Pensava que escrevia por timidez, por não saber falar,
pelas dificuldades de encarar a verdade enquanto ardia, arvorava,
arfava. Há muitos que ainda acreditam que começaram a escrever pela
covardia de abrir a boca. Nas cartas de amor, por exemplo, eu me
declarava para quem gostava pelo papel, e não pela pele, ainda que o
caderno seja pele de um figo. O figo, assim como a literatura, é
descascado com as unhas, dispensando facas e canivetes. Não sei
descascar laranjas e olhos com as unhas, e sim com os dentes. Com as
mãos, sei descascar a boca do figo e o figo da boca, mais nada.
Acreditei mesmo que escrever era uma fuga, pedra ignorada, silêncio
espalhado, um subterfúgio, que não estava assumindo uma atitude e
buscava me esconder, me retrair, me diminuir. Mas não. Escrever é
queimar o papel de qualquer forma. Desde o princípio, foi a maior
coragem, nunca uma desistência, nunca um recuo, e sim avanço e
aceitação. Deixar de falar de si para falar como se fosse o outro.
Deixar a solidão da voz para fazer letra acompanhada, emendada, uma
dependendo da próxima garfada para alongar a respiração. Baixa-se o
rosto para levantar o verbo. É necessário mais coragem para escrever do
que falar, porque a escrita não depende só de ti. Nasce no momento em
que será lida.
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