Por Carina Rabelo
O
filme “Acossado”, de Jean-Luc Goddard, modificou os padrões
cinematográficos da época - como a unidade da montagem e do roteiro, a
continuidade dos diálogos e a sutileza dos cortes. O filme instaura a
quebra narrativa, prioriza cenas ágeis, utiliza ângulos de câmera fora
do comum, testa edições elípticas e introduz cortes rápidos – o que
influenciou bastante o cinema americano dos anos 60 – mas, ainda assim,
mantém espaço para a reflexão. No entanto, é importante frisar que o
aspecto mais relevante deste filme não está no seu conteúdo, mas na sua
forma inovadora – o “modo” de contar a história.
A metalinguagem é
outra característica marcante da obra, que, por diversos momentos, faz
referências a outros filmes, atores, diretores e diversos elementos do
mundo do cinema. É como se a obra não estivesse tão preocupada em
‘contar uma história’, e se ocupasse mais da experimentação das diversas
possibilidades fílmicas, através de um ousado roteiro e de uma montagem
inovadora - que chega a gerar algum estranhamento ou repulsa na
apreciação. Até então, nada igual tinha sido feito no cinema.
O
filme propõe uma ruptura com o modelo tradicional da narrativa literária
e defende que o cinema tem que explorar as múltiplas possibilidades do
formato do filme, e não as gastas estratégias poéticas da literatura.
Acossado
provou aos cineastas da época que era possível cortar um
plano-sequência e mostrar o que estava cortado. Era possível mostrar o
mesmo plano duas vezes. Era possível experimentar, criar e sair dos
eixos do cinema clássico. O cinema foi tratado ineditamente como um
material plástico maleável, cuja forma ultrapassava os limites da
imaginação. Pela primeira vez, percebia-se conscientemente que o cinema é
um instrumento de expressão artística, sem limites, e que o apreciador
deve obedecer às condições de fruição específicas que o formato exige.
Um
outro aspecto inovador importante é a introdução do anti-herói como
protagonista do filme (não há o maniqueísmo do bem x mal), e a quebra
dos perfis tradicionais do ‘herói cinematográfico’. Michael Poiccard,
protagonizado por Jean-Paul Belmondo, era um ladrão moralmente
condenável, não tinha características admiráveis e nem mesmo era bonito -
principalmente quando comparado ao estilo de beleza greco-romana
exaltada pelos filmes de Hollywood. E assim, Poiccard era perfeito como
‘herói’ da Nouvelle Vague, como um homem comum, um homem contemporâneo. O
estilo do filme tem um profundo efeito na história do cinema e abre
caminhos para uma estética mais livre e pessoal.
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