houve risadas do início ao fim da projeção - e o medo da Paramount a respeito de uma história tão pesada, entidades de combate ao vício do álcool se posicionaram contra "Farrapo humano" por acreditar que ele poderia incentivar o consumo da bebida. Quase engavetado pelo estúdio, a produção só chegou às telas devido ao respeito e ao prestígio de Wilder - e para surpresa de todos, o que parecia mais um projeto destinado ao fracasso acabou caindo nas graças da crítica e da Academia. De algo arriscado e corajoso, o filme marcou época, ganhou quatro dos sete Oscar a que foi indicado, levou 3 Golden Globes, dois prêmios no Festival de Cannes e se fixou na memória do público como a mais importante e relevante produção a respeito do tema. Graças ao roteiro conciso (que substituiu a homossexualidade do protagonista por um simples bloqueio criativo sem perder a força da trama), a direção criativa e à atuação milagrosa de Ray Milland, "Farrapo humano" é, ainda hoje, um filme irretocável e moderno.
sábado, 22 de abril de 2017
BRASIL, 517 ANOS
sexta-feira, 21 de abril de 2017
TIRADENTES ESQUARTEJADO
O pintor Pedro Américo (1843-1905) já era um artista renomado quando pintou “Tiradentes esquartejado”, em 1893. A tela foi feita por iniciativa do próprio pintor que pretendia criar um conjunto de obras sobre a Conjuração Mineira. O conjunto nunca foi feito, mas “Tiradentes esquartejado” reforçou a imagem do herói-mártir dos republicanos. O artista e o contexto histórico O paraibano Pedro Américo (1843-1905) foi um pintor da chamada escola romântica, um estilo artístico que vigorou na Europa em meados do século XIX e que teve, entre suas características, a exaltação dos sentimentos nacionalistas. Pintou temas históricos como A Batalha de Campo Grande (1871), Fala do Trono (1873), Batalha do Avaí (1874) e O grito do Ipiranga (1888). Essas telas exaltavam feitos da monarquia a quem Pedro Américo era grato, afinal seus estudos de artes plásticas em Paris, dos 16 aos 21 anos, foram patrocinados pelo imperador D. Pedro II. Os ventos políticos, contudo, eram outros. A República fora proclamada, em 1889, e o novo governo ainda não se consolidara. A renúncia de Deodoro em 1891, revoluções na capital e no sul (Revolta da Armada e Revolução Federalista) e a crise econômica e financeira do Encilhamento fragilizavam o novo regime que sequer apoio popular possuía. O desafio de substituir um governo e construir uma nação exigia uma população unida em torno do novo projeto político. Uma das estratégias para tal, era eleger um herói “integrador e portador da imagem do povo inteiro”. Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos de referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos. Não há regime que não promova o culto de seus heróis e não possua seu panteão cívico. (…) A falta de envolvimento real do povo na implantação do regime leva à tentativa de compensação, por meio da mobilização simbólica. (José Murilo de Carvalho) Inicialmente, tentou-se alçar à posição de herói republicano os principais participantes do 15 de novembro, entre eles, marechal Deodoro, Benjamin Constant e Joaquim Floriano. Não deu certo. Tiradentes, o único executado na Conjuração Mineira, atendia às exigências da mitificação. O sonho de implantar uma Republica o contrapunha aos monarquistas. Seu nome estava nos clubes republicanos e ele era o herói exaltado pelos setores republicanos mais radicais por sua origem humilde e popular em contraste com a elite econômica e política. Em um contexto de tensões políticas e crise econômico-financeira, Tiradentes inaugura o panteão republicano como elemento integrador, o mártir que deu sua vida à causa republicana e, portanto, o herói cívico, por excelência. Na figura de Tiradentes todos podiam identificar-se, ele operava a unidade mística dos cidadãos, o sentimento de participação, de união em torno de um ideal, fosse ele a liberdade, a independência ou a república. Era o totem cívico. Não antagonizava ninguém, não dividia as pessoas e as classes sociais, não dividia o país, não separava o presente do passado nem do futuro. Pelo contrário, ligava a república à independência e a projetava para o ideal de crescente liberdade futura. A liberdade ainda que tardia. (José Murilo de Carvalho) Tiradentes tornou-se assim símbolo da República e, em 1890, a data de sua morte, 21 de abril foi declarada feriado nacional. Por essa época, Pedro Américo perdera sua posição de pintor oficial e, pouco