Do livro do desassossego
Eu não possuo a minha alma — como posso possuir com ela?
Não compreendo o meu espírito como através dele compreender?
As nossas sensações passam — como possuí-las pois — ou o que elas mostram muito menos.
Possui alguém um rio que corre, pertence a alguém o vento que passa?
Não possuímos nem um corpo nem uma verdade — nem sequer uma ilusão. Somos fantasmas de mentiras, sombras de ilusões e a minha vida é vã por fora e por dentro. Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer — eu sou eu?
Mas sei que o que eu sinto, sinto-o eu. Quando outro possui esse corpo, possui nele o mesmo que eu? Não. Possui outra sensação. Possuímos nós alguma coisa?
Se nós não sabemos o que somos, como sabemos nós o que possuímos?
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