O pintor Pedro Américo (1843-1905) já era um artista renomado quando pintou “Tiradentes esquartejado”, em 1893. A tela foi feita por iniciativa do próprio pintor que pretendia criar um conjunto de obras sobre a Conjuração Mineira. O conjunto nunca foi feito, mas “Tiradentes esquartejado” reforçou a imagem do herói-mártir dos republicanos. O artista e o contexto histórico O paraibano Pedro Américo (1843-1905) foi um pintor da chamada escola romântica, um estilo artístico que vigorou na Europa em meados do século XIX e que teve, entre suas características, a exaltação dos sentimentos nacionalistas. Pintou temas históricos como A Batalha de Campo Grande (1871), Fala do Trono (1873), Batalha do Avaí (1874) e O grito do Ipiranga (1888). Essas telas exaltavam feitos da monarquia a quem Pedro Américo era grato, afinal seus estudos de artes plásticas em Paris, dos 16 aos 21 anos, foram patrocinados pelo imperador D. Pedro II. Os ventos políticos, contudo, eram outros. A República fora proclamada, em 1889, e o novo governo ainda não se consolidara. A renúncia de Deodoro em 1891, revoluções na capital e no sul (Revolta da Armada e Revolução Federalista) e a crise econômica e financeira do Encilhamento fragilizavam o novo regime que sequer apoio popular possuía. O desafio de substituir um governo e construir uma nação exigia uma população unida em torno do novo projeto político. Uma das estratégias para tal, era eleger um herói “integrador e portador da imagem do povo inteiro”. Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos de referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos. Não há regime que não promova o culto de seus heróis e não possua seu panteão cívico. (…) A falta de envolvimento real do povo na implantação do regime leva à tentativa de compensação, por meio da mobilização simbólica. (José Murilo de Carvalho) Inicialmente, tentou-se alçar à posição de herói republicano os principais participantes do 15 de novembro, entre eles, marechal Deodoro, Benjamin Constant e Joaquim Floriano. Não deu certo. Tiradentes, o único executado na Conjuração Mineira, atendia às exigências da mitificação. O sonho de implantar uma Republica o contrapunha aos monarquistas. Seu nome estava nos clubes republicanos e ele era o herói exaltado pelos setores republicanos mais radicais por sua origem humilde e popular em contraste com a elite econômica e política. Em um contexto de tensões políticas e crise econômico-financeira, Tiradentes inaugura o panteão republicano como elemento integrador, o mártir que deu sua vida à causa republicana e, portanto, o herói cívico, por excelência. Na figura de Tiradentes todos podiam identificar-se, ele operava a unidade mística dos cidadãos, o sentimento de participação, de união em torno de um ideal, fosse ele a liberdade, a independência ou a república. Era o totem cívico. Não antagonizava ninguém, não dividia as pessoas e as classes sociais, não dividia o país, não separava o presente do passado nem do futuro. Pelo contrário, ligava a república à independência e a projetava para o ideal de crescente liberdade futura. A liberdade ainda que tardia. (José Murilo de Carvalho) Tiradentes tornou-se assim símbolo da República e, em 1890, a data de sua morte, 21 de abril foi declarada feriado nacional. Por essa época, Pedro Américo perdera sua posição de pintor oficial e, pouco depois, fora aposentado do cargo de professor da Academia de Belas Artes (1890). Suas ligações com o regime deposto dificultavam as encomendas de trabalhos. Motivado pelo centenário da morte de Tiradentes (1892), Pedro Américo, por iniciativa própria, produz a tela procurando recuperar o apoio do governo, em especial do Estado de Minas Gerais para o qual ela é oferecida. A pintura faria parte de um conjunto de cinco telas que retratariam a tragédia da conjuração. Qual a cara do herói? Quase nada se sabe sobre a aparência física de Tiradentes. Não há retratos do século XVIII e as poucas descrições são imprecisas. Não se sabe se era branco ou mulato, rico ou pobre e mesmo seu verdadeiro papel na conjuração não é plenamente conhecido e ainda gera muito debate entre os historiadores. Transformou-se em um mito sem ter sido plenamente conhecido como personagem histórico. Como lembra Murilo de Carvalho, a construção do mito transcende ao debate historiográfico: O domínio do mito é o imaginário que se manifesta na tradição escrita e oral, na produção artística, nos rituais. A formação do mito pode dar-se contra a evidência documental; o imaginário pode interpretar evidências segundo mecanismos simbólicos que lhe são próprios e que não se enquadram necessariamente na retórica da narrativa histórica. Mesmo de aparência física desconhecida, sabe-se que Tiradentes, sendo militar, usava barba raspada e bigodes fartos como todos os militares da época. Quando foi enforcado, vestia um camisolão branco e estava com o cabelo e a barba totalmente raspados, como era costume para os condenados. Contudo, essa não foi a imagem dada ao herói. A representação de Tiradentes ganhou contornos religiosos: o mártir foi associado a Cristo e recebeu a aparência consagrada pela iconografia cristã. A barba crescida, o rosto sereno e o olhar elevado aos céus reforçavam a associação de Tiradentes com a imagem de Cristo. Mas é bom lembrar que a representação de Tiradentes como Cristo não foi invenção dos republicanos e nem de Pedro Américo. Poetas e escritores já tinham feito essa associação ainda na época do Império. Há, inclusive, registros de festas comemorativas da Conjuração Mineira e da morte de Tiradentes nas últimas décadas do século XIX. Na década de 1890 e, sobretudo, no tempo dos presidentes Campos Sales (1898/1902) e Rodrigues Alves (1902/1906), a imagem de Tiradentes como herói cívico-religioso fixou-se. Nesses anos, houve, em todo país, uma febre de construção e reformas de prédios para abrigar as novas funções políticas e administrativas trazidas pela República. É dessa época, por exemplo, a reforma do Palácio do Catete, antiga residência aristocrática, para adaptar-se ao novo uso administrativo e de residência oficial do presidente da República. Para decorar os novos salões, foram encomendadas pinturas que exaltavam a nação e o culto patriótico. Entre os temas encomendados aos pintores estavam aqueles referentes a Tiradentes, o herói republicano. Nessa pintura de exaltação da República, destacaram-se: Décio Villares (1851-1931), Eduardo Sá (1866-1940) e Aurélio de Figueiredo (1856-1916) cujas telas sobre Tiradentes foram reproduzidas incansavelmente em jornais, revistas e livros escolares consagrando, no imaginário popular, a imagem do herói cívico como Cristo.
Obrigado por compartilhar.
Obrigado por compartilhar.
Lembre-se de citar a fonte: http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/tiradentes-esquartejado-uma-leitura-critica/ -
Blog: Ensinar História - Joelza Ester Domingues
Nenhum comentário :
Postar um comentário