depois, fora aposentado do cargo de professor da Academia de Belas Artes (1890). Suas ligações com o regime deposto dificultavam as encomendas de trabalhos. Motivado pelo centenário da morte de Tiradentes (1892), Pedro Américo, por iniciativa própria, produz a tela procurando recuperar o apoio do governo, em especial do Estado de Minas Gerais para o qual ela é oferecida. A pintura faria parte de um conjunto de cinco telas que retratariam a tragédia da conjuração. Qual a cara do herói? Quase nada se sabe sobre a aparência física de Tiradentes. Não há retratos do século XVIII e as poucas descrições são imprecisas. Não se sabe se era branco ou mulato, rico ou pobre e mesmo seu verdadeiro papel na conjuração não é plenamente conhecido e ainda gera muito debate entre os historiadores. Transformou-se em um mito sem ter sido plenamente conhecido como personagem histórico. Como lembra Murilo de Carvalho, a construção do mito transcende ao debate historiográfico: O domínio do mito é o imaginário que se manifesta na tradição escrita e oral, na produção artística, nos rituais. A formação do mito pode dar-se contra a evidência documental; o imaginário pode interpretar evidências segundo mecanismos simbólicos que lhe são próprios e que não se enquadram necessariamente na retórica da narrativa histórica. Mesmo de aparência física desconhecida, sabe-se que Tiradentes, sendo militar, usava barba raspada e bigodes fartos como todos os militares da época. Quando foi enforcado, vestia um camisolão branco e estava com o cabelo e a barba totalmente raspados, como era costume para os condenados. Contudo, essa não foi a imagem dada ao herói. A representação de Tiradentes ganhou contornos religiosos: o mártir foi associado a Cristo e recebeu a aparência consagrada pela iconografia cristã. A barba crescida, o rosto sereno e o olhar elevado aos céus reforçavam a associação de Tiradentes com a imagem de Cristo. Mas é bom lembrar que a representação de Tiradentes como Cristo não foi invenção dos republicanos e nem de Pedro Américo. Poetas e escritores já tinham feito essa associação ainda na época do Império. Há, inclusive, registros de festas comemorativas da Conjuração Mineira e da morte de Tiradentes nas últimas décadas do século XIX. Na década de 1890 e, sobretudo, no tempo dos presidentes Campos Sales (1898/1902) e Rodrigues Alves (1902/1906), a imagem de Tiradentes como herói cívico-religioso fixou-se. Nesses anos, houve, em todo país, uma febre de construção e reformas de prédios para abrigar as novas funções políticas e administrativas trazidas pela República. É dessa época, por exemplo, a reforma do Palácio do Catete, antiga residência aristocrática, para adaptar-se ao novo uso administrativo e de residência oficial do presidente da República. Para decorar os novos salões, foram encomendadas pinturas que exaltavam a nação e o culto patriótico. Entre os temas encomendados aos pintores estavam aqueles referentes a Tiradentes, o herói republicano. Nessa pintura de exaltação da República, destacaram-se: Décio Villares (1851-1931), Eduardo Sá (1866-1940) e Aurélio de Figueiredo (1856-1916) cujas telas sobre Tiradentes foram reproduzidas incansavelmente em jornais, revistas e livros escolares consagrando, no imaginário popular, a imagem do herói cívico como Cristo.
Obrigado por compartilhar.
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Lembre-se de citar a fonte: http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/tiradentes-esquartejado-uma-leitura-critica/ -
Blog: Ensinar História - Joelza Ester Domingues
quinta-feira, 20 de abril de 2017
DISCOTECA BÁSICA
Crosby, Stills, Nash & Young
Quando o canadense Neil Young se juntou ao trio de bardos David Crosby, Stephen Stills e Graham Nash o mundo da música só tinha o que comemorar. Representando a nata do folk-rock da época, esse quarteto fantástico produziu apenas este disco em estúdio e outro ao vivo, porem foi o suficiente pra deixar sua marca na história. O disco apresenta canções bem divididas dos quatro compositores, onde a inspiração é total para falar de temas diversos, sempre mantendo o espirito politizado do conjunto, em canções de rock, blues, country, baladas e folk. As melhores faixas são: a avassaladora "Carry On" de Stills, "Almost Cut My Hair" de Crosby, "Woodstock ", e "Everybody I Love You' de Stills e Young. Para todos os fãs de qualquer um desses músicos extraordinários, que juntos conseguiram gravar um grande monumento do rock.
FONTE: http://discografiabasicamp3.blogspot.com.br/2009/03/crosby-stills-nash-young-deja-vu-1970.html
Déjà Vu (1970)
FONTE: http://discografiabasicamp3.blogspot.com.br/2009/03/crosby-stills-nash-young-deja-vu-1970.html
JORGE LUIS BORGES
O Suicida
Não restará na noite uma só estrela.
Não restará a noite.
Morrerei e comigo irá a soma
Do intolerável universo.
Apagarei medalhas e pirâmides,
Os continentes e os rostos.
Apagarei a acumulação do passado.
Farei da história pó, do pó o pó.
Estou a olhar o último poente.
Ouço o último pássaro.
Lego o nada a ninguém.
Não restará a noite.
Morrerei e comigo irá a soma
Do intolerável universo.
Apagarei medalhas e pirâmides,
Os continentes e os rostos.
Apagarei a acumulação do passado.
Farei da história pó, do pó o pó.
Estou a olhar o último poente.
Ouço o último pássaro.
Lego o nada a ninguém.
* in "A Rosa Profunda"
quarta-feira, 19 de abril de 2017
terça-feira, 18 de abril de 2017
CHARLES BUKOWSKI
um sorriso para se lembrar
nós tínhamos peixes dourados e eles ficavam dando voltas
no aquário sobre a mesa perto das cortinas pesadas
cobrindo a vista da janela e
minha mãe, sempre sorrindo, querendo que todos nós
estivéssemos felizes, me disse, 'seja feliz Henry!'
e ela estava certa: é melhor ser feliz se você
pode
mas meu pai continuava a bater nela e em mim várias vezes por semana enquanto
se enfurecia em seus 1,88 de altura, porque ele não conseguia
entender o que estava atacando-o por dentro
minha mãe, pobre peixe,
querendo ser feliz, apanhando duas ou três vezes por
semana, dizendo-me para ser feliz: ‘Henry, sorria!
por que você nunca sorri?’
e então ela sorria, para me mostrar como se fazia, e era o
sorriso mais triste que já vi
um dia os peixes dourados morreram, todos os cinco,
eles boiaram na água, de lado, seus
olhos ainda abertos,
e quando meu pai chegou em casa ele jogou-os para o gato
lá no chão da cozinha e nós observávamos enquanto minha mãe
sorria.
domingo, 16 de abril de 2017
POESIA LUNAR
de Ticiana Vasconcelos Silva
FONTE: http://www.zebeto.com.br/poesia-lunar/#.WPPdUPkrKUk
Um dia a poesia alcançará a todos os seres da Terra
E os transformará em pessoas livres e despertas
Não subjugará os justos, nem punirá os corruptos
Apenas convidará a todos para uma grande festa
Que só os céus conhecem e só os puros merecem
Mas que por suas vias a todos prevalece
Pois a poesia é suja quando investida de razões
Mas é plena por estar livre de expiações
Não se demore, portanto, a ler o que a poesia diz
Mas saiba que ela é feita do que nasceu de uma raiz
Que não é feita na Terra e nem nos céus
E que é conduta aos que se sentem ao léu
Por isso, a poesia é tão minha que a mim não pertence
Ela vence as intempéries da vida e dos que a ela se rendem
Como que se buscassem o vazio impermanente
Como se ouvissem o silêncio dos sábios livres em suas mentes
E os transformará em pessoas livres e despertas
Não subjugará os justos, nem punirá os corruptos
Apenas convidará a todos para uma grande festa
Que só os céus conhecem e só os puros merecem
Mas que por suas vias a todos prevalece
Pois a poesia é suja quando investida de razões
Mas é plena por estar livre de expiações
Não se demore, portanto, a ler o que a poesia diz
Mas saiba que ela é feita do que nasceu de uma raiz
Que não é feita na Terra e nem nos céus
E que é conduta aos que se sentem ao léu
Por isso, a poesia é tão minha que a mim não pertence
Ela vence as intempéries da vida e dos que a ela se rendem
Como que se buscassem o vazio impermanente
Como se ouvissem o silêncio dos sábios livres em suas mentes
sábado, 15 de abril de 2017
FERNANDO PESSOA
Do livro do desassossego
Eu não possuo a minha alma — como posso possuir com ela?
Não compreendo o meu espírito como através dele compreender?
As nossas sensações passam — como possuí-las pois — ou o que elas mostram muito menos.
Possui alguém um rio que corre, pertence a alguém o vento que passa?
Não possuímos nem um corpo nem uma verdade — nem sequer uma ilusão. Somos fantasmas de mentiras, sombras de ilusões e a minha vida é vã por fora e por dentro. Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer — eu sou eu?
Mas sei que o que eu sinto, sinto-o eu. Quando outro possui esse corpo, possui nele o mesmo que eu? Não. Possui outra sensação. Possuímos nós alguma coisa?
Se nós não sabemos o que somos, como sabemos nós o que possuímos?
quarta-feira, 12 de abril de 2017
terça-feira, 11 de abril de 2017
segunda-feira, 10 de abril de 2017
MINHA PRÓXIMA VIDA
de Woody Allen
Na minha próxima vida, quero viver de trás pra frente. Começar morto, para despachar logo esse assunto. Depois, acordar num lar de idosos e ir-me sentindo melhor a cada dia que passa. Ser expulso porque estou demasiado saudável, ir receber a aposentadoria e começar a trabalhar, recebendo logo um relógio de ouro no Primeiro dia. Trabalhar por 40 anos, cada vez mais desenvolto e saudável, até ser jovem o suficiente para entrar na faculdade, embebedar-me diariamente e ser bastante promíscuo. E depois, estar pronto para o secundário e para o primário, antes de virar criança e só brincar, sem responsabilidades. Aí viro um bebê inocente até nascer. Por fim, passo nove meses flutuando num “spa” de luxo, com aquecimento central, serviço de quarto à disposição e espaço maior dia-a-dia, e depois -”Voilà!” – desapareço num orgasmo.
A GAIOLA DAS LOUCAS
A GAIOLA DAS LOUCAS
FONTE: http://clenio-umfilmepordia.blogspot.com.br/2016/11/a-gaiola-das-loucas.html
(La cage aux folles, 1978, Da Ma Produzione, 103min) Direção: Édouard Molinaro. Roteiro: Francis Veber, Édouard Molinaro, Marcello Danon, Jean Poiret, peça teatral de Jean Poiret. Fotografia: Armando Nannuzzi. Montagem: Monique Isnardon, Robert Isnardon. Música: Ennio Morricone. Figurino: Ambra Danon. Direção de arte/cenários: Marco Garbuglia/Carlo Gervasi. Produção: Marcello Danon. Elenco: Ugo Tognazzi, Michel Serrault, Claire Maurier, Rémi Laurent, Carmen Scarpitta, Benny Luke, Luísa Maneri. Estreia: 25/10/78
3 indicações ao Oscar: Diretor (Édouard Molinaro), Roteiro Adaptado, Figurino
Vencedor do Golden Globe de Melhor Filme Estrangeiro
Levando-se em consideração o quanto a plateia norte-americana é avesso a filmes legendados e seu alto grau de conservadorismo, não deixa de ser surpreendente que "A gaiola das loucas", produção italo-francesa dirigida por Édouard Molinaro em 1978 tenha se tornado, à época de seu lançamento, o filme estrangeiro de maior bilheteria nos EUA. Adaptação da peça teatral de Jean Poiret que ficou em cartaz em Paris ininterruptamente entre 1973 e 1978, o filme de Molinaro é uma comédia rasgada, quase histérica e que consegue, quase por milagre, tratar de um assunto delicado - homossexualidade - sem ofender a comunidade gay ou sofrer rejeição do público médio. Assumindo sem medo o histrionismo como forma narrativa e o exagero como forma de atingir a gargalhada, o cineasta mergulha o espectador em um universo recheado de excessos e que conquista justamente por apresentar personagens que, mesmo a um passo do estereótipo, se mostram falíveis e inseguros como boa parte de quem está do lado de fora da tela. Prova maior da sucessão de acertos de Molinaro é o fato de a Academia de Hollywood (normalmente avessa a comédias em suas cerimônias de premiação) ter aberto uma considerável exceção ao lhe indicar a três Oscar, incluindo melhor diretor e roteiro adaptado - além de uma tardia refilmagem feita em 1996 pelo veterano Mike Nichols, também sucesso de bilheteria.
A Gaiola das Loucas do título é a boate parisiense de propriedade do casal Renato Baldi (Ugo Tognazzi) e Albin Mougeotte (Michel Serrault) - que também se apresenta no local, sempre travestido e com shows de grande êxito. Vivendo juntos há mais de vinte anos, eles são surpreendidos com a notícia de que Laurent (Rémi Laurent), fruto da única experiência heterossexual de Renato, irá se casar com a namorada da faculdade. O problema é que a garota é filha de Simon Charrier (Michel Galabru), um político conservador e que zela pela moral e bons costumes da família francesa. Sabendo que contar a verdadeira natureza de seu relacionamento com Albin poderia colocar por água abaixo os planos amorosos do filho, Renato resolve afastar o amante de casa durante o jantar oferecido para que as famílias se apresentem. Ofendido com a ideia, Albin decide comparecer à reunião vestido como a mãe de Laurent - e o que já seria uma atitude temerária fica ainda mais perigosa quando a verdadeira progenitora do rapaz, Simone (Claire Maurier) também surge no apartamento devidamente redecorado para não ferir as suscetibilidades do venerável político.
Trabalhando em ritmo e estrutura de farsa, o roteiro de "A gaiola das loucas" brinca com todos os clichês e estereótipos da homossexualidade masculina, porém o faz com inteligência e respeito. Fica claro, conforme a história anda, que o filme é mais simpático à causa gay - e ao injustiçado Albin, dramático e espalhafatoso - do que à hipocrisia da direita representada por Simon Charrier. Para isso, é claro, o filme conta com a atuação espetacular de Michel Serrault, premiado com o César (o Oscar francês) por seu desempenho nunca aquém de hilariante. Se Ugo Tognazzi sai-se muito bem como a parte racional do casal, sempre tentando manter a paz doméstica mesmo nas crises do parceiro, é Serrault quem tem as cenas e diálogos mais apetitosos, em especial quando, na pele da mãe de Laurent, emplaca uma conversa surreal com o futuro sogro do rapaz. Some-se à essa situação bizarra o interesse da imprensa pelo político depois da morte do presidente em circunstâncias pouco e um empregado insatisfeito com sua obrigação de viver uma farsa e a confusão está formada em todas as frentes.
Sem perder o ritmo de sua narrativa em nenhum momento, sempre acrescentando informações e novidades à trama, Édouard Molinaro faz de "A gaiola das loucas" uma comédia absolutamente bem-sucedida, ao fugir do nicho de produção com temática gay - o que fatalmente o condenaria ao fracasso de bilheteria, haja visto que na década de 70 o assunto era um tabu ainda maior, mesmo no cinema europeu. Sem precisar disfarçar ou amenizar o enfoque na sexualidade de seus protagonistas - ainda que não exiba momentos de intimidade entre eles - o filme simplesmente conta sua história sem preocupar-se em desagradar os setores mais conservadores da plateia. Fazendo rir sem ridicularizar seus personagens (por mais que muitas vezes eles quase implorem por isso), o roteiro entrega à plateia um entretenimento divertido e inofensivo, capaz de fazer rir até ao mais sério dos espectadores. Não à toa, rendeu duas continuações inferiores - em 1980 e 1985 - e permanece vivo na memória do público há mais de trinta anos. Proeza de poucos!
3 indicações ao Oscar: Diretor (Édouard Molinaro), Roteiro Adaptado, Figurino
Vencedor do Golden Globe de Melhor Filme Estrangeiro
Levando-se em consideração o quanto a plateia norte-americana é avesso a filmes legendados e seu alto grau de conservadorismo, não deixa de ser surpreendente que "A gaiola das loucas", produção italo-francesa dirigida por Édouard Molinaro em 1978 tenha se tornado, à época de seu lançamento, o filme estrangeiro de maior bilheteria nos EUA. Adaptação da peça teatral de Jean Poiret que ficou em cartaz em Paris ininterruptamente entre 1973 e 1978, o filme de Molinaro é uma comédia rasgada, quase histérica e que consegue, quase por milagre, tratar de um assunto delicado - homossexualidade - sem ofender a comunidade gay ou sofrer rejeição do público médio. Assumindo sem medo o histrionismo como forma narrativa e o exagero como forma de atingir a gargalhada, o cineasta mergulha o espectador em um universo recheado de excessos e que conquista justamente por apresentar personagens que, mesmo a um passo do estereótipo, se mostram falíveis e inseguros como boa parte de quem está do lado de fora da tela. Prova maior da sucessão de acertos de Molinaro é o fato de a Academia de Hollywood (normalmente avessa a comédias em suas cerimônias de premiação) ter aberto uma considerável exceção ao lhe indicar a três Oscar, incluindo melhor diretor e roteiro adaptado - além de uma tardia refilmagem feita em 1996 pelo veterano Mike Nichols, também sucesso de bilheteria.
A Gaiola das Loucas do título é a boate parisiense de propriedade do casal Renato Baldi (Ugo Tognazzi) e Albin Mougeotte (Michel Serrault) - que também se apresenta no local, sempre travestido e com shows de grande êxito. Vivendo juntos há mais de vinte anos, eles são surpreendidos com a notícia de que Laurent (Rémi Laurent), fruto da única experiência heterossexual de Renato, irá se casar com a namorada da faculdade. O problema é que a garota é filha de Simon Charrier (Michel Galabru), um político conservador e que zela pela moral e bons costumes da família francesa. Sabendo que contar a verdadeira natureza de seu relacionamento com Albin poderia colocar por água abaixo os planos amorosos do filho, Renato resolve afastar o amante de casa durante o jantar oferecido para que as famílias se apresentem. Ofendido com a ideia, Albin decide comparecer à reunião vestido como a mãe de Laurent - e o que já seria uma atitude temerária fica ainda mais perigosa quando a verdadeira progenitora do rapaz, Simone (Claire Maurier) também surge no apartamento devidamente redecorado para não ferir as suscetibilidades do venerável político.
Trabalhando em ritmo e estrutura de farsa, o roteiro de "A gaiola das loucas" brinca com todos os clichês e estereótipos da homossexualidade masculina, porém o faz com inteligência e respeito. Fica claro, conforme a história anda, que o filme é mais simpático à causa gay - e ao injustiçado Albin, dramático e espalhafatoso - do que à hipocrisia da direita representada por Simon Charrier. Para isso, é claro, o filme conta com a atuação espetacular de Michel Serrault, premiado com o César (o Oscar francês) por seu desempenho nunca aquém de hilariante. Se Ugo Tognazzi sai-se muito bem como a parte racional do casal, sempre tentando manter a paz doméstica mesmo nas crises do parceiro, é Serrault quem tem as cenas e diálogos mais apetitosos, em especial quando, na pele da mãe de Laurent, emplaca uma conversa surreal com o futuro sogro do rapaz. Some-se à essa situação bizarra o interesse da imprensa pelo político depois da morte do presidente em circunstâncias pouco e um empregado insatisfeito com sua obrigação de viver uma farsa e a confusão está formada em todas as frentes.
Sem perder o ritmo de sua narrativa em nenhum momento, sempre acrescentando informações e novidades à trama, Édouard Molinaro faz de "A gaiola das loucas" uma comédia absolutamente bem-sucedida, ao fugir do nicho de produção com temática gay - o que fatalmente o condenaria ao fracasso de bilheteria, haja visto que na década de 70 o assunto era um tabu ainda maior, mesmo no cinema europeu. Sem precisar disfarçar ou amenizar o enfoque na sexualidade de seus protagonistas - ainda que não exiba momentos de intimidade entre eles - o filme simplesmente conta sua história sem preocupar-se em desagradar os setores mais conservadores da plateia. Fazendo rir sem ridicularizar seus personagens (por mais que muitas vezes eles quase implorem por isso), o roteiro entrega à plateia um entretenimento divertido e inofensivo, capaz de fazer rir até ao mais sério dos espectadores. Não à toa, rendeu duas continuações inferiores - em 1980 e 1985 - e permanece vivo na memória do público há mais de trinta anos. Proeza de poucos!
sábado, 8 de abril de 2017
O MEDO DE NÓS MESMOS
de Oscar Wilde
Acredito que se um homem vivesse a sua vida plenamente, desse forma a cada sentimento, expressão a cada pensamento, realidade a cada sonho, acredito que o mundo beneficiaria de um novo impulso de energia tão intenso que esqueceríamos todas as doenças da época medieval e regressaríamos ao ideal helênico, possivelmente até a algo mais depurado e mais rico do que o ideal helênico. Mas o mais corajoso homem entre nós tem medo de si próprio. A mutilação do selvagem sobrevive tragicamente na autonegação que nos corrompe a vida. Somos castigados pelas nossas renúncias. Cada impulso que tentamos estrangular germina no cérebro e envenena-nos. O corpo peca uma vez, e acaba com o pecado, porque a ação é um modo de expurgação. Nada mais permanece do que a lembrança de um prazer, ou o luxo de um remorso. A única maneira de nos livrarmos de uma tentação é cedermos-lhe. Se lhe resistirmos, a nossa alma adoece com o anseio das coisas que se proibiu, com o desejo daquilo que as suas monstruosas leis tornaram monstruoso e ilegal. Já se disse que os grandes acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro, e apenas neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo.
sexta-feira, 7 de abril de 2017
BILLIE HOLIDAY
My Man
BILLIE HOLIDAY
Eleanora Fagan Gough
Filadélfia, 7 de abril de 1915 — Nova Iorque, 17 de julho de 1959
quinta-feira, 6 de abril de 2017
ZÉ DA SILVA
Piolhos
Se há um piolho incomodando, um tiro de calibre 12 na cara dele. Mas quando uma infestação atormenta a cabeça de todo mundo, como fazer? Jogou o jornal para o lado, amassado. Em Brasília, todas as horas são de terror – para o resto do país. Pensou nisso e viu que a solução do inseticida seria fraca. Os líderes! Sim, pegar os principais, das facções – e mostrar como acontece antes de se chegar à solução de enterrar de cabeça pra baixo para não ocupar espaço na face da Terra. Transmissão em tempo real acompanhando o depoimento do safado, pelado, pinto encolhido, o toba lacrado, pedindo perdão - e se borrando feito bebê com disenteria. Agora pode cantar o hino nacional porque vai morrer em nome da pátria amada salve, salve. Olha o seu buraco nessa terra abençoada por deus, bonita por natureza e ocupada por um povinho bem ao gosto de filhos da peste bubônica que comandam o extermínio com pose de estadistas – e sempre bem perfurmados, apesar das mãos sujas de sangue. O que? Quer falar mais? Não. Antes de descer ao inferno terás os dentes branquinhos quebrados a coronhadas. Não vale engolir, senão não vai ter espaço para a terra que vai te engasgar na busca desesperada do ar. Como? Não merece? Até nessa hora você mente? Não reze. Você será o precursor. Para os amigos de sempre, o exemplo, para a laia de sempre. Pronto, podem socar essa praga, mas deixem os pés pra fora quando taparem o buraco. Os porcos desesperados de fome precisam.
Se há um piolho incomodando, um tiro de calibre 12 na cara dele. Mas quando uma infestação atormenta a cabeça de todo mundo, como fazer? Jogou o jornal para o lado, amassado. Em Brasília, todas as horas são de terror – para o resto do país. Pensou nisso e viu que a solução do inseticida seria fraca. Os líderes! Sim, pegar os principais, das facções – e mostrar como acontece antes de se chegar à solução de enterrar de cabeça pra baixo para não ocupar espaço na face da Terra. Transmissão em tempo real acompanhando o depoimento do safado, pelado, pinto encolhido, o toba lacrado, pedindo perdão - e se borrando feito bebê com disenteria. Agora pode cantar o hino nacional porque vai morrer em nome da pátria amada salve, salve. Olha o seu buraco nessa terra abençoada por deus, bonita por natureza e ocupada por um povinho bem ao gosto de filhos da peste bubônica que comandam o extermínio com pose de estadistas – e sempre bem perfurmados, apesar das mãos sujas de sangue. O que? Quer falar mais? Não. Antes de descer ao inferno terás os dentes branquinhos quebrados a coronhadas. Não vale engolir, senão não vai ter espaço para a terra que vai te engasgar na busca desesperada do ar. Como? Não merece? Até nessa hora você mente? Não reze. Você será o precursor. Para os amigos de sempre, o exemplo, para a laia de sempre. Pronto, podem socar essa praga, mas deixem os pés pra fora quando taparem o buraco. Os porcos desesperados de fome precisam.
BLOG DO ZÉ BETO: http://www.zebeto.com.br